Após constatação de manipulação, Festival de Cannes cassa prêmios da DM9

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A organização do Cannes Lions, considerado o festival de criatividade mais importante do mundo, cassou o Grand Prix conquistado pela agência DM9 no evento deste ano. A ação 'Efficient Way to Pay', criada para a Consul, havia levado o prêmio máximo da categoria Creative Data.
Segundo a organização do festival, a cassação ocorreu 'após a descoberta de que conteúdo gerado e manipulado por IA foi utilizado no filme do caso para simular eventos reais e resultados da campanha, resultando na apresentação de informações imprecisas ao júri durante suas deliberações'.
O case também havia ficado com um troféu de Bronze, na categoria Creative Commerce. O festival não deixa claro se esse prêmio também foi cassado — de qualquer forma, a DM9 anunciou que decidiu retirar todas as inscrições de 'Efficient Way to Pay' do evento.
A agência anunciou que também foram retiradas as inscrições das campanhas 'Plastic Blood', criado para a OKA Biotech, e 'Gold = Death', feito para a Urihi Yanomami. 'Plastic Blood' havia sido o case brasileiro mais premiado do ano no evento, com oito troféus.
Segundo o festival, 'todas as partes reconhecem que o nível de legitimidade (dos cases) não atende aos padrões necessários'. A agência diz que os trabalhos 'apresentavam inconsistências graves relacionadas à veracidade ou legitimidade dos trabalhos apresentados' e 'pede desculpas ao festival, aos jurados que dedicaram seu tempo e cuidado para avaliar seus trabalhos, e à indústria como um todo'.
Homenageado do ano
Não é a primeira vez que um leão (como são conhecidos os troféus) brasileiro é cassado. Entretanto, é o maior escândalo da publicidade nacional nas 72 edições do festival.
Justamente esse ano, o Brasil foi o 'país do ano' no Cannes Lions: ganhou o recém-criado troféu 'Creative Country of the Year'.
O evento também fez uma homenagem póstuma a Washington Olivetto, falecido em outubro do ano passado. Na celebração, no palco, Simon Cook, CEO do evento, afirmou que 'o impacto do Brasil na indústria criativa global é inegável' e que o festival estava homenageando a 'paixão, o talento e a resiliência da criatividade brasileira'
Os investimentos das agências brasileiras, apenas em inscrições, devem ter chegado próximo aos R$ 20 milhões
Videocase manipulado
O vídeocase de 'Efficient Way to Pay' que foi exibido aos jurados do prêmio e justifica a genialidade da ação mostra trechos alterados de uma reportagem da CNN Brasil e de uma palestra do TED Talks.
A matéria da CNN, por exemplo, nunca existiu como mostrada na inscrição para o festival. Nela, a legenda original 'Aumenta a procura por eletrodomésticos mais econômicos' foi alterada para 'Economia na conta de luz vira forma de pagamento de eletrodomésticos'. Além disso, foi inserido um áudio com uma voz semelhante à da jornalista Gloria Vanique, que apresenta a reportagem.
O videocase também modificou a fala da senadora americana DeAndrea Salvador, durante a conferência TED Talks. No original, ela discursa sobre os custos da energia para as famílias de baixa renda. No vídeo, foi acrescentada uma frase que faz referência a São Paulo.
Enquanto a Consul afirmou que 'não tolera a manipulação de informações falsas' e que tomará as medidas cabíveis, a CNN solicitou a 'exclusão do material de todas as plataformas'. A DM9, além de emitir um comunicado pedindo desculpas, anunciou a saída de Icaro Doria, copresidente e CCO (chief creative officer) da agência.
Pedido de desculpas
A DM9 se pronunciou oficialmente sobre as acusações apenas na terça-feira (24), cinco dias após o início da polêmica. No comunicado enviado à imprensa, a agência diz que 'houve uma série de falhas na produção e no envio do vídeocase' e que Icaro Doria, agora desligado da agência, assumiu 'total responsabilidade' pelo fato.
A Whirlpool, dona da marca Consul, apenas afirmou que está tomando as medidas cabíveis junto aos envolvidos. A Consul, por sua vez, disse que 'não tolera a manipulação, uso ou a disseminação de informações falsas'.
Troféus devolvidos
'Plastic Blood', criado pela DM9 para Oka Biotech, havia sido o case brasileiro mais premiado do ano no festival. Foram 8 leões: 3 Ouros (Print, Brand Experience e Design), 3 Pratas (Design, Brand Experience e Industry Craft) e Bronzes (Outdoor e Direct).
'Gold = Death', feito para a Urihi Yanomami, havia sido premiado duas vezes: Prata em Print e Bronze em Outdoor.
Com isso, o total de troféus brasileiros no festival deste ano diminui de 107 para 95. Até então, a performance brasileira havia sido a melhor desde 2018.
Organização do festival fala em 'criatividade real'
Segundo a organização do festival, o Cannes Lions existe para 'celebrar a criatividade real, representativa e responsável'. Até por isso, anuncia que vai introduzir uma série de medidas para garantir que os prêmios 'permaneçam robustos na era do conteúdo sintético, da mídia e da IA'.
As medidas incluem um código de conduta que deve ser assinado por todas as organizações participantes, divulgação obrigatória da IA na inscrição, sendo a não divulgação motivo para desqualificação, ferramentas de detecção de conteúdo, que poderão ser usadas para ajudar a identificar filmes e materiais de casos manipulados e 'procedimentos formais de execução', que incluem potencial desqualificação, divulgação pública ou retirada do prêmio.
Mais polêmica por aí
Outro case que tem sido acusado de manipulação é 'Followers Store', criado pela agência Le Pub para a New Balance, e que ficou com três troféus.
A marca lançou uma camisa especial do São Paulo inspirada na tradicional 'recepção do fogo', quando torcedores escoltam o ônibus do time. Para evitar que a peça caísse nas mãos dos cambistas, a agência criou uma loja virtual geolocalizada e acessível apenas a quem estivesse próximo ao trajeto do ônibus.
Um dos resultados do videocase aponta que foram vendidas 45 mil camisas do time no dia, o que levantou questionamentos sobre a veracidade dos números. Além disso, questionada pela colunista Josette Goulart, a marca respondeu que nunca aprovou a inscrição da peça em Cannes.
Sem direitos autorais
Já o case 'One Second Ads', criado pela agência Africa para Budweiser, também foi alvo de críticas, mas em relação à explicação da campanha aos jurados. Na ação publicitária, ganhadora do Grand Prix de Audio & Radio e de outros quatro troféus, a marca tocava trechos de 1 segundo de 50 músicas de sucesso, de diferentes estilos e épocas.
A iniciativa foi promovida por diversos influenciadores, que convidavam seus seguidores a tentar adivinharem as músicas. Quem acertasse, ganhava um cupom de desconto. Segundo a Ambev, foram distribuídos quase 5 mil cupons. Agora, a empresa foi criticada por ter se gabado, em um videocase da ação, de não ter pagado direitos autorais pelas músicas utilizadas na iniciativa.
Questionada sobre a ação, a Ambev pediu desculpas e afirmou 'ter um profundo respeito pelo artistas'. 'Temos uma longa história de apoio a músicos, festivais e eventos. Sentimos muito e estamos trabalhando para resolver esse tema', disse a empresa, em comunicado. A Ambev faturou 20 troféus na edição deste ano do festival, sendo o anunciante brasileiro mais premiado em 2025.
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