BC aponta cenário deteriorado e vê política fiscal reduzindo o efeito do aperto nos juros

Por Bernardo Caram

BRASÍLIA (Reuters) -O Banco Central observa uma deterioração adicional em componentes que afetam a política de juros, como câmbio, inflação corrente e expectativas de mercado, vendo os impulsos fiscal e de crédito como elementos que estão contribuindo para uma redução do efeito do aperto monetário colocado em curso para domar a inflação, mostrou a ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom).

Em um cenário com indicação de aquecimento adicional da atividade, o BC elevou em seus modelos a estimativa para a taxa de juros real neutra --que não estimula nem retrai a economia-- de 4,75% para 5,00% ao ano, fator que indica um trabalho mais difícil para o controle da alta de preços.

O BC citou uma dicotomia no cenário, com o ritmo de crescimento do consumo das famílias e dos investimentos indicando uma demanda interna crescendo em ritmo "bastante intenso", apesar da política monetária contracionista.

"Há elementos mitigadores concorrendo com o impacto da política monetária sobre a atividade, tais como os impulsos de crédito e fiscais mais fortes do que antecipados", disse o BC no documento divulgado nesta terça-feira.

"A manutenção de canais de política monetária desobstruídos, sem elementos mitigadores para sua ação, contribui para uma condução mais efetiva e mais eficiente."

A ata reforçou a mensagem de que a percepção dos agentes econômicos sobre o recente anúncio fiscal do governo afetou de forma relevante os preços de ativos e as expectativas de mercado, especialmente o prêmio de risco, as expectativas de inflação e a taxa de câmbio.

"Com relação à política econômica de forma mais geral, o Comitê manteve a firme convicção de que as políticas devem ser previsíveis, críveis e anticíclicas. Em particular, desacelerações são parte essencial do processo de suavização e reequilíbrio da economia. O debate do Comitê evidenciou, novamente, a necessidade de políticas fiscal e monetária harmoniosas", afirmou.

Ao observar uma indicação de abertura adicional do hiato do produto, quando o desempenho da atividade econômica é mais forte do que sua capacidade, o BC enfatizou que a redução desse indicador é relevante para o "funcionamento ordenado" dos mecanismos de transmissão da política monetária e o atingimento da meta de inflação.

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DECISÃO MAIS DURA

No documento, a autarquia argumentou que a deterioração do cenário de inflação e a materialização de “vários riscos”, que tornaram o cenário mais adverso, levaram o Copom a endurecer a política de juros.

Na última quarta-feira, o Copom decidiu acelerar o ritmo de aperto nos juros, ao elevar a taxa Selic em 1 ponto percentual, a 12,25% ao ano, e surpreendeu ao prever mais duas altas da mesma magnitude, após citar risco de piora da dinâmica inflacionária a partir do anúncio de medidas fiscais do governo.

A decisão se baseou em dois fatores, segundo o BC. Primeiro, a magnitude da deterioração de curto e médio prazo do cenário de inflação, o que exigia uma postura mais tempestiva para manter o firme compromisso de convergência da inflação à meta

Em segundo lugar, para a autoridade monetária, vários riscos se materializaram tornando o cenário mais adverso, mas menos incerto, permitindo maior visibilidade para que o Comitê oferecesse uma indicação de como antevia as próximas decisões.

Para a autarquia, há necessidade de uma política monetária ainda mais contracionista diante de uma desancoragem adicional das expectativas do mercado para a inflação, "um fator de desconforto comum a todos os membros do Comitê" e que deve ser combatida.

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"De fato, houve não só uma interrupção no processo desinflacionário, como uma maior pressão inflacionária nas últimas divulgações", acrescentou, citando intensificação recente de vetores que pressionam os preços, o que dificulta a convergência da inflação à meta.

Na ata, o BC afirmou que as condições financeiras e o câmbio passaram por forte alteração recentemente, tornando o ambiente mais complexo.

"O repasse do câmbio para os preços aumenta quando a demanda está mais forte, as expectativas estão desancoradas ou o movimento cambial é considerado mais persistente", disse.

Na avaliação do economista-chefe da XP, Caio Megale, a ata reforçou o tom duro do Copom, embora com poucos elementos adicionais em relação ao comunicado divulgado após a reunião da semana passada.

"Consideramos consistente com o nosso cenário de que a taxa Selic atinja 15,00% no pico do ciclo de alta, em maio de 2025. Os riscos, no entanto, continuam inclinados para cima, dada a persistente incerteza quanto à condução da política fiscal e a deterioração recente nos preços dos ativos", afirmou.

(Por Bernardo CaramEdição de Camila Moreira)

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