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Após dias tensos, Congresso segue atento e alinhado ao STF, mas evitará comentários a cada polêmica

16/06/2020 22h02

Por Maria Carolina Marcello

BRASÍLIA (Reuters) - O clima de tensão aumentou no Congresso, após ataques a estruturas e instituições democráticas no fim de semana, e o sentimento entre parlamentares é o de, alinhado ao Judiciário, manter permanente vigilância, evitar comentários a cada polêmica, seja originada pelo próprio governo ou por seus militantes, e agir com firmeza quando a situação passar dos limites.

Neste ponto, afirma uma fonte que acompanhou de perto as conversas, há uma unidade raramente vista entre os parlamentares, e, mais do que isso, conversas constantes entre os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que acompanham o desenrolar do cenário com muita atenção.

Prevalece a ideia que não é possível encarnar o papel de "comentaristas" de cada polêmica do governo. O entendimento é que deve-se guardar o fôlego --e atitudes concretas-- para quando a situação passar de um patamar aceitável.

Exemplo de uma atitude mais incisiva da parte do Congresso ocorreu no sábado, segundo avaliação de uma fonte, quando a Polícia Legislativa foi acionada para retirar integrantes do grupo de inspiração militar 300 do Brasil que havia invadido área restrita do prédio do Congresso Nacional.

Os militantes tinham a intenção de negociar a permanência no local por uma hora, tempo que usariam, segundo a fonte, para a gravação de vídeos e lives nas redes sociais.

A orientação de Alcolumbre, que também é presidente do Congresso, no entanto, foi a de não ceder ao grupo, por entender que ali eles haviam ultrapassado o limite de uma demonstração democrática. Os mesmos manifestantes foram responsáveis, mais tarde, pelo lançamento de fogos de artifício na direção do prédio do Supremo Tribunal Federal (STF).

Outra iniciativa que deve ser levada adiante diz respeito a projeto sobre as chamadas fake news. Identifica-se, no Parlamento, que o tema está intimamente ligado a organizações com perfis antidemocráticos e também a ameaças que têm como alvos parlamentares e magistrados. O tema também é objeto de um inquérito no Supremo.

Nesta terça-feira, Maia (DEM-RJ), lembrou que deputados e deputadas trabalham em um texto a ser sugerido ao Senado, onde tramita proposta sobre o tema. Ainda há muita controvérsia em torno de uma legislação para as notícias falsas e parlamentares tentam chegar a um texto que coíba a prática sem, entretanto, agredir a liberdade de expressão.

Em entrevista coletiva, Maia comentou os ataques do fim de semana e avaliou que o governo "certamente" não apoia atos antidemocráticos e de vandalismo --o presidente da Câmara classificou as cenas de disparos de fogos de artifício contra o prédio do STF como "absurdas" e "lamentáveis".

Maia lembrou na entrevista que o presidente Jair Bolsonaro não foi nos últimos eventos com essa conotação, após polêmica gerada por ele comparecer em manifestações com faixas pedindo, entre outros pontos, o fechamento do Congresso e do STF.

Isso não impediu, no entanto, que o presidente assinasse nota --divulgada na sexta-feira e subscrita também pelo vice-presidente Hamilton Mourão e pelo ministro da Defesa, Fernando Azevedo-- que afirma que os militares não cumprem ordens absurdas, mas também não aceitam tentativas de tomada de poder por outro Poder da República por meio de julgamentos políticos.

REAFIRMAÇÃO DE AUTORIDADE

"A tensão é uma tônica neste governo vocacionado para o confronto institucional. O avanço nas investigações das fake news com a adoção de medidas judiciais contra parlamentares eleva a temperatura da crise", disse à Reuters o deputado Fábio Trad (PSD-MS).

"Ao chamar de sua base forças que com frequência levantam bandeiras inconstitucionais, o governo atrai para si mais combustível para uma crise institucional", acrescentou Trad.

Paira, entre os parlamentares, apesar das turbulências provocadas pelo governo ou seu entorno, a disposição de defesa cada vez mais assertiva da democracia e de seus princípios.

"O Congresso Nacional e os parlamentares estão atentos à escalada do acirramento das tensões advindas do presidente da República e de seus apoiadores mais radicais, que dialogam com o arbítrio e a supressão das liberdades. E não vão tolerar, com certeza, qualquer rompimento com os marcos legais", garantiu a líder do Cidadania no Senado, Eliziane Gama (MA).

Para o deputado Marcelo Ramos (PL-AM), a reafirmação da autoridade das instituições é parte importante nesse cenário.

"A despeito das atitudes intempestivas e antidemocráticas de alguns setores do governo, as instituições estão muito sólidas e reafirmando sua autoridade", avaliou.

Na segunda-feira, a ativista Sara Geromini, conhecida como Sara Winter, e outros cinco integrantes do 300 do Brasil foram presos temporariamente no âmbito de um inquérito que investiga a organização de atos antidemocráticos a favor de uma intervenção militar, do fechamento do STF e do Congresso Nacional.

Tanto Maia como Alcolumbre não tiveram eventos públicos na segunda, e seguem na linha da discrição, evitando "dar corda" às controvérsias.

O fato, avalia uma das fontes ouvidas pela Reuters, é que os termômetros mostraram uma elevação da temperatura, deixando parlamentares, comandos das duas Casas e ministros do Supremo em estado de atenção.