Ministro pede investigação sobre catador pago com cachaça na 'cracolândia'
Após a agência Repórter Brasil, parceira do UOL, revelar que uma fornecedora da multinacional Novelis, líder mundial na reciclagem de alumínio, pagava em garrafas de cachaça o trabalho de catadores na "cracolândia", na região central da capital paulista, o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, veio a público na tarde desta sexta-feira (23) para anunciar uma série de medidas sobre o caso.
"Determinei, diante da gravidade do fato, que a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (ONDH/MDHC) acione as autoridades competentes, bem como a empresa Novelis, a fim de que preste esclarecimentos", publicou o ministro em seu perfil no X/Twitter.
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"Determinei ainda que a Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos acione o Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para a População em Situação de Rua (CIAMP-Rua) e a Associação Nacional dos Catadores para que acompanhem este caso e outros que porventura possam existir", complementou.
Novelis pagou R$ 432 mil a sócio de recicladora
As condições a que estavam sujeitos os catadores de material reciclável com dependência química vieram à tona após a Operação Salus et Dignitas, realizada no dia 6 de agosto, pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) do MP-SP (Ministério Público do Estado de São Paulo). A força-tarefa também contou com a participação de órgãos federais.
De acordo com as investigações, a Minas Reciclagem, fornecedora da Novelis, usava bebidas alcoólicas como forma de remuneração tanto para os catadores que trabalhavam informalmente para a a empresa quanto para aqueles que traziam alumínio e cobre para vender de forma avulsa. No caso do cobre, boa parte do material é furtado do sistema de iluminação pública do município.
Documentos acessados pela Repórter Brasil mostram que a Novelis realizou 53 depósitos, no total de R$ 432 mil, na conta pessoa física de um dos sócios da Minas Reciclagem. Localizado no bairro da República, o galpão fica nas proximidades do "fluxo", como é conhecido o ponto de venda e consumo de crack no centro de São Paulo.
Durante a operação, três pessoas foram presas por posse ilegal de arma e de munição no galpão da Minas Reciclagem, incluindo Cláudio Henrique Silva —sócio da empresa com 33% de participação.
A investigação teve acesso a notas fiscais de bebidas alcoólicas compradas pela Minas Reciclagem. Uma delas, no valor de R$ 4.572, refere-se a 1.440 garrafas de 500 ml da Cachaça do Barril, uma "prima" da Corote, popular marca de aguardente. "Pagam [os catadores] às vezes com pinga, às vezes com moedas", explica Eduardo Roos Neto, promotor do Gaeco.
"Mais do que nunca, um fato como esse reforça a necessidade de um política de direitos humanos e empresas no Brasil. Todas as providências cabíveis, em articulação com as autoridades do Sistema de Justiça, serão tomadas a fim de que casos como este sejam investigados e solucionados com rigor", defendeu o ministro Silvio Almeida em sua publicação.
O que diz a Novelis
Procurada pela Repórter Brasil, a Novelis a princípio emitiu nota afirmando que não comenta investigações e processos em curso, e que qualquer manifestação será feita exclusivamente nos autos do inquérito. Depois da manifestação do ministro, a empresa disse que, "apesar de não ser investigada, está colaborando ativamente com as autoridades" e "repudia a conduta supostamente praticada pelo referido fornecedor, com quem não possui mais relação comercial".
"A companhia esclarece que mantém um programa de compra de sucata de pequenos fornecedores, com o objetivo de aproximar a indústria dos elos iniciais da cadeia de reciclagem, beneficiando uma ampla rede de catadores individuais, cooperativas, dentre outros agentes. É importante ressaltar que a Novelis adquire aproximadamente 450 mil toneladas de sucata ao ano, e o total comprado do fornecedor investigado representa menos de 0,03% de tal volume", diz a nota. "A Novelis reforça, ainda, que segue rigorosos padrões de ética, integridade e compliance, independentemente do volume adquirido, e que continuará aprimorando os seus protocolos de cadastro, homologação e monitoramento de fornecedores, de forma a evitar que situações como essa se repitam. O compromisso da empresa é contribuir com o sucesso da circularidade das latas de alumínio no país que, dentre outros benefícios sociais e ambientais, gera emprego e renda para mais de 800 mil famílias."
Os responsáveis pela Minas Reciclagem não foram encontrados. O texto será atualizado, caso os posicionamentos sejam enviados.