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ANÁLISE-Plano para gás precisa que agentes deixem zona de conforto do monopólio

25/06/2019 18h31

Por Marta Nogueira

RIO DE JANEIRO (Reuters) - O plano anunciado pelo governo para atrair investimentos para o setor de gás natural e reduzir o preço da energia é uma iniciativa importante, mas demandará um profundo trabalho da agência reguladora ANP, do órgão antitruste Cade, além do interesse de outros atores, que precisariam deixar a "zona de conforto do monopólio".

As medidas propostas na véspera pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) buscam a criação de condições para o acesso de mais agentes e novos investimentos no setor, contando também com o fim do domínio da Petrobras na distribuição e transporte da molécula.

Dentre as medidas propostas, está a recomendação do conselho para que a Petrobras defina o quanto de capacidade necessita utilizar em cada ponto de entrada e saída do sistema de transporte de gás natural, permitindo, assim, o acesso por novos agentes.

Grande parte das propostas, segundo especialistas, não tem impeditivos legais para serem implementados. Mas demandam medidas regulatórias, tanto no âmbito federal, como no estadual. O governo de Jair Bolsonaro aposta na defesa da concorrência para destravar o setor, reduzir custos da energia e impulsionar a economia.

"Para que funcione, para esse mercado começar... nós temos que fazer com que o monopólio deixe de ser a zona de conforto do mercado e isso exige ativismo regulatório, sem quebrar contratos", disse Edmar de Almeida, professor e pesquisador no Instituto de Economia da UFRJ.

"Em nenhum lugar se introduziu competição, nem em eletricidade, nem em gás, porque o monopolista quis."

A Petrobras atualmente tem o monopólio dos dutos de escoamento e quase 100 por cento da capacidade de processamento. No caso do transporte, a empresa vendeu parte relevante de seus dutos, mas permanece como a única cliente. Já na distribuição, a empresa detém participação em 19 das 27 distribuidoras estaduais.

Procurada, a petroleira estatal informou que aguarda a publicação da resolução do CNPE antes de fazer comentários sobre o tema.

Mas a gestão da empresa, hoje presidida pelo presidente Roberto Castello Branco, indicado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, tem defendido o fim do monopólio da companhia no setor de gás natural.

O plano do governo federal pode contribuir para uma redução de 40% no preço da energia no país em menos de dois anos, na avaliação do governo federal.

A abertura do mercado tem o potencial de destravar e atrair novos investimentos na ordem de 240 bilhões de reais, além de potencializar a arrecadação de participações governamentais, sem falar do efeito multiplicador da atividade industrial, afirmou em nota nesta terça-feira a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan).

NOVO FORMATO

Uma reforma do setor de gás natural, para promover uma abertura, já estava em discussão no governo anterior, mas o debate encontrou obstáculos, em parte devido à resistência de distribuidoras de gás estaduais em temas relacionados à privatização e acesso dos produtores diretamente aos consumidores, por exemplo.

No novo formado, o CNPE recomendou que o governo federal incentive os Estados e o Distrito Federal, por meio de programas de transferências de recursos e de ajuste fiscal, a voluntariamente reformar a regulação dos serviços de gás canalizado.

Dessa forma, na avaliação de especialistas, o governo evitaria possíveis resistências das distribuidoras.

"A forma como governo atual está fazendo está sendo interessante e positiva, porque em vez de ser uma forma impositiva de solução, ele está vindo com uma ideia de incentivar e sugerindo medidas, com apoio de outros órgãos, como o Cade, o BNDES", disse o advogado Giovani Loss, sócio do escritorio Mattos Filho, da área de infraestrutura.

"Realmente, criar um incentivo financeiro para os Estados faz com que a abertura aconteça e tome as suas respectivas providências estaduais. Porque o grande empecilho foi esse, o governo federal queria (a abertura), mas as medidas estaduais não caminhavam."

A ideia do governo é aperfeiçoar a instituição do consumidor livre, adotar práticas que incentivem a eficiência operacional, promover a efetiva separação entre as atividades de comercialização e de prestação de serviços de rede e fortalecer as agências reguladoras.

A Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás) recebeu com preocupação o anúncio do governo, argumentando que influenciar normas estaduais geram insegurança para investidores.

À Reuters, Gustavo DeMarchi, consultor jurídico da Abegás e presidente da Comissão de Energia da OAB, destacou que grande parte das medidas anunciadas pressupõe "interferência em políticas que são de competência privativa dos Estados e não da União".

"Não podemos fugir de aspectos constitucionais e legais de modo a não gerar aumento do risco e segurança jurídica e uma onda de judicialização. Atenção aos aspectos legais neste momento é de fundamental importância", afirmou, ressaltando a importância de respeitar os contratos de concessão.

O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, apontou discordância. Em entrevista a jornalistas após falar com parlamentares sobre o tema, ele disse que o governo já possui a maior parte dos instrumentos necessários para que o mercado da área se torne mais competitivo.

"Agora estamos implementando, para que isso ocorra, e incentivando que os atores participem."