Governo quer limitar taxas em programa de vale-refeição, depósito direto para trabalhador é improvável, dizem fontes
Por Marcela Ayres
BRASÍLIA (Reuters) - O governo estuda limitar as taxas cobradas por empresas de tíquete alimentação dos restaurantes e supermercados e reduzir o prazo de liquidação das transações para diminuir os custos de intermediação no bilionário mercado de vale-refeição, cuja abertura legal vem sendo postergada, disseram três fontes com conhecimento do assunto.
As fontes, que falaram em condição de anonimato, pontuaram que o depósito direto dos valores aos trabalhadores pelos empregadores por meio do Pix chegou a ser levado à mesa, mas não deve prosperar em meio ao intenso lobby contrário das empresas de benefícios que hoje realizam essa intermediação e associações de bares e restaurantes.
Procurado, o Ministério do Trabalho não respondeu a um pedido de comentário, ao passo que o Ministério da Fazenda afirmou que não se manifestaria.
Na prática, o depósito via Pix mataria a necessidade de intermediários para um mercado que movimenta cerca de 170 bilhões de reais ao ano sob o chamado Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), que foi instituído em 1976 oferecendo benefícios tributários às empresas em troca da cobertura dos custos de alimentação de seus empregados.
Falando a um programa do governo nesta quarta-feira, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, pareceu afastar a possibilidade de substituição do modelo de intermediação por depósitos via Pix.
A ideia, que havia sido reportada por veículos locais na semana passada, afetou negativamente as ações das processadoras de benefícios Edenred, dona da Ticket, e Pluxee, dona da Sodexo. Junto com as empresas de capital privado Alelo e VR, elas dominam cerca de 85% do mercado brasileiro.
"É preciso preservar o programa. Nasceram várias ideias, algumas delas destruíam praticamente o programa. Então isso foi totalmente descartado neste processo", disse Marinho.
Sem dar detalhes, o ministro afirmou que haverá mudanças nas taxas, após ressaltar que elas são seguramente "bastante elevadas." Mais tarde, em entrevista à imprensa para comentar dados de emprego, Marinho disse que as taxas serão reduzidas "no amor ou na dor", acrescentando que uma possibilidade é a fixação de uma taxa máxima.
Segundo as fontes, o governo analisa como estabelecer um limite para a taxa MDR (Merchant Discount Rate), cobrada pelo processador de pagamentos aos comerciantes por cada transação.
Segundo estimativas do governo vistas pela Reuters, atualmente os restaurantes pagam cerca de 8% a mais em vendas com tíquetes refeição em comparação às feitas com cartão de crédito.
Marinho também sinalizou mudanças no prazo de liquidação, afirmando que há uma controvérsia quanto ao recebimento pelas empresas e posterior repasse ao restaurantes, notando que no setor público há contratos de pagamentos que são de 30 dias.
"Tem que adequar contrato pra reduzir drasticamente esse período aqui. Porque se a empresa recebe com 30 dias do fornecimento, não tem como ela pagar, fazer o repasse antes", ele disse.
Segundo o ministro, uma decisão poderá ser tomada em maio, embora não haja decreto pronto e tampouco previsão de anunciá-lo na quinta-feira, quando é comemorado o Dia do Trabalho.
A Câmara Brasileira de Benefícios ao Trabalhador (CBBT) -- que representa as novas entrantes no mercado de benefícios, Caju, Flash, Swap e Swile -- afirmou que não há estudo que comprove que mudanças nas taxas MDR ou nos prazos de liquidação reduziriam os preços dos alimentos para os trabalhadores, além de poderem impactar negativamente a crescente concorrência.
Em vez disso, a CBBT defendeu a efetiva implementação da interoperabilidade, que permitiria que qualquer cartão de vale-refeição fosse aceito em todos os estabelecimentos que operam com esse meio de pagamento, independentemente da bandeira.
"A interoperabilidade já está legalmente prevista em lei, estando pendente da regulamentação há quase 4 anos," fez coro a associação brasileira de fintechs Abfintechs, acrescentando que a medida viabilizaria a abertura dos grandes arranjos que operam em modelo fechado para a adesão de participantes em condições isonômicas e o fim da exclusividade da habilitação dos usuários.
ATRASO NA ABERTURA
Embora o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, venha dizendo publicamente que o governo analisa o tema como uma das formas de baratear a incômoda inflação de alimentos, que tem afetado negativamente a popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a administração tem, na prática, protelado a adoção de medidas que poderiam abrir este mercado.
Em 2021, o ex-presidente Jair Bolsonaro tentou abrir o mercado com um decreto que reduzia as vantagens das empresas incumbentes. O Congresso apoiou a proposta com uma lei, aprovada em setembro de 2022, para instituir tanto a interoperabilidade quanto a portabilidade -- esta última permitindo que os usuários transfiram seu crédito entre diferentes empresas de vale refeição.
Para efetivamente valer, contudo, essas mudanças teriam que ser regulamentadas até 2023, o que o governo Lula, que assumiu naquele ano, protelou por prazo indeterminado.
O atraso se deve em parte à recusa do Banco Central em assumir a regulação e supervisão formal do setor, alegando ausência de risco sistêmico, posição reiterada na semana passada pelo diretor de Organização do Sistema Financeiro da autarquia, Renato Gomes.
Representando as empresas já estabelecidas no mercado, a Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhador (ABBT) afirmou considerar "absurda" a possibilidade de destruição do programa com a criação de um modelo mais direto de depósito. Mudanças radicais seriam antidemocráticas e afetariam mais de 100 empresas da cadeia de alimentação ao trabalhador, afirmou.
A ABBT, que é favorável à interoperabilidade, mas contra a adoção da portabilidade, criticou ainda o risco de o dinheiro sem destinação controlada poder ser revertido para apostas online, ressaltando que o PAT foi criado para garantir exclusivamente a alimentação do trabalhador.
A associação brasileira de supermercados Abras, por sua vez, defendeu o depósito direto argumentando que a intermediação no setor rende às operadoras cerca de 10 bilhões de reais por ano em tarifas num "modelo anacrônico que se tornou uma reserva de mercado sustentada por recursos públicos."
Com essa ideia sendo escanteada, a Abras afirmou ser "imprescindível" assegurar a interoperabilidade entre operadoras para garantir a liberdade de escolha do trabalhador e a livre aceitação dos benefícios em qualquer estabelecimento afiliado.
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