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Com completa revisão de arcabouço, chair do Fed inicia difícil defesa de inflação mais alta

26/08/2020 18h17

Por Howard Schneider

(Reuters) - Após uma revisão de quase dois anos, as autoridades do Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos) sentem que encontraram uma melhor maneira de cumprir suas metas principais de inflação estável e pleno emprego.

Na quinta-feira, o chair do Fed, Jerome Powell, começa o que pode ser a tarefa mais difícil: convencer o público de que o banco central pode e irá cumprir seus objetivos, na esteira de uma pandemia que possivelmente corroeu a confiança nas instituições norte-americanas e colocou uma grande parte da força de trabalho na fila do desemprego.

Isso é uma venda difícil de um assunto confuso --a essência envolve dizer aos norte-americanos que uma inflação mais elevada será bom para eles no longo prazo--, e analistas já começaram a questionar se um novo "arcabouço" do Fed se sairá melhor do que o atual em um ambiente no qual a política monetária pode ter atingido seu limite em termos de ajuda à economia.

"Agora, a situação é realmente arriscada, e há pouco que os formuladores de política monetária neste momento tenham mantido em seu arsenal", disse David Wilcox, ex-chefe da divisão de pesquisa do Fed e agora membro sênior do Peterson Institute for International Economics.

Wilcox disse temer que o novo arcabouço do Fed, que deve ser anunciado em setembro, pareça abstrato, a menos que seja acompanhado de novas medidas para assegurar seu cumprimento, como massiva nova compra de títulos ou o estabelecimento de metas explícitas de desemprego.

A ata da última reunião de política monetária do Fed indicou que essas medidas podem vir depois, dando ao banco central tempo para enxergar como a economia se comporta neste estágio da pandemia do coronavírus. O Fed já reduziu as taxas de juros a zero, iniciou algumas compras de títulos e aprovou massivos programas de crédito.

Powell, em declarações online na quinta-feira para o simpósio econômico anual do Fed de Kansas City, falará sobre a revisão do arcabouço do banco central, iniciativa que incluiu audiências públicas e pesquisas para explorar como a política monetária deve se adaptar às mudanças na economia.

Normalmente realizado no resort montanhoso de Jackson Hole, no Estado de Wyoming, mas sendo conduzido de forma virtual neste ano por causa da pandemia, o simpósio foi utilizado no passado pelos chefes do Fed para sinalizar mudanças na política monetária, e essa será a expectativa quando Powell começar a falar na quinta-feira, às 10h10 (horário de Brasília).

O vice-chair do Fed, Richard Clarida, e a diretora do Fed Lael Brainard também devem falar na próxima semana em eventos patrocinados por think tanks em Washington.

ALVO PERDIDO

O assunto pode parecer profundo nas ervas daninhas da política monetária, centrado nas convicções de que a inflação fraca e as baixas taxas de desemprego não podem coexistir porque salários e preços sobem quando um número excessivo de pessoas está trabalhando.

Até a pandemia, no entanto, eles coexistiam. O desemprego atingiu níveis historicamente baixos sem que a inflação alcançasse a meta do Fed, de 2%. As expectativas em relação à inflação, consideradas fundamentais para o ritmo futuro de aumentos de preços, também ficaram defasadas.

Isso se tornou um problema crônico não apenas para o Fed, mas também para os bancos centrais de todo o mundo. Sem alguma inflação, as taxas de juros ficam abaixo do normal, o que dá pouco espaço para ajudar a economia --por exemplo, reduzindo-as quando a recessão chega, como aconteceu neste ano.

As autoridades monetárias são, então, confrontadas com a redução rápida das taxas para zero e com o uso de ferramentas monetárias mais complexas, como a compra de títulos ou programas de crédito para apoiar empresas e famílias.

"Há uma percepção crescente de que uma meta de inflação de 2%, conforme inicialmente estabelecida nos EUA e no mundo, não é suficiente", disse o presidente do Fed de St. Louis, James Bullard, em entrevista recente à Reuters. Mudar o arcabouço pode ajudar a "sustentar a meta e fazer com que as expectativas fiquem em 2%", disse ele.

O Fed estabeleceu pela primeira vez a meta de inflação em 2012 e, desde então, não a cumpriu na maior parte do tempo. Os mercados financeiros indicam que a taxa de inflação dos Estados Unidos projetada para dez anos é de apenas 1,75%, nível que reflete pouca preocupação com o risco de aceleração preocupante no aumento dos preços e pouca fé na influência do Fed sobre a única variável econômica que um banco central deve controlar.

Em sua reunião de política monetária no próximo mês, o Fed deve mudar a forma como caracteriza sua meta de inflação. Em vez de buscar atingir uma inflação de 2% em uma base anual, espera-se que o objetivo seja chegar a esse nível como uma média por um período mais longo e permitir, explicitamente, que talvez anos de aumentos de preços mais rápidos compensem períodos em que aumentaram muito lentamente.

Levaria, por exemplo, uma década de inflação em 2,5% para compensar as taxas abaixo da meta desde 2012.

"PESADELO COMPLETO"

Espera-se que a nova estrutura também leve em consideração a lição-chave dos últimos anos: o desemprego pode cair a níveis inferiores aos projetados sem provocar preços mais altos.

O texto sobre a estratégia atual trata o desemprego na mínima como um risco para a inflação que o banco central precisa "mitigar", em vez de um bônus para os trabalhadores, desde que os preços sejam moderados.

A tolerância para aumentos de preços mais rápidos, implícita em uma meta de inflação média, deve permitir uma redução do desemprego, já que o Fed deixaria as condições financeiras mais frouxas, mesmo com a aceleração dos preços --e não prejudicaria o crescimento do emprego na base, como críticos argumentam que seria propenso a ocorrer.

Isso é difícil para Powell explicar, talvez mais ainda com cerca de 28 milhões de norte-americanos recebendo auxílio-desemprego. Embora a inflação geral seja modesta, os aumentos de preços mais rápidos vistos recentemente foram em itens essenciais, como alimentos e eletrodomésticos.

"E se dermos azar e tivermos um alto desemprego e uma inflação acima de 2%?", questionou Ed Al-Hussainy, analista sênior da Columbia Threadneedle. Essas foram as mesmas condições que levaram o Fed na década de 1970 a travar uma batalha de duas décadas para estabelecer sua credibilidade como combatente da inflação.

"Enviar a álgebra ao Congresso e ao público é um pesadelo completo."