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ANÁLISE-Brasil faz venda histórica de Treasuries em março

21/05/2020 17h23

Por Jamie McGeever

BRASÍLIA (Reuters) - O Brasil vendeu um recorde de 21,5 bilhões de dólares em títulos do Tesouro dos Estados Unidos (Treasuries) em março, quando enfrentou uma debandada de investidores estrangeiros de seus mercados e um consequente tombo na taxa de câmbio, mostraram dados mais recentes do Tesouro dos EUA.

Excluindo China e Japão, os dez principais detentores de Treasuries venderam esse valor em um mês apenas 12 vezes nos últimos 20 anos.

Em termos percentuais, a redução em março de 7,5% do estoque de Treasuries detidos também só foi igualada em 23 ocasiões pelos principais detentores na última década.

Os títulos do Tesouro dos EUA são considerados o ativo financeiro mais seguro e um dos mercados mais líquidos do mundo. Como resultado, representam uma parcela significativa das reservas cambiais dos países.

A venda de 21,5 bilhões de dólares reduziu o estoque detido pelo Brasil para 264,4 bilhões de dólares. Com isso, o país caiu uma posição no ranking global e agora ocupa o quinto lugar, atrás de Japão, China, Reino Unido e Irlanda.

A maior parte desse montante é detida pelo Banco Central.

Esse volume de venda de Treasuries compensou uma saída líquida de 22,5 bilhões dos mercados de ações e títulos do Brasil naquele mês, também um recorde, enquanto o real perdeu 13,7% de seu valor nominal ante o dólar --maior queda mensal desde setembro de 2011 e a mais forte para o mês desde pelo menos 2002.

O Brasil está neste ano a caminho de sua maior contração econômica desde o início dos registros em 1900. A queda dos juros a mínima recorde de 3%, uma profunda crise causada pelo coronavírus e uma crescente incerteza política têm levado investidores estrangeiros a uma corrida para deixar o país.

Para colocar em contexto a redução de 7,5% no Brasil em suas posições em Treasuries é necessário voltar à Bélgica em 2015 --última vez que qualquer um dos dez maiores detentores dos títulos do governo dos EUA teve um declínio comparável em um único mês.

Houve apenas 23 meses na última década em que um dos dez principais detentores de Treasuries reduziu sua carteira em 7,5% ou mais. Todos esses episódios, exceto três, ocorreram durante a crise da zona do euro de 2010-12.

O presidente do Banco Central brasileiro, Roberto Campos Neto, disse na quarta-feira que a venda de reservas cambiais é uma ferramenta que o banco está disposto a usar novamente se a volatilidade do mercado e as condições de liquidez o fizerem necessário. Isso provavelmente significa vender títulos do Tesouro dos EUA.

"Brasil tem muita reserva, inclusive em percentual do PIB (Produto Interno Bruto) a reserva subiu porque (a taxa de câmbio) desvalorizou mais do que o que foi vendido", afirmou Campos Neto em uma live na quarta-feira.

Na ocasião, o presidente do BC disse que a autarquia tem espaço amplo para a venda de reservas internacionais e poderá aumentar sua atuação no câmbio se considerar necessário.

As reservas cambiais do Brasil estavam em 343 bilhões de dólares no final de março, queda de 19 bilhões de dólares no mês. O montante recuou ainda mais, para 339 bilhões de dólares, em abril, o menor valor desde 2011 e ainda mais distante do recorde de 388 bilhões de dólares de junho do ano passado.

Brad Setser, membro sênior do Conselho de Relações Exteriores de Nova York e autoridade nos fluxos globais de capital, disse que a pressão sobre a moeda e fluxos de portfólio no Brasil provavelmente persistirá, embora não com a mesma intensidade.

Nesse caso, vender títulos do Tesouro dos EUA para aliviar parte dessa pressão continua sendo uma opção lógica.

"O Brasil pode optar por acomodar uma mudança nos fluxos de portfólio fora do país e reduzir as reservas para permitir a saída de estrangeiros. O efeito colateral é que o Brasil terá um colchão de reservas menor daqui para frente", disse Setser.

"O Brasil escolheu uma política de baixas taxas de juros, por isso o motivo tradicional para manter em carteira títulos brasileiros desapareceu. O diferencial de juros não existe. Chegará o momento em que os estrangeiros voltarão, mas ainda não estamos lá", completou.