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Possível atraso em linhas de Belo Monte preocupa geradores, que temem pagar conta

14/03/2017 18h19

Por Luciano Costa

SÃO PAULO (Reuters) - Um possível atraso em linhas de transmissão que ligarão a hidrelétrica de Belo Monte ao sistema tem gerado tensão no mercado de energia, uma vez que muitas empresas temem ser oneradas caso a usina no Norte do país não possa produzir a toda carga, disseram à Reuters um especialista e um representante da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Isso porque as regras do setor elétrico do Brasil preveem um mecanismo para reduzir o risco de investimentos em hidrelétricas que funciona como um condomínio: usinas que não conseguem gerar tudo o que deveriam podem ter a geração compensada por outras, desde que o conjunto dos empreendimentos produza o necessário.

Prevista para ser uma das maiores hidrelétricas do mundo quando concluída, com 11,2 mil megawatts em capacidade, Belo Monte poderia desequilibrar fortemente esse sistema de mitigação de riscos, chamado Mecanismo de Realocação de Energia (MRE), caso a falta de linhas comprometesse a entrega de sua geração.

Associações que representam geradores já procuraram a Aneel para mostrar a preocupação com o tema, disse à Reuters nesta terça-feira o superintendente de regulação de geração na agência, Christiano Vieira.

"Hoje a regra prevê que quando usinas começam a motorizar as máquinas, caso de Belo Monte, ainda que haja uma limitação de transmissão, ela não é um impeditivo para liberação da operação comercial... ao conseguir a liberação, elas conseguem o direito de 'puxar' energia do MRE, e é isso que alguns agentes reclamam", explicou Vieira à Reuters.

Ele disse que os geradores alegam que as turbinas só deveriam ser liberadas para operação até o limite de capacidade de escoamento das linhas de transmissão.

Mas, segundo Vieira, a regra é antiga e amplamente conhecida pelo mercado. E a própria Norte Energia, responsável por Belo Monte, já calculava que não estaria exposta a um risco de perdas financeiras por atraso na linha ao participar do leilão no qual arrematou a concessão da usina.

"É uma discussão que está posta para o regulador... a regra foi colocada antes do empreendimento ser construído. No momento em que há uma ocorrência em que ele pode se beneficiar da regra, você vai e muda a regra?", questionou Vieira.

Por enquanto, Belo Monte tem escoado a produção pela rede elétrica local, mas quando mais máquinas entrarem em operação a usina precisará de novas linhas cuja conclusão no prazo está em xeque.

A primeira dessas linhas foi abandonada nos passos iniciais pela espanhola Abengoa, em meio a uma crise financeira. Outra está a cargo da chinesa State Grid e da Eletrobras, que lutam contra o atraso em alguns trechos da obra, que precisa estar pronta em fevereiro de 2018.

Recentemente, as companhias envolvidas na construção admitiram problemas em alguns trechos, mas disseram que mantêm a expectativa de entregar as linhas no prazo combinado.

Um terceiro linhão, também da State Grid, está programado para o final de 2019.

O diretor da consultoria PSR, Bernardo Bezerra, avalia que o problema é que o MRE foi criado para suportar riscos hidrológicos, mas cada vez mais assume a conta de outros problemas, como o risco de atrasos em linhas que ligariam as usinas à rede.

Ele lembrou que o problema de Belo Monte assusta porque a usina tem uma garantia física de cerca de 4,5 mil megawatts médios, ante uma capacidade da rede existente para menos de mil megawatts médios. Essa diferença pesaria sobre os outros geradores hídricos no MRE.

"O MRE vai pagar essa conta? Eu duvido... ano que vem o MRE vai se juntar e (vai dizer) 'eu não vou pagar a conta do atraso da transmissão, isso não é risco hidrológico', e eles estão certos", disse Bezerra, ao participar de evento da Thomson Reuters em São Paulo.

O risco, nessa conjuntura, seria o custo do problema cair para os consumidores, ressaltou o consultor.

O superintendente da Aneel disse que a agência tem estudado alternativas sobre como resolver a questão de Belo Monte caso o atraso nas linhas se confirme.

"Tem que ser avaliadas alternativas. A gente ainda não terminou esse estudo. Nossa expectativa é este ano ter alguma resposta", disse Vieira.