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'Cracolândia': fornecedora de gigante da reciclagem paga catador com pinga

Recicladoras e ferros-velhos da 'cracolândia', no centro de São Paulo, usam catadores com dependência química como mão de obra barata, dizem procuradores do Gaeco Imagem: Paulo Pinto/Agência Brasil

José Dacauaziliquá;

da Repórter Brasil

23/08/2024 09h01Atualizada em 23/08/2024 16h43

Maior recicladora de alumínio do mundo, a Novelis comprou matéria-prima de uma empresa acusada de pagar com garrafas de cachaça o trabalho de dependentes químicos que atuam como catadores na "cracolândia", na região central da capital paulista.

As irregularidades foram constatadas pela Operação Salus et Dignitas, realizada no dia 6 de agosto pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), do MP-SP (Ministério Público do Estado de São Paulo). A força-tarefa também contou com órgãos federais.

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De acordo com as investigações, a Minas Reciclagem usava bebidas alcoólicas como forma de remuneração tanto para os catadores que trabalhavam diretamente na empresa quanto para aqueles que traziam alumínio e cobre para vender. No caso do cobre, boa parte do material é furtado do sistema de iluminação pública do município.

Documentos acessados pela agência Repórter Brasil mostram que a Novelis realizou 53 depósitos, no total de R$ 432 mil, na conta pessoa física de um dos sócios da Minas Reciclagem. Localizado no bairro da República, o galpão fica nas proximidades do "fluxo", como é conhecido o ponto de venda e consumo de crack no centro de São Paulo.

A Novelis fez 53 depósitos na conta pessoal de um dos sócios da Minas Reciclagem; ele foi detido durante a Operação Salus et Dignitas, por posse ilegal de arma Imagem: (Reprodução/MP-SP)

"Embora a empresa promova imagem de preocupação com a sustentabilidade, os elementos trazidos revelam que adquire materiais de recicladoras e ferros-velhos irregulares que operam na região central de São Paulo", diz um trecho do relatório do Gaeco sobre a atuação da Novelis.

O que diz a Novelis

A multinacional faz parte de um grupo empresarial com sede na Índia e atua principalmente nos setores aéreo, automotivo e de bebidas. Dentre seus clientes, destacam-se algumas das marcas mais conhecidas do mundo, como Boeing, Ferrari e Coca-Cola.

Procurada pela Repórter Brasil, a Novelis a princípio emitiu nota afirmando que não comenta investigações e processos em curso, e que qualquer manifestação será feita exclusivamente nos autos do inquérito. "A empresa reitera que segue os mais rigorosos padrões de ética e integridade e possui um sistema robusto de cadastro e homologação de fornecedores", afirmava o texto.

Após a publicação da reportagem, a Novelis enviou nova nota afirmando que tomou conhecimento dos fatos por meio da Operação Salus et Dignitas e que, apesar de não ser investigada, está colaborando ativamente com as autoridades.

"A empresa repudia a conduta supostamente praticada pelo referido fornecedor, com quem não possui mais relação comercial", diz o posicionamento. Segundo a Novelis, a empresa compra cerca de 450 mil toneladas de sucata ao ano, e o volume adquirido do fornecedor investigado representa menos de 0,03%.

A reportagem também entrou em contato com o escritório Torres, Falavigna e Vainer Advogados, responsável pela defesa da Novelis, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria. Os responsáveis pela Minas Reciclagem não foram encontrados. O texto será atualizado, caso os posicionamentos sejam enviados.

Catadores dormiam em locais com fezes

As autoridades descobriram um sistema que usava os dependentes químicos como mão-de-obra barata nos 15 ferros-velhos e centros de reciclagem alvos de busca e apreensão na Operação Salus et Dignitas.

O galpão da Minas Reciclagem estava entre os estabelecimentos fiscalizados. No local, três pessoas foram presas por posse ilegal de arma e de munição —dentre eles, Cláudio Henrique Silva, sócio da empresa com 33% de participação.

A investigação teve acesso a notas fiscais de bebidas alcoólicas compradas pela Minas Reciclagem. Uma delas, no valor de R$ 4.572, refere-se a 1.440 garrafas de 500 ml da Cachaça do Barril, uma "prima" da Corote, popular marca de aguardente. "Pagam [os catadores] às vezes com pinga, às vezes com moedas", explica Eduardo Roos Neto, promotor do Gaeco.

Nota fiscal mostra compra de grande quantidade de aguardente pela Minas Reciclagem; segundo Gaeco, bebida era usada como meio de pagamento de catadores dependentes químicos Imagem: (Reprodução/MP-SP)

De forma geral, nas recicladoras e ferros-velhos inspecionados não havia equipamentos de proteção para os catadores manusearem latinhas, sucatas e fios de cobre.

Em um dos galpões, as condições de higiene eram especialmente precárias. "Tinha fezes onde alguns deles dormiam", complementa Juliano Carvalho Atoji, também promotor do Gaeco. No local, um dos catadores foi indagado sobre sua carga diária de trabalho. "Até o corpo aguentar, até eu cair", respondeu.

A operação de 6 de agosto foi precedida por uma investigação conduzida ao longo de quase um ano pelo Gaeco sobre atividades criminosas na "cracolândia". Dentre o material registrado, um vídeo chamou a atenção dos promotores.

Na calçada de um galpão na Avenida Duque de Caxias, um homem —vestido com uma camisa da seleção brasileira, bermuda e chinelos— tentava arrancar, com os próprios dentes, a capa plástica dos fios jogados pelo chão.

"Eles são a massa de manobra para essas atividades ilícitas conseguirem funcionar e produzir lucro", finaliza o procurador Roos Neto.

Confira a matéria no site da Repórter Brasil

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