IPCA
0,83 Mar.2024
Topo

Real começa 2020 atrás de rivais emergentes por incertezas sobre fluxo e crescimento

09/01/2020 08h34

Por José de Castro e Gabriel Ponte

SÃO PAULO (Reuters) - O dólar registrou na quarta-feira a primeira queda ante o real deste novo ano, mas ainda assim o desempenho da moeda brasileira seguiu aquém de pares emergentes, com o tradicional otimismo de fim de ano dando lugar ao receio de que o caminho para a divisa doméstica continue tortuoso diante da mesma gama de incertezas presente ao longo do ano passado.

O real cai 1% ante o dólar no acumulado de 2020, enquanto o peso colombiano sobe 1,2%, o peso mexicano e a lira turca avançam 0,7% cada e o iuan chinês offshore se valoriza 0,4%.

A taxa de câmbio se depreciou em todas as quatro primeiras sessões do ano no Brasil, mas na quarta finalmente teve alta, de 0,3%, depois de discurso do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, reduzir riscos de escalada adicional de tensões com o Irã.

Ainda assim, o real se valorizou menos que seus pares. O rand sul-africano ganhava 0,9% no fim da tarde de quarta, a lira turca subia 1,1%, e o peso mexicano somava 0,5%.

"O que fica claro é que o real segue para trás em relação aos pares. Acredito que dois pontos principais ainda estejam pesando: o menor diferencial de juros e uma postura de mais cautela depois de anos de frustração com expectativas de crescimento", disse Daniel Tatsumi, gestor de moedas da ACE Capital.

O real depreciou 3,4% em 2019, depois de ter perdido 14,5% em 2018, ambos períodos em que o juro básico brasileiro (a Selic) atingiu novas mínimas recordes.

Os sucessivos cortes nos juros reduziram a diferença entre as taxas pagas pelos títulos brasileiros e os papéis norte-americanos --considerados os mais seguros do mundo. Assim, o investidor estrangeiro teve menos disposição para aplicar na renda fixa brasileira, o que prejudicou o fluxo cambial, diminuindo a oferta de dólar no país.

Dados do Banco Central mostraram na quarta-feira que o país teve saída líquida recorde de mais de 44 bilhões de dólares em 2019.

Enquanto a Selic está em 4,50% ao ano, no México --concorrente direto do Brasil por investimento estrangeiro-- a taxa básica de juros está em 7,25%. Na Turquia, a taxa repo (a referência por lá) está em 12%, enquanto na África do Sul se encontra em 6,50%.

A dúvida sobre o crescimento também tem pesado sobre o câmbio, assim como em 2019. O ano de 2020 começou com leituras de índices de gerentes de compras do Brasil indicando desaceleração da atividade nos setores manufatureiro e de serviços no fim de 2018, um balde de água fria em expectativas de uma retomada mais sólida e sequencial do ritmo da atividade.

Isso se soma a preocupações de que a economia frustre novamente expectativas, que atualmente apontam para um crescimento de 2,30% em 2020.

No começo de 2019, a perspectiva era que o PIB cresceria 2,53% no ano passado, mas a estimativa foi rebaixada para 1,17% ao fim do ano, conforme a pesquisa Focus do Banco Central. No início de 2018, o prognóstico indicava expansão de 2,69% naquele ano, o dobro do crescimento realizado, de 1,3%.

Em tese, um cenário de crescimento mais forte tende a atrair investimentos estrangeiros, com maior oferta de dólares.

Em relatório desta semana, o Goldman Sachs excluiu o real de uma lista de destaque de moedas que mais poderiam se beneficiar da recuperação do crescimento de mercados emergentes. Estrategistas do banco preferem peso mexicano, rublo russo e rupia indonésia.

Em outro fator contra a moeda brasileira, os profissionais calcularam que o desvio da taxa de câmbio em relação ao seu padrão histórico --uma medida de quão excessivamente fraca ou forte uma moeda estaria-- ficou praticamente zerado no fim do ano passado. Ou seja, o real estaria neutro, sem argumentos relevantes para mais valorização depois de ter ganhado 5,7% em dezembro.

Em contrapartida, peso chileno, iuan chinês, rand sul-africano, ringgit malaio e as moedas de México, Polônia, Colômbia e Peru ainda teriam mais espaço para apreciação.

INVESTIMENTO ESTRANGEIRO E VOLATILIDADE

Ainda há dúvidas sobre uma volta do fluxo de investidores internacionais no curto prazo.

Pablo Spyer, diretor de operações da Mirae Asset, acredita que o real vai se recuperar no curto prazo, mas que essa melhora ainda não será pelas mãos de estrangeiros. "Os leilões de privatização das estatais ainda não ocorreram, e, portanto, não se vislumbra, no curto prazo, uma significativa entrada de estrangeiros no País, mas sim no médio prazo", explicou.

Segundo ele, o real continua vulnerável à economia brasileira como anteriormente, apesar do nível de reservas internacionais, em cerca de 357,5 bilhões de dólares de acordo com os mais recentes dados do Banco Central, de dezembro passado.

Para Jefferson Laatus, estrategista-chefe do Grupo Laatus, frente a uma moeda ainda vulnerável, a agenda econômica do governo será acompanhada de perto, caso o Congresso volte a se mostrar aliado do Planalto no andamento das propostas. Ele tem como cenário-base o dólar se estabilizando na casa de 4 reais.

O apetite do investidor de fora pode ser afetado ainda pelo aumento do vaivém do dólar no mercado externo. O Credit Suisse chama atenção para a volatilidade implícita do dólar no mundo estar em patamares baixos ou próximos de mínimas em vários anos, a despeito do aumento do risco geopolítico.

"Em nossa avaliação, dada a falta de claro impacto direcional para muitos pares de moedas, usar produtos de volatilidade de moedas... para bloquear a exposição a longo prazo a um aumento na volatilidade macro parece sensato", disseram estrategistas do banco suíço em nota a clientes na quarta-feira.

A volatilidade implícita de opções de dólar/real para três meses estava no fim da tarde de quarta em 10,4% ao ano, bem acima dos 9,6% do fim do ano passado. As medidas para outras moedas emergentes também subiram, embora a do real siga entre as mais altas.

(Edição de Isabel Versiani)