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Opinião: 2014 marca a ascensão da filantropia chinesa

Zhang Xin é uma das fundadoras e CEO da SOHO China, a maior incorporadora da China - Zhou Shangli/The New York Times
Zhang Xin é uma das fundadoras e CEO da SOHO China, a maior incorporadora da China Imagem: Zhou Shangli/The New York Times

Zhang Xin

17/12/2014 06h00

Após décadas de rápido crescimento econômico na China, aqueles que mais se beneficiaram estão começando a investir nas comunidades

Nunca sonhei que um dia poderia me envolver com a filantropia. Nasci em Pequim, em 1965, e passei a adolescência trabalhando longas horas, costurando e pregando botões em camisas em uma fábrica de Hong Kong. Hoje, sou CEO da SOHO China, a maior incorporadora do país.

A China passou por um crescimento econômico acelerado nos últimos trinta anos e hoje é uma das nações mais rápidas do mundo na produção de bilionários: já são 242 e o número continua subindo, segundo a "Forbes" -- o que é extraordinário, considerando que não havia nenhum há pouco mais de dez anos.

Embora muitos chineses tenham enriquecido, poucos adotaram a prática da filantropia de forma e volume comparáveis aos membros da classe equivalente no Ocidente, mas acho que estamos prestes a mudar isso. Graças a uma nova geração que se sente grata pelas oportunidades que o crescimento do país lhe proporcionou, a conscientização social está em ascensão, reforçando a necessidade de retribuir, de forma inovadora, e contribuir com o futuro da nação e o melhoramento de nossa sociedade.

As histórias de sucesso da minha geração são únicas. Nascemos na China comunista, em uma época em que praticamente ninguém tinha acesso à riqueza material. A filosofia da época era a de "servir ao povo", mas ninguém tinha meios econômicos de investir na sociedade, nem havia muitas instituições de caridade. Era impossível na época ter uma cultura ou tradição de filantropia alimentada por indivíduos ou famílias generosos como os Rockefeller ou os Carnegie. Não havia exemplos a serem seguidos no comunismo. A China estava completamente isolada do resto do mundo, com pouquíssimo acesso às informações lá de fora. Tendo crescido nessa sociedade, jamais poderíamos imaginar a possibilidade de um dia investir na filantropia.

Alibaba - Todd Heisler/The New York Times - Todd Heisler/The New York Times
No fim de abril, Jack Ma, do Grupo Alibaba, anunciou que ele e o cofundador Joseph C. Tsai doariam ações representando dois por cento dos estoques da empresa para o que se tornará uma das maiores instituições de caridade da Ásia
Imagem: Todd Heisler/The New York Times

Porém, em 1978, Deng Xiaoping abriu as portas à reforma econômica e aos mercados de capital. O espírito empreendedor chinês renasceu e a minha geração desabrochou. Fomos estudar no exterior, abrimos empresas e muitos prosperaram de uma forma nunca vista antes.

Para muitos chineses da minha geração, o primeiro contato com a filantropia ocidental foi a ajuda financeira recebida durante o período de estudos no exterior. Poucos tinham dinheiro, na maioria apenas ambição e garra. Éramos pobres, famintos e determinados. O auxílio transformou nossas vidas.

Eu estudei no Reino Unido, com bolsa integral, nos anos 1980, tendo me formado pela Universidade de Sussex e depois feito mestrado em Cambridge. Minha formação eventualmente me levaria a um emprego em Wall Street; em 1995, voltei para a China e fundei a SOHO China com meu marido, Pan Shiyi, que foi criado no interior do oeste do país. Também fez faculdade, o que o tirou da vida no campo e o mergulhou na comunidade empresarial da nação que mudava a olhos vistos.

A oportunidade de estudar foi o fator de mudança mais drástico da minha vida. Minha educação me abriu os olhos para o mundo, me forneceu a bagagem acadêmica necessária para iniciar uma carreira internacional e a coragem de voltar para o meu país, montar uma empresa e inovar. Sem ajuda financeira, nem eu, nem tantos outros chineses que têm um papel tão importante em assessorar, guiar e construir a China moderna que conhecemos hoje, jamais teríamos a chance de ir para a universidade.

Nos dez anos depois que voltei, muita gente na minha situação também retornou. O país foi se tornando cada vez mais globalizado, entrou para a Organização Mundial do Comércio, em 2001, e começou a se preparar para as Olimpíadas de 2008, em Pequim. A economia explodiu. Ao mesmo tempo, a internet e as redes sociais ganharam um impulso incrível -- e isso começou a exigir uma transparência cada vez maior das empresas e do governo. A China estava no cenário mundial e era cobrada para se mostrar socialmente responsável.

No início da reforma pós-econômica, a filantropia era praticada geralmente em casos de desastres naturais e na construção de escolas nas áreas mais remotas. Meu marido e eu entramos na onda do momento, doando para as vítimas do tsunami na Ásia, em 2004. Depois, começamos a doar fundos para a construção de escolas nas províncias de Qinghai e Gansu, no oeste, na região muito pobre onde ele nasceu e foi criado. Contribuímos também com assistência às vítimas do terremoto de Sichuan, em 2008, tragédia que matou quase 70 mil pessoas, destruindo comunidades inteiras no sudoeste da China. O sofrimento das pessoas afetadas comoveu o público, que fez inúmeras doações. A filantropia se tornou então um tópico que as pessoas entendiam, discutiam e debatiam.

