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Com juro na mínima histórica, nem pandemia tira pessoa física da bolsa

Paula Arend Laier

26/06/2020 14h41

SÃO PAULO (Reuters) - A bolsa paulista caminha para fechar mais um mês com valorização, ainda um reflexo ao forte fluxo de pessoas físicas para as ações brasileiras, que vêm aumentando sua participação no volume negociado desde março, apesar de toda a volatilidade que a pandemia trouxe aos mercados financeiros.

Até o momento, o Ibovespa acumula valorização ao redor de 30% no segundo trimestre, com performance positiva nos três meses até o momento.

O índice ainda está distante das máximas do começo do ano, quando se aproximou dos 120 mil pontos, mas já se afastou da mínima de 2020, quando regrediu para quase 60 mil pontos em março, duramente afetado pela onda de aversão a risco global desencadeada pela Covid-19.

Nesse período, a B3 só viu crescer a participação dos investidores pessoa física, em termos absolutos e no total negociado no pregão. Trata-se de um fenômeno bastante diferente do que aconteceu em outras crises que geraram fuga desta classe de investidor dos mercados e que tem na queda dos juros básicos da economia seu principal catalisador.

O movimento nos fundos de ações endossa esse efeito do recuo da Selic. Em março, houve captação líquida de 8,3 bilhões de reais nessas aplicações, enquanto a indústria de fundos como um todo teve resgate líquido 31,2 bilhões de reais, com o saldo nos fundos de ações continuando positivo nos meses seguintes, embora menor, segundo a Anbima.

Não é novidade que essa a participação de investidores vem crescendo na bolsa nos últimos anos. Mas em março, quando o Ibovespa sofreu uma queda de quase 30%, a B3 registrou um salto recorde de 298.871 novos investidores ativos em relação a fevereiro - quando houve aumento de 120.358 ante janeiro.

Abril e maio, embora em ritmo menor, continuaram mostrando expansão nessa base, que já supera 2,5 milhões de investidores ativos - mais do que o dobro do registrado um ano antes (1,1 milhão). E junho segue mostrando a mesma tendência, que também se observa no percentual do volume negociado.

Até o último dia 23, as pessoas físicas já respondiam por 23,8% do total negociado em junho, com o saldo de compras e vendas positivo em 2,5 bilhões de reais. No fatídico mês de março, em que a participação subiu a 16,2%, houve entrada líquida de 17,5 bilhões de reais.

"O que se viu em março, em abril...Isso foi um fenômeno", afirmou Gabriel Leal, sócio e chefe da área comercial e de relacionamento com clientes da XP Inc., que encerrou maio com 2,2 milhões de clientes ativos.

A queda do Ibovespa dos quase 120 mil pontos para cerca de 60 mil pontos, acrescentou, gerou uma grande correria porque as pessoas físicas viram uma oportunidade de comprar a bolsa mais barata. "E isso acabou sendo um grande 'trigger' (gatilho) para o aumento exponencial de investidores", observou Leal.

Ele afirmou ainda que não se surpreenderia com 10 milhões de pessoas físicas na bolsa em dois anos. "Inclusive, a gente trabalha internamente com números dessa magnitude."

Na véspera, Leal foi responsável por novos disparos na recente briga entre XP e Itaú Unibanco, um dos efeitos do "fenômeno" do aumento da participação de pessoas físicas na bolsa. Ele afirmou que a plataforma Personnalité do sócio vai desaparecer em 3 anos diante da migração de recursos de clientes para a XP.

E enquanto XP e Itaú trocam farpas em público, o banco BTG corre por fora, estimando precificar no próximo dia 29 oferta bilionária de units, que prevê a alocação dos recursos no crescimento da sua plataforma de varejo digital, focada na pessoa física.

Já o Credit Suisse assinou acordo com o Banco Modal para adquirir até 35% da participação do banco digital modalmais, a fim de explorar sinergias entre seus produtos e serviços de investimentos.

Para ficar

A expectativa dos especialistas consultados é que o crescimento da presença de investidores pessoa física na bolsa veio para ficar, apoiado no tombo da Selic para 2,25%.

"Isso acaba servindo de estímulo para que as pessoas procurem melhores maneiras de fazer seu dinheiro render", disse Marcelo Flora, sócio do Banco BTG Pactual responsável pelo BTG Pactual digital.

O executivo afirma que, no longo prazo, serão necessárias reformas que criem condições para manter esse patamar de juro baixo, mas que, neste momento, a própria pandemia de coronavírus e seus efeitos restritivos na economia acabam corroborando esse cenário de taxas reduzidas.

Além disso, Rodrigo Puga, sócio do banco digital modalmais, observa que há ainda uma série de fatores que podem trazer volatilidade, como o cenário político e de reformas ainda conturbado no país, as eleições nos EUA e o risco de uma segunda onda de infecções pela Covid-19, mas que tendência de expansão da fatia da pessoa física na bolsa deve continuar.

"O que pode mudar é o produto foco em função do cenário presente", afirmou Puga, citando, por exemplo, maior diversificação nas alocações. Segundo o executivo, a média de abertura de contas no modalmais passou de 2 mil por dia antes da pandemia, para 3 mil agora, com o total de clientes ativos perto de 1 milhão.

Na visão de Alan Gandelman, que assumiu recentemente o comando da Planner Corretora, mesmo os investidores que se machucaram com o forte ajuste negativo mais cedo no ano tendem persistir na bolsa.

Aqueles que sofreram menos ou tem mais recursos, explicou, devem ver a queda de juros e considerar a bolsa com um potencial maior de rendimentos e aproveitar para comprar. "O investidor mais machucado é difícil saber como agirá, mas acredito que está esperando para ver como fica essa crise e aí voltar a investir."