Com tarifaço, China intensificará investimentos em países como o Brasil

Chineses são os principais parceiros comerciais do Brasil. Agora, além de importações do agronegócio, projetos voltados para tecnologia verde e IA serão tendência entre os investimentos do país asiático por aqui.

Quem são os investidores chineses no Brasil?

Estatais e grandes empresas. De acordo com o CEBC, que considera os investimentos produtivos, os principais investidores são empresas estatais, ainda que, ultimamente, grandes empresas privadas chinesas também tenham feito investimentos importantes. As montadoras de veículos, as empresas de delivery e de alimentação, de energia, mineração, logística e as farmacêuticas se destacam.

Onde eles aplicam?

O principal setor brasileiro que recebe recursos chineses é o de energia (produção e distribuição). Depois, vêm os setores de mineração, infraestrutura de portos e ferrovias, e agronegócio e tecnologia (5G e carros elétricos com a BYD). "Segundo a legislação chinesa, todos os projetos de investimento estrangeiro estão vinculados à sustentabilidade exigida pela legislação local", afirma Douglas de Castro, professor de Direito Internacional da Universidade de Lanzhou, na China.

O setor de energia, avalia Castro, sempre foi prioritário, mas, no começo, o foco era na construção de infraestrutura de produção e distribuição. Já a partir de 2020, cresceram os projetos de energia verde: EVs, painéis solares e equipamentos para energia eólica.

Projetos voltados para tecnologia verde e IA serão a tendência dos próximos anos. Para Fabiana D'Atri, economista da Bradesco Asset, os investimentos chineses estão cada vez mais diversificados e têm sido favoráveis para o desenvolvimento da economia brasileira, à medida que geram crescimento com geração de empregos, favorecem a evolução tecnológica brasileira, e aumentam a cooperação em áreas como sustentabilidade.

Abrem novas oportunidades de negócios. Também acabam acentuando as trocas comerciais e abrindo novos mercados para os produtos brasileiros na China, especialmente do segmento do agronegócio, como café, uvas frescas, grãos secos de destilaria, além de proteína.

O setor financeiro também está na mira. Livio Ribeiro, pesquisador associado do FGV Ibre e sócio da BRCG Consultoria, lembra a compra do banco BBM pelo BoCom. "Há também interesse em infraestrutura, commodities, energia, transmissão de energia elétrica e, eventualmente, constituição de plataformas locais de produção de bens, com destaque para bens duráveis".

Impacto do tarifaço de Donald Trump

Decisões de Trump aumentaram integrações entre outros países. "O que o Trump fez foi jogar no colo da China oportunidades de ampliar os negócios com os países com os quais ela já tem negócios", acredita Douglas de Castro. "Sobra mais dinheiro buscando rentabilidade em outros lugares, dentre eles o Brasil", diz Ribeiro. Atualmente a China é parceira comercial de mais de 120 países.

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A China, hoje, é considerada uma competidora estratégica. "Os Estados Unidos e a Europa reclamam dos subsídios que as empresas chinesas recebem. As tecnologias verdes e IA, por exemplo, são as áreas de foco, assim, as empresas neste setor vão se destacar nos próximos anos como grandes investidoras. O lançamento do DeepSeek é outro exemplo", diz Castro.

Os EUA e a China firmaram acordo para agilizar a exportação de terras raras ao mercado norte-americano. Uma das principais prioridades de Washington nas negociações com Pequim era garantir o fornecimento de terras raras, metais cruciais para a produção de baterias elétricas, turbinas eólicas e sistemas de defesa.

Hoje, o governo chinês confirmou que a troca de tarifas deve seguir, mas sob um acordo comercial com os EUA. Um porta-voz do Ministério do Comércio detalhou que a China "revisará e aprovará os pedidos para os itens de controle de exportação que atendam aos requisitos legais", enquanto a parte norte-americana "cancelará, em consequência, uma série de medidas restritivas contra a China". A Casa Branca também divulgou que pode estender a moratória nas tarifas mais elevadas anunciada em abril, cujo o prazo final é 9 de julho.

China busca novos parceiros

China está diversificando. Ao longo dos últimos anos, dado o contexto geopolítico de aumento de tensões com os Estados Unidos, a China tem buscado diversificar suas estratégias de crescimento, ampliando as relações com diversos parceiros - incluindo o Brasil.

