Sem IOF, Haddad quer cortar supersalários; mercado prefere mexer no mínimo
Ler resumo da notícia
A derrota do governo Lula (PT) com a derrubada do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) pelo Congresso na semana passada diminuiu as opções do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para equilibrar as contas do governo. Se a possibilidade de recorrer à Justiça para derrubar a decisão do Parlamento não vingar, Haddad terá de decidir onde cortar gastos: ele pode insistir na tentativa de reduzir supersalários e subsídios ao empresariado, ou aderir aos apelos do mercado financeiro, que prefere enxugar os gastos do governo reduzindo a valorização do salário mínimo.
Nos próximos dias, deve haver um avanço nessa discussão.
O que defende o mercado financeiro
- Salário mínimo sem aumento real. Desde 2023, o salário mínimo é corrigido pela soma da inflação de 12 meses terminados em novembro mais o percentual do crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) de dois anos anteriores, desde que esse aumento não passe de 2,5% acima da inflação. Em abril, o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga defendeu manter o salário mínimo (R$ 1.518) sem aumento real por seis anos. "Uma boa [reforma] já seria (...) congelar o salário mínimo em termos reais. Seis anos congelados já ajudaria", disse ele em palestra em Cambridge, nos Estados Unidos.
- Desvincular do salário mínimo os reajustes de benefícios sociais. Atualmente o reajuste anual dos benefícios sociais e previdenciários, como aposentadorias, pensões do INSS e seguro-desemprego, estão vinculados ao aumento do mínimo, o que significa que o reajuste dele eleva essas despesas na mesma proporção, num efeito cascata. A proposta é limitar o aumento desses valores apenas à reposição da inflação.
- Limitar o aumento dos investimentos em saúde e educação. Para garantir recursos suficientes para essas áreas, a Constituição determinou que o mínimo que o governo deve investir é 15% de sua receita corrente líquida em saúde e 18% da receita líquida de impostos em educação. O mercado sugere atrelar o crescimento desses pisos ao arcabouço fiscal, que prevê aumento entre 0,6% e 2,5% acima da inflação, abrindo uma folga de até R$ 190 bilhões em dez anos.
- Nova reforma da previdência. Seis anos após a última reforma, a necessidade de uma nova mudança nas regras volta a ser defendida. As discussões consideram o envelhecimento acelerado do brasileiro, cuja expectativa de vida chegou a 76,8 anos em 2025. Com a população envelhecendo, o trabalhador precisará contribuir ao INSS por mais tempo. "Logo vai haver uma próxima reforma", prevê Wagner Balera, ex-procurador do INSS. "Nós estamos em um verdadeiro beco sem saída, porque não vai haver dinheiro para sustentar o sistema", disse ele ao UOL.
- Reforma administrativa. Além de uma reforma que desburocratize o serviço público, a proposta mais difícil de passar é a reestruturação dos cargos do funcionalismo. A ideia é reduzir salários iniciais, tomar mais lenta a progressão profissional e facilitar a demissão. A regra valeria só para quem ingressasse no serviço público depois da reforma. "A estrutura atual do funcionalismo público, que não adota critérios de desempenho ao longo da carreira, contribui para a má qualidade dos serviços e para o aprofundamento da desigualdade social", afirmou no começo do mês Antonio Lanzana, presidente do Conselho Superior de Economia, Sociologia e Política da FecomercioSP em reunião da Frente Parlamentar do Livre Mercado.
O que defende o governo
- Reduzir supersalários. Antes de aumentar o IOF, Haddad sugeriu ao Congresso que limitasse as verbas indenizatórias recebidas por alguns servidores, como juízes e promotores. Esses penduricalhos elevam seus proventos para além do teto constitucional, criando supersalários. A proposta chegou a ser aprovada pelo Senado em 2016, mas o texto só foi votado pela Câmara em 2021, e aguarda, desde então, que os senadores avaliem as mudanças. Em dezembro passado, Lula tentou limitar os penduricalhos com uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição), mas o Congresso alterou o texto após pressão do judiciário.
- Menos repasses para educação básica. O governo também quer reduzir os investimentos no Fundeb, criado para garantir a universalização da educação básica. O fundo é abastecido com impostos estaduais e municipais, mas recebe um complemento federal, que só este ano é de R$ 56,5 bilhões. A proposta é reduzir o percentual da União. A fatia federal equivalia a 10% dos repasses de estados e municípios em 2020, mas o Congresso aprovou uma lei que aumenta essa proporção anualmente, atingindo 21% em 2025. A ideia é reduzir essa proporção ou, pelo menos, impedir novos aumentos, um acréscimo que pode chegar a R$ 6 bilhões em 2026.
- Corte nos incentivos fiscais para empresas. A Fazenda já tentou negociar com os congressistas a diminuição dos cerca de R$ 800 bilhões estimados pelo ministério em isenções tributárias a alguns setores da economia. O governo quer cortar pelo menos parte da desoneração para 17 desses setores econômicos mantidos pelo Congresso no ano passado. Iniciado em 2012, o benefício troca a contribuição previdenciária por um percentual do faturamento, gerando até o ano passado uma isenção fiscal estimada de R$ 9,4 bilhões por ano.
- Novo sistema de aposentadoria militar. O déficit da previdência militar é proporcionalmente maior do que o do INSS, segundo o Tribunal de Contas da União. Para reduzi-lo, o governo enviou ao Congresso no ano passado um projeto de lei que fixa 55 anos como idade mínima para o militar passar à reserva, e acaba com regalias, como a garantia de pensão a parentes de militares presos. Enquanto cada aposentado ou pensionista do INSS gera R$ 9.400 de déficit por pessoa ao ano, os militares têm déficit de R$ 159 mil por beneficiário. O texto continua esperando análise da Câmara.
Mercado aliviado
A derrubada do IOF foi elogiada pelo mercado. "O mercado fica aliviado em relação à rentabilidade e custos de suas operações com a derrubada do decreto, mas fica em aberto como será resolvido o saldo de aproximadamente R$ 10 bilhões neste ano", diz Marisa Rossignoli, conselheira do Corecon (Conselho Regional de Economia) de São Paulo.
Ela prevê medidas de curto e longo prazos. "A curto prazo, espera-se novos cortes e congelamento de gastos e, no longo prazo, a possibilidade que realmente ocorram mudanças estruturais para equilibrar as contas públicas", diz.
Relatório do Banco Mundial sugere a redução de salários de entrada nas carreiras publicas, retirada do salário mínimo como piso de benefícios sociais, aumento da contribuição para previdência social das forças armadas, desvinculação das receitas para saúde e educação da arrecadação tributária.
Marisa Rossignoli, economista
Congresso não está disposto a cortar gastos, diz professor. "Parece que o Legislativo quer continuar tendo acesso às suas emendas, mas impõe ao governo a responsabilidade de não aumentar imposto e ainda cortar gasto", diz Fabio Andrade, professor de relações internacionais da ESPM, cientista político e pós-graduado em economia e administração. "Esse mesmo Congresso aprovou o aumento de deputados, o que vai implicar em elevação de gasto."
Ele diz que o mercado erra ao tentar diminuir demais o papel do Estado na economia.
O estado tem um papel importante sobretudo nas crises, mas parece que o mercado não aprendeu nada com a crise imobiliária de 2008 e com a covid-19.
Fabio Andrade, professor
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.