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Com austeridade, retomada deve ser mais lenta em Estados mais pobres

Silvio Cascione e Leonardo Goy

23/11/2016 08h39

BRASILIA, 23 Nov (Reuters) - Na Cohab de Salgueiro, semiárido pernambucano, Maria Adelaide dos Santos aguarda o final do mês. Dona de uma loja de roupas e calçados, ela espera pelo dia do pagamento de servidores públicos para reforçar as vendas.

Alguns vêm, mas não levam nada. Apenas acertam o fiado.

"O desemprego ficou muito grave. A cidade está vivendo de funcionário público municipal e dos comerciantes, porque não temos fábrica", disse Maria, 48, mãe de três filhos.

Obras federais como a transposição do rio São Francisco e a ferrovia Transnordestina empregavam milhares de salgueirenses até pouco tempo. Assim como em cidades e regiões vizinhas, o governo sempre foi o provedor número 1 de emprego, crédito e infraestrutura, além de saúde e educação.

PEC dos gastos públicos

Mas o dinheiro secou. Em muitas das regiões mais pobres do país, onde o setor privado não vê oportunidades, a perspectiva de anos sem aumento do gasto público é paralisante.

"Para o Nordeste, é cruel", disse o prefeito de Salgueiro, Marcones Libório de Sá (PSB), sobre a proposta do presidente Michel Temer de impor um limite para os gastos federais pelos próximos 20 anos. A chamada PEC 55 deve ser aprovada no Congresso em dezembro.

Em 15 Estados, mais da metade dos 27 do Brasil, os salários pagos pelo setor público representam diretamente mais de um quinto do PIB (Produto Interno Bruto) local, sem contar efeitos indiretos sobre o comércio e serviços. Em Roraima e Amapá, o Estado representa praticamente metade da atividade econômica, enquanto em São Paulo, o mais rico e populoso do país, os salários públicos representam apenas 10% do PIB.

A dependência do setor público é maior justamente no Norte e no Nordeste, em Estados com os menores índices de desenvolvimento humano e renda por habitante.

Temer tem afirmado que programas sociais como o Bolsa Família serão preservados. Cerca de 40% da população de Salgueiro recebe o benefício de até 336 reais por mês.
O Bolsa Família sozinho, no entanto, não é suficiente para trazer prosperidade. "Duas lojas na minha rua fecharam", disse a comerciante Maria.

Desigualdade regional

No longo prazo, o limite de gastos deve tornar a gestão pública mais eficiente e aumentar a produtividade. Ele também deve criar oportunidades para investidores privados em áreas hoje dominadas pelo Estado, como infraestrutura e saneamento.

Mas isso deve levar tempo.

"No curto prazo, o fato de que os gastos não vão crescer ao ritmo que vinham crescendo impacta sim a região", disse Everton Gomes, economista do Santander. "No médio e longo prazo, o impacto é positivo."

Isso significa, provavelmente, que a recuperação da economia esperada para começar no ano que vem deverá ser liderada nos próximos anos pelo Sul e Sudeste, regiões mais desenvolvidas do país, onde fábricas, exportadores e varejistas privados estão melhor posicionados para lucrar com os juros menores e o aumento do investimento estrangeiro.

Se isso se confirmar, a desigualdade entre as regiões do país aumentará, revertendo parte do movimento da última década.

Segundo Gomes, assumindo uma taxa de crescimento otimista de 2% para o Brasil em 2017 --o dobro da expectativa do governo e do próprio mercado--, o Norte e o Nordeste devem crescer apenas 1%, ou até menos.

Municípios em crise

Com tantas regiões ainda estagnadas, a pressão por uma retomada dos gastos públicos não deve terminar com a aprovação do teto este ano. Prefeitos e governadores estão atrasando salários e enfrentando protestos violentos. A cada oportunidade pedem uma parcela maior da verba federal.

Há mais de 5.500 municípios no país. Quase a metade deles foi criada depois de 1980 e vive de dinheiro de Brasília.

"Tem muitos municípios onde o poder público é a única atividade", disse Guilherme Mercês, economista-chefe do Sistema Firjan, que conduz uma pesquisa nacional sobre as finanças de estados e municípios. "O setor público transfere renda para a população local via orçamento da prefeitura."

Segundo a PEC 55, a maioria das transferências federais para Estados e municípios não será afetada pelo teto de gastos. No entanto, parte dessas transferências, chamadas discricionárias ou voluntárias, terá que obedecer o limite.

O Nordeste recebe a maior parte desses recursos, sendo 36% até agora neste ano. Foram R$ 12 bilhões repassados pelo governo federal por todo o país para obras públicas, serviços de saúde e resposta a desastres, entre outras finalidades, segundo dados do Ministério da Fazenda.

Terra seca

Não há para onde correr. A Lei de Responsabilidade Fiscal, aprovada em 2000, impede que Estados e municípios tomem empréstimos sem consentimento do governo federal.

Subir impostos também não é uma opção viável. A carga tributária do Brasil já é a maior da América Latina, equivalente a 33,4% do PIB, segundo dados da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

A única opção, então, é atrair o investimento privado. No Pará, uma gigantesca mina de ferro da Vale deve acelerar o crescimento local em 2017, por exemplo.

O governo federal também está à procura de investidores para privatizar estatais no Piauí, Acre e Alagoas, e quer conceder direitos de mineração na divisa entre Paraíba e Pernambuco.
Mas muitos projetos levarão tempo para engrenar. Nenhum deles alcança todos os cantos do interior brasileiro.

"Essas são as regiões que ainda dependem de incentivos", disse o economista do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) Frederico Cunha.

Salgueiro, cinco anos à espera do fim de uma seca histórica, não é exceção. José Moisés, agricultor de 63 anos, toma um café enquanto conta como os empregos rarearam para quem vive fora da cidade. A transposição e a ferrovia davam alguma oportunidade, mas agora "zerou tudo."

A esperança é que os benefícios sociais realmente não acabem. "Porque sem chuva, sem emprego e sem beneficio, aí fica difícil demais."