Futuro das finanças públicas é incerto em meio a 'guerra do IOF'

A AGU (Advocacia-Geral da União) recorreu ao STF (Supremo Tribunal Federal) para barrar a decisão do Congresso que derrubou as alterações das alíquotas do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). A decisão aumenta o embate do governo Lula com o Legislativo e eleva o temor sobre o futuro das finanças públicas.

O que aconteceu

Aumento do IOF vira batalha jurídica. O governo decidiu acionar o STF (Supremo Tribunal Federal) para derrubar a decisão do Congresso Nacional que interrompeu o aumento das alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras, anunciado pela equipe econômica para a eficácia da meta de zerar o rombo nas contas públicas neste ano.

Ação considera a validade das decisões. Na tentativa de brigar contra veredito aprovado com o aval da ampla maioria dos parlamentares, a AGU cobra que o Supremo avalie a competência do Executivo para alterar as alíquotas do IOF e questiona o poder do Congresso para contestar a decisão.

A AGU busca declarar a constitucionalidade do decreto do governo e, ao mesmo tempo, a inconstitucionalidade do decreto legislativo editado para derrubar o aumento do IOF.
Carlos Neto, sócio do Daniel & Diniz Advocacia Tributária

Cabe ao Executivo decidir a alíquota dos impostos. O IOF faz parte do conjunto de tributos dos quais o governo federal tem a competência para definir sua cobrança. "Apesar de necessitarem de lei para serem instituídos, a alíquota desses impostos pode ser alterada por meio de um decreto", diz Neto. O tributarista explica que a definição não depende do aval do Congresso, o que motiva a manifestação da AGU.

Caráter arrecadatório abre margem para o questionamento. A maioria dos parlamentares e economistas contesta o foco do governo somente na elevação dos impostos sem controlar os gastos públicos. O economista Wagner Moraes, CEO da A&S Partners, avalia que decisão do governo descumpre a Constituição por não ter a equalização do mercado como motivação.

Essa elevação do IOF não tem a finalidade de equalizar o mercado. Foi somente para aumentar a arrecadação na tentativa de cobrir um déficit público, o que o governo não tem mostrado capacidade de fazer do jeito que se deve.
Wagner Moraes, CEO da A&S Partners

Decisão está nas mãos de Alexandre de Moraes. O ministro da Suprema Corte foi o escolhido para assumir a ADC (Ação Declaratória de Constitucionalidade) apresentada pela AGU. Ele poderá acatar o pedido do governo ou encaminhar o tema para ser discutido com outros ministros. "Ele pode dar a decisão liminar ou submeter a questão para o colegiado", diz Caio Morato, sócio de direito tributário do Rayes & Fagundes Advogados.

Veredito pode abrir jurisprudência para casos futuros. Caso a definição sobre a alta da alíquota seja tomada pelo plenário do STF, a decisão será usada como precedente para outras situações semelhantes. "A ideia é que o Supremo, no âmbito da jurisdição constitucional, busca uma solução intermediária de modo que não tenha que impor uma decisão de constitucionalidade ou inconstitucionalidade", estima Neto.

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Acordo entre as partes também é previsível. Para que a definição não traga maiores desconfortos, é possível que o STF atue como mediador de uma conciliação entre o governo e o Congresso, como aconteceu com a desoneração da folha de pagamentos. A mediação do Supremo é uma medida que pode ser questionada com uma constitucionalidade acordada, mas traz um ganho de estabilidade por pacificar a situação para as duas pontas da discussão", diz Neto.

Preocupação econômica

Decreto do IOF atrai os olhares dos economistas. A elevação do Imposto sobre Operações Financeiras teve avaliação negativa desde o início. A aversão leva em conta o impacto de aumento da carga tributária para o funcionamento das empresas com o encarecimento das operações de crédito. "Isso gera impactos na inflação, diminui a possibilidade de uma queda de juros a curto prazo e traz mais um risco adicional econômico", afirma Wagner Moraes, CEO da A&S Partners.

Olhar para as eleições de 2026 amplia os temores. A percepção considera a maior dificuldade de cortar gastos diante da necessidade de políticas que mantêm os gastos públicos em um patamar elevado. Diante do cenário, Neto avalia que a derrubada do IOF já mira o ganho de popularidade para as eleições gerais do próximo ano.

Discurso social da medida é detonado por Moraes O economista diz que a elevação do IOF traz um custo significativo a todos os consumidores e classifica como "grande falácia" a visão de impacto apenas sobre os mais ricos. "Esses impactos têm um peso muito grande sobre a nossa economia, porque aumentam o custo do dinheiro, do crédito e dos investidores que empregam", diz ele ao ressaltar o endividamento de três em cada quatro famílias brasileiras.

A última coisa que elevação do IOF traz é justiça social, porque penaliza a economia como um todo e, principalmente, as famílias, que precisam de crédito para poderem manter suas casas.
Wagner Moraes, CEO da A&S Partners

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Derrubada do IOF vai aumentar bloqueios no Orçamento. A mudança nas alíquotas do IOF ocorreu após o último relatório do Planejamento indicar a necessidade de congelar R$ 31,3 bilhões das verbas previstas para o cumprimento da meta de zerar o déficit público neste ano. Sem o corte estimado em R$ 10 bilhões para este ano, será necessário realizar novos ajustes. Para Moraes, é possível esperar a elevação de outros impostos e novas cobranças sobre dividendos.

Embate com o Congresso

Elevação das alíquotas desagradou desde o início. O ponto inicial do embate foi o decreto que alterou as alíquotas de IOF para arrecadar R$ 20,5 bilhões neste ano. A decisão foi amplamente criticada pela falta de diálogo com o Congresso e o BC (Banco Central). Após a ampliação dos ruídos, o governo voltou atrás e se reuniu com lideranças do Congresso para rever as medidas de ajuste fiscal.

Judicialização azeda relação entre Executivo e Legislativo. A ação da AGU para derrubar a decisão do Congresso é mais um elemento que prejudica a aproximação entre os Poderes. Para o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), o ingresso do governo no STF abre caminho para o "confronto". Já o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, revelou que existem mais de 500 PDLs tramitando no Congresso, o que pode trazer novas derrotas ao governo.

Governo nega se tratar de uma disputa 'política'. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que a ação na AGU representa uma decisão jurídica. "Tem a ver com o Estado de Direito, com a Constituição", afirmou ontem. "O advogado-geral da União foi incumbido pelo presidente de saber se atravessaram os limites estabelecidos pela Constituição", reforçou Haddad, que disse aguardar há uma semana o retorno de uma ligação feita a Motta.

O presidente Hugo Motta frequentou o Ministério da Fazenda como poucos parlamentares e é uma pessoa considerada amiga por todos aqui. Ele sabe que tem livre trânsito.
Fernando Haddad, ministro da Fazenda

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