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ENTREVISTA-Governo tem dificuldade para manter quadro de fiscais ambientais e precisa ser criativo, diz Salles

06/09/2019 21h03

Por Lisandra Paraguassu e Jake Spring

BRASÍLIA (Reuters) - O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, admite que os números das queimadas na Amazônia, que surpreenderam o mundo nas últimas semanas, têm relação direta com o aumento do desmatamento da região nos últimos anos mas, em entrevista à Reuters, diz que o governo tem dificuldades de manter o quadro de fiscais e precisa ser “criativo” para encontrar soluções.

Ao ser perguntado sobre o que teria levado a um aumento fora da curva das queimadas este ano, Salles creditou ao clima, mas também ao desmatamento.

“O tempo quente e seco, e realmente com uma relação com o desmatamento, que vem aumentando de 2012 para cá”, disse.

Há três semanas, Salles entrou no meio de um furacão quando imagens da floresta amazônica queimando começaram a correr o mundo. Como mostrou a Reuters, nos primeiros dias de agosto, os focos de queimada já eram 83% maiores do que no mesmo período do ano passado.

Desde então, o governo brasileiro virou alvo de críticas em todos os segmentos, com ameaças --algumas concretizadas-- de retaliações internacionais e discursos inflamados. Desde então, pressionado, o Brasil tem moderado o discurso mais agressivo do presidente Jair Bolsonaro e tomou medidas para tentar diminuir os estragos na floresta --a principal delas, o envio de militares em uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) aos Estados da Amazônia Legal.

Salles ainda questiona os dados das queimadas, levantados diariamente pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Segundo ele, os focos efetivos são menores do que os alertas iniciais.

"O número anual ainda não fechou. Tem que olhar no momento certo. O próprio número de focos, do próprio Inpe --não estou falando do ministério não--, está demonstrando que a quantidade de focos comprovados é diferente dos alertados", disse. "De qualquer forma, as medidas necessárias para combate aos focos foram todas tomadas e ele (o número) já está caindo."

De fato, os dados do Inpe mostram que a diferença em relação ao ano passado está menor. Os números relativos ao período de 1 de janeiro a 6 de setembro estão 53% maiores que no mesmo período do ano passado --em 19 de agosto, a diferença era 83% maior.

Salles admite, no entanto, que o governo tem problemas de fiscalização. O orçamento do Ibama, responsável por esta área, caiu 25% este ano, afetado pelos cortes impostos pelas dificuldades fiscais, e a falta de pessoal é um fato.

"Nossa limitação é do quadro de pessoal que, até pelas aposentadorias, vem caindo também anualmente o volume de funcionários da fiscalização", explicou.

O último concurso para reposição de fiscais para as unidades da Amazônia foi em 2009 e entre 2010 e 2019 o instituto perdeu 45% do pessoal de fiscalização, segundo dados do próprio órgão. Hoje, são apenas 780 fiscais em todo o país, mas a possibilidade de um novo concurso está fora de cogitação.

"Aí é a parte com mais desafios na minha opinião. O desafio maior é mais tecnologia, ter algumas formas de contratação de mão de obra qualificada mas que ao mesmo tempo não impacte em necessidade de abertura de concurso, porque em momento de restrição orçametária não há menor hipótese de fazer isso", disse Salles.

AGENTES ESTADUAIS

O ministro lembra que a GLO autorizada pelo governo está suprindo, nesse momento, essa necessidade de fiscalização e controle, mas que não pode durar para sempre. De fato, sua previsão é apenas até o final deste mês.

Daí a ideia de criar uma força de agentes ambientais estaduais para suprir os braços que faltam ao governo federal, pagando diárias para que esses agentes trabalhem em seus dias de folga.

"O policial se habilita e nos dias de folga continua trabalhando em função do programa federal e aí faz a complementação das equipes de Ibama e ICMBio, mais polícias estaduais ambientais. Vão estar recebendo para isso, então não é uma questão de onerar os governos estaduais", explicou.

"Entendemos que o montante que estamos desenhando para isso, que ainda não está claro, vai ser suficiente para ter um aumento bom, talvez não ideal, da força de trabalho. Tem que ser criativo."

Para além da criatividade, o ministro está em busca de mais recursos sim. O orçamento do Ministério do Meio Ambiente como um todo teve um corte de 12% para 2020, na comparação com este ano, mas Salles conta que tenta recompor para tentar manter os mesmos 631 milhões de 2019.

"Também está sendo discutido uma possível neutralização do nosso corte, que pode ser que fique zero, estamos conversando com o ministro Paulo Guedes (economia)", disse, acrescentando que o ministério também está tentando economizar em despesas para colocar os recurso na atividade-fim, de fiscalização e preservação. "Apenas no ICMBio economizamos 38 milhões."

RETÓRICA PRESIDENCIAL

Parte da crise em que o Brasil se envolveu, no entanto, não decorre apenas da falta de recursos e contingenciamento, mas de uma retórica encabeçada pelo presidente Jair Bolsonaro, sempre crítica às limitações trazidas pelas questões ambientais.

Apesar de usar na defesa do país no exterior a rigidez das leis brasileiras e o fato de que o Brasil tem mais de 60% da sua área ainda coberta pela vegetação nativa, esses dois pontos são frequentemente criticados pelo presidente, que os considera amarras ao desenvolvimento ambiental.

O próprio ministro é alvo de críticas constantes por uma postura de proximidade e defesa do setor agropecuário e de atitudes como a que tomou em julho, quando visitou madeireiros em Rondônia duas semanas depois do mesmo grupo ter organizado um protesto contra fiscais do Ibama e terem ateado fogo a um caminhão-tanque usado para abastecer helicópteros que apoiavam uma operação contra extração ilegal de madeira.

Depois da crise, Salles tem adotado um discurso mais ponderado, mas diz que as falas do presidente não são conflitantes com as questões ambientais.

"Manter a proteção ambiental não é absolutamente incompatível, com algum grau de utilização econômica, desde que feita de maneira sustentável, licenciada seguindo regras, como vários países fazem", defendeu.

"Se trabalhar direito, tiver um bom licenciamento ambiental, com cuidado pode se ter algum grau de aproveitamento econômico cujo resultado líquido se reverte para preservação. A pior causa da afronta ao meio ambiente está na pressão da pobreza, da miséria. Ela estimula a ilegalidade, a desvalorização do valor ambiental, da sustentabilidade. Precisamos deixar claro como é importante esse valor da sustentabilidade e encontrar recursos para preservar isso", disse.