Entre 2022 e 2023, os investimentos chineses caíram 36% nos Estados Unidos, 57% na Austrália e 4,2% na União Europeia e Reino Unido, mas aumentaram 37% nos países da Belt and Road Initiative (Nova Rota da Seda). Números oficiais da China mostram que os aportes não-financeiros do país asiático no mundo aumentaram 11,4% em 2023. De acordo com números baseados no China Belt and Road Initiative - BRI - Investment Report 2024, a Indonésia foi novamente o maior receptor individual de recursos, com aproximadamente US$ 9,3 milhões, seguida pela Arábia Saudita (US$ 5,8 milhões) e pelo Cazaquistão (US$ 4,6 milhões).

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Investimentos da China no Brasil

O valor do investimento da China no Brasil já é bilionário há alguns anos, mas caiu com a pandemia. Recentemente, empresas chinesas anunciaram investimentos de R$ 27 bilhões. Mas o montante que une os dois países é bem maior, apesar de os números mostrarem altos e baixos ao longo do tempo.

Os investimentos começaram na casa dos US$ 7 bilhões em 2015 e US$ 8 bilhões em 2016 e 2017. Em 2018 caíram para a casa dos US$ 3 bilhões em razão da nova abordagem adotada pela China no âmbito da Iniciativa Cinturão e Rota (Belt and Road Initiative), no sentido de não financiar mais megaprojetos, mas os de menor porte e mais especializados (parte da abordagem "Small is beautiful"). Houve uma queda significativa por conta da pandemia. Em 2021, houve um pico em razão da recuperação pós-covid.

Já em 2023, números subiram. Os investimentos chineses confirmados no Brasil somaram US$ 1,73 bilhão em 2023, aumento de 33% em relação ao ano anterior. Em 2023, o número de projetos chineses confirmados no país chegou a 29. O percentual de projetos anunciados que de fato foram colocados em prática subiu de 27% para 88% entre 2022 e 2023. Os números são do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC).

Os investimentos chineses no Brasil entre 2007 e 2023 somaram US$ 73,3 bilhões, resultado de 264 projetos confirmados. Energia absorveu 45% do valor total, seguido pela área de extração de petróleo, com 30%. Se considerado o número de projetos - e não seu valor financeiro -, o segmento de eletricidade também lidera, com 39% dos empreendimentos, mas a indústria manufatureira vem logo na sequência, com participação de 23%. O Sudeste, segundo a CEBC, atraiu 54% do número de projetos chineses no Brasil entre 2007 e 2023, seguido pelas regiões Nordeste (16%), Centro-Oeste (13%), Sul (9%) e Norte (7%).

Brasil tem superávit, mas com concentração em commodities

Brasil exporta mais para a China do que importa do país asiático. Em 2024, o superávit foi de aproximadamente US$ 30 bilhões para o Brasil. "Somos um dos poucos países com um saldo comercial tão favorável no comércio com a China, nosso principal destino de exportações. Apenas em 2024 o país absorveu 28% de todas as nossas vendas, mais que o dobro da participação dos EUA (12%) que aparece em segundo lugar. A China também é nossa principal fonte de importações, com participação de 24%", diz Túlio Cariello, Diretor de Pesquisa do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC).

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A exportação para a China é concentrada em soja, minério, farelos, grãos, petróleo, minério de ferro e, principalmente, proteína animal. "A China demanda muitos recursos naturais e o Brasil é um país relevante nesse mercado mundial. Os chineses também têm interesse no mercado brasileiro para acesso à energia, petróleo, e, por outro lado, o país vê o mercado brasileiro como um destino para a internacionalização das suas empresas", diz Mauricio Mendes Dutra. Ele, que morou por cinco anos na China, é conselheiro do conselho de administração da Fictor Alimentos (tem estratégia focada no crescimento por meio de aquisições no setor de proteína animal) e proprietário da Limex, fabricante de óleo de amendoim.

Empresa tem foco em amendoim. A Fictor envia para a China, no máximo, 30% da produção. Mas, nos dois anos de parceria, a empresa espera que a produção cresça 65% até 2027 por conta do investimento chinês recebido. Já a Limex vende toda a produção de óleo de amendoim para Qindao, cidade praiana na China. Os chineses são os maiores consumidores do produto no mundo.A empresa recebe investimentos da China desde 2020, e multiplicou sua produção por cinco.

"A China tem 9,2 milhões de quilômetros quadrados, e o Brasil, 8,5 milhões de quilômetros quadrados. A população da China é de pouco mais de 1,3 bilhão de pessoas; aqui, são 200 milhões de brasileiros. E 40% do território chinês são inabitáveis. O Brasil pode produzir o alimento que a China não consegue para abastecer a população".

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