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Importado pelos ricos, coronavírus agora castiga os pobres no Brasil

Um devoto de São Jorge durante as comemorações do dia do santo em meio ao surto de doença por coronavírus (COVID-19), no Rio de Janeiro - RICARDO MORAES/REUTERS
Um devoto de São Jorge durante as comemorações do dia do santo em meio ao surto de doença por coronavírus (COVID-19), no Rio de Janeiro Imagem: RICARDO MORAES/REUTERS

Gram Slattery e Stephen Eisenhammer e Amanda Perobelli

01/05/2020 17h05

Importado pela elite brasileira em férias na Europa, o novo coronavírus está agora devastando os pobres do país, percorrendo bairros sobrecarregados onde a doença é mais difícil de ser controlada.

Dados de saúde pública analisados pela agência de notícias Reuters para as cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Fortaleza mostram uma transferência nas últimas semanas dos bairros ricos onde o surto se iniciou para arredores urbanos mais pobres.

A mudança coincidiu com um aumento nas mortes confirmadas de coronavírus, que agora atingem 6.000 no Brasil. Muitos cientistas apontam o maior país da América Latina como o próximo local entre os mais afetados por covid-19.

Pesquisadores do Imperial College London estimam que a taxa de transmissão no país nesta semana será a mais alta do mundo.

A tendência revelada pelos dados complica a batalha do Brasil contra o vírus. Muitas favelas sofrem com a falta de água corrente, sistemas sépticos e instalações de saúde.

Talvez ainda mais desafiador, o Estado é fraco nas favelas, com facções de traficantes frequentemente sendo a autoridade de fato. Isso torna as medidas de isolamento difíceis de aplicar —mesmo se tivessem o apoio do presidente Jair Bolsonaro, que repetidamente minimiza os temores sobre o coronavírus e descreve medidas estaduais e municipais para conter sua disseminação como extremas.

Moradores de Brasilândia, um bairro pobre no norte de São Paulo com o maior número de mortes por coronavírus na cidade, disseram à Reuters que os bares ainda estavam lotados e as festas ao ar livre atraíam milhares nos finais de semana.

Segundo dados da cidade, Brasilândia só teve um caso confirmado no final de março, quando a grande maioria dos casos estava agrupada nos bairros mais ricos. O relatório mais recente desta semana mostrou 67 mortes por covid-19.

"Para aqueles que não passaram por isso, é como se a doença não existisse", disse Paulo dos Santos, de 43 anos, que perdeu o pai com o vírus na Brasilândia.

No Rio, os bairros do Leblon, Copacabana e Barra da Tijuca foram os primeiros a sofrer no início do surto no Brasil, registrando 190 casos confirmados até 27 de março.

Por outro lado, as áreas de baixa renda de Campo Grande, Bangu e Irajá haviam relatado apenas oito casos na época.

Isso mudou na semana passada, com os bairros mais pobres registrando 66 novos casos, enquanto o trio mais rico registrou 55. A Reuters observou a mesma tendência em Fortaleza, que tem mais de 25 mil casos.

Apesar do crescente número de mortos, estão aumentando as solicitações para que medidas de bloqueio sejam relaxadas. Bolsonaro pressionou para reiniciar a economia, descrevendo as políticas de abrigo no local como um "veneno" que poderia matar mais com o desemprego e a fome do que com o vírus.

Nos bairros pobres, onde a fome é uma ameaça aguda, poucos estão aderindo às medidas de quarentena.

William de Oliveira, líder comunitário do bairro pobre da Rocinha, no Rio, pode recitar os nomes de vários amigos mortos pelo vírus. No entanto, ficou claro na quarta-feira que a vida continuava mais ou menos como de costume, com lojas e bares movimentados, que ele lamentava.

Capacidade máxima

O número de casos em áreas mais pobres é provavelmente muito maior do que o relatado, devido à falta de testes, disse Keny Colares, epidemiologista do hospital São José de Fortaleza. Alguns pacientes de baixa renda, ele disse, estavam aparecendo nos hospitais dias depois de terem procurado atendimento médico.

Os brasileiros pobres também são mais propensos a morrer se infectados, devido a níveis mais elevados de condições pré-existentes e menos acesso a cuidados de saúde.

No Leblon, por exemplo, apenas 2,4% dos casos confirmados resultaram em mortes —a grosso modo em linha com as tendências globais e sugerindo uma imagem relativamente precisa dos números de infecções. Em Irajá, a taxa de mortalidade é de 16%. Na Brasilândia de São Paulo, são surpreendentes 52%.

Hugo Simon, chefe da unidade de terapia intensiva para adultos do Hospital Municipal Rocha Faria, em Campo Grande, disse que o serviço público de saúde estava no seu limite. Seu hospital teve que começar a tratar casos de covid-19 porque não há mais espaço nos hospitais originalmente designados para lidar com esses pacientes.

O número de casos covid-19 de Campo Grande está agora entre os maiores do Rio, com 146. Duas comunidades adjacentes de baixa renda, Realengo e Bangu, também estão entre os dez piores sucessos dos 160 distritos oficiais do Rio.