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Liderança do Alto Xingu, cacique Aritana morre vítima de Covid-19

05/08/2020 13h20

Por Ueslei Marcelino

BRASÍLIA (Reuters) - O cacique Aritana Yawalapiti, de 71 anos, um dos principais líderes indígenas do Alto Xingu, morreu nesta quarta-feira vítima de Covid-19, depois de duas semanas internado em um hospital de Goiânia.

A morte de Aritana foi confirmada pela família, em uma nota em que agradece às condolências, e pelo médico Celso Correia Batista, que atende os indígenas no Xingu e foi responsável por levar Aritana em uma longa jornada de carro até Goiânia, depois de o líder indígena apresentar sintomas da Covid-19 na aldeia, com tosse, cansaço e falta de ar.

O líder indígena primeiramente foi levado a Canarana, no Mato Grosso, onde realizou tomografia em um hospital que mostrou comprometimento de 50% do pulmão, confirmando, na avaliação do médico, o diagnostico de Covid-19 mesmo sem a realização de exame até aquele momento.

Inicialmente tentou-se uma transferência aérea para um hospital com UTI em Goiânia, mas, como nenhum médico queria se responsabilizar pelo transporte de um paciente em estado grave, segundo Batista, os esforços pela transferência aérea não deram resultado ao longo de dois dias. [nL1N2F520N]

Batista levou então Aritana até Goiânia em uma segunda viagem de carro, esta de nove horas, e com o apoio de cilindros de oxigênio para manter o cacique vivo. Aritana ficou duas semanas internado na UTI, mas não resistiu às complicações causadas pela doença.

"Aritana Yawalapiti tinha 71 anos e foi uma das maiores e mais antigas lideranças do Alto Xingu. Ele era um dos últimos falantes do idioma tradicional de seu povo, o yawalapiti, mesmo nome da etnia. Além de guardar a memória de sua língua natural, Aritana também falava português e outros quatro idiomas tradicionais indígenas", disse a família do cacique em nota.

"Era um grande defensor da luta pela preservação e perpetuação da cultura de seu povo para as novas gerações, e constantemente denunciou os efeitos do desmatamento no entorno de seu território, como a extinção de peixes dos rios e a contaminação das águas."

Uma das lideranças mais tradicionais da região Aritana trabalhou com os irmãos Villas-Bôas para a criação do Parque Nacional do Xingu.

A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, publicou em sua conta no Twitter uma foto ao lado do cacique e fez uma homenagem a ele.

"E hoje perdemos o líder maior do Xingu. Hoje perdemos o cacique Aritana. Estamos tristes! É uma dor sem tamanho! O grande cacique Aritana estava internado há vários dias por Covid e não resistiu. Grande perda! É um dia triste para o Xingu. Vá em paz guerreiro!", disse.

O impacto da Covid-19 sobre os povos indígenas é motivo de grande preocupação, conforme destacado recentemente pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que apontou o risco particularmente alto para essas populações.

Segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), 633 índios já morreram de Covid-19 no Brasil, com 22.325 casos confirmados até o momento.

O Ministério da Saúde registra um número menor, de 294 óbitos entre indígenas e 16.509 casos confirmados. Índios que deixaram as aldeias e se mudaram para cidades não são contabilizados separadamente pelo governo.

Nesta quarta, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou liminar que obriga o governo Jair Bolsonaro a adotar uma série de medidas de contenção do avanço da pandemia do novo coronavírus nas aldeias indígenas.

A maioria dos ministros que votaram seguiu o voto do relator da ação, Luís Roberto Barroso, que havia determinado que a União formulasse dentro de 30 dias um plano de enfrentamento da Covid-19 para os indígenas.

Barroso também tinha determinado que o governo elaborasse políticas para criar barreiras sanitárias, realize uma contenção e isolamento de invasores em terras indígenas, além de instalar uma sala de situação para o combate à pandemia em territórios indígenas.

A decisão ocorreu em uma ação que foi movida pela Apib e seis partidos políticos que tinham pedido medidas legais imediatas de proteção, alegando risco real de genocídio da população indígena devido à pandemia.

(Reportagem de Ueslei Marcelino e Lisandra Paraguassu; Reportagem adicional de Ricardo Brito)