A essa altura, as contribuições minhas e do meu marido eram esporádicas, focadas em necessidades extremas e soluções imediatas. Ficou claro que uma solução como a do supergrupo Band-Aid não funcionou, pois muitas comunidades precisam de assistência estendida para lidar com problemas crônicos. Precisávamos de uma causa que se encaixasse em nossas aspirações filantrópicas de longo prazo. Pensando em como a educação me abriu as portas, sabia que essa era a causa com que me identificava mais. Ela é o fator primordial para alavancar a mobilidade social.

Assim, meu marido e eu criamos a Fundação SOHO China, em 2005, cujo objetivo é melhorar a qualidade da educação das comunidades carentes. Nosso primeiro projeto foi um programa de treinamento de professores no interior do oeste do país. Ao longo de cinco anos, levamos mais de 1.700 educadores das comunidades rurais para Pequim para se aprimorar e poder melhorar o nível da educação fornecida a mais de 80 mil alunos de escolas primárias. Quando soubemos das péssimas condições de higiene nos colégios, também construímos 45 banheiros, melhorando assim a vida de 35 mil alunos.

Conforme começamos a trabalhar com as escolas rurais, percebi que os estudantes têm poucas oportunidades. O crescimento da China veio acompanhado de uma divisão absurda na distribuição de renda, com as metrópoles prosperando muito mais que as cidades pequenas e vilarejos. Muitos chineses ricos mandam os filhos para estudar fora, mas muitos alunos brilhantes do interior não têm oportunidades como essa por falta de meios financeiros. Com isso, o risco de que os jovens que vão para o exterior para estudar pelo privilégio e não pelo mérito é muito grande.

Alguns dos nossos melhores alunos hoje se veem tão intimidados pelo peso econômico da busca de uma educação internacional que nem tentam entrar nas melhores universidades.

Por causa disso é que decidimos criar a Bolsas de Estudo SOHO China, cujo objetivo é doar US$ 100 milhões para alunos chineses que cursam as melhores universidades internacionais. O nosso primeiro acordo, de US$ 15 milhões, foi assinado com Harvard; o segundo, envolvendo US$ 10 milhões, foi com Yale. E criou uma polêmica imediata na China. Por um lado, recebemos um encorajamento muito grande; por outro, a decisão de trabalhar com instituições de ensino internacionais foi duramente questionada.

A filantropia se tornou um dos tópicos do momento na internet e nas redes sociais. E a minha resposta à reação de nossa escolha é essa: uma das características mais marcantes do nosso tempo é a globalização. É importante que a China se integre com o resto do mundo. Nosso objetivo é permitir que os melhores chineses – e os mais capacitados – atuem como uma ponte entre o nosso país e outras nações, como uma ferramenta importante para a modernização do Reino do Meio [forma como os chineses chamam o país].

Quando penso no que nos levou à decisão de criar um fundo de bolsas de estudo neste ano, me lembro da ocasião em que conheci Warren Buffett e da impressão que ele causou em mim. Buffett e Bill Gates tinham ido à China, em 2010, para tentar convencer os mais ricos a pensarem sobre a filantropia. Buffet explicou que sempre procurara doar, mas um dia percebeu que o ritmo em que o fazia era muito mais lento do que o que tinha usado para ganhar seu dinheiro. Estava com 80 anos na época; assim, decidiu entregar grande parte de sua fortuna à Fundação Bill & Melinda Gates. Saí do encontro inspirada pela sua visão ampla, pelas doações com o objetivo de causar grande impacto e pensei: "Não posso esperar até ser tarde demais".

Logo depois do anúncio da criação da Bolsas de Estudo SOHO China, soube que o incorporador de Hong Kong Ronnie Chan, meu amigo, e sua família tinham feito uma doação de US$ 350 milhões para a Faculdade de Saúde Pública de Harvard e outra de US$ 20 milhões para a escola onde ele estudou, a Universidade do Sul da Califórnia. Também soube que Jack Ma, da gigante do comércio eletrônico Alibaba, ao lado do cofundador Joe Tsai, vão doar 2% das ações da empresa para uma instituição de caridade.

Sem dúvida, o ano de 2014 é um fator de mudança na filantropia chinesa. A tradição finalmente está ganhando a força de que necessita para crescer graças a um grupo de empreendedores consciente socialmente, engajado globalmente e esperançoso de causar um impacto positivo e duradouro na China e no mundo – que, aliás, não busca soluções rápidas, mas reconhece sua responsabilidade.

Foi graças à ajuda financeira que deixei de ser operária de fábrica para me tornar universitária, empreendedora e, finalmente, CEO da minha própria empresa. De todas as minhas conquistas, a que mais me orgulha é o trabalho na filantropia, que espero continuar até o fim dos meus dias. O mundo está na expectativa para saber o que nós, chineses, faremos nesse setor.