Salário-maternidade: a saga

Com filhos nos braços, mais de 100 mil mães estão na fila de espera do INSS, sem prazo para receber

Lucas Borges Teixeira Colaboração para o UOL, em São Paulo Guilherme Zamarioli/UOL

Ter filhos é sempre um gasto a mais. Para auxiliar nesse momento, o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) oferece um salário-maternidade de quatro meses às contribuintes.

Se você estiver com a contribuição em dia, a solicitação é, teoricamente, fácil: basta fazer o requerimento online e aguardar um prazo de até 45 dias para aprovação. Há também o caminho específico para trabalhadoras rurais (mais detalhes abaixo).

Tudo por aplicativo ou telefone. Simples, não?

Na prática, não tem funcionado tão bem: atualmente, há mais de 100 mil solicitações de salário-maternidade sem resposta acima do prazo no Brasil. São mães com filhos recém-nascidos ou no fim de gestação que, além de não saberem quando receberão o auxílio ao qual têm direito, se perdem entre filas, informações desencontradas e muita demora. O UOL ouviu algumas delas.

Arquivo pessoal

"Meu bebê não tem nem 2 meses e já procuro serviço porque o dinheiro não sai"

Rayla Lima, 21, desempregada, Uberlândia (MG)

"Meu bebê nasceu no dia 21 de janeiro, mas eu abri a solicitação com o atestado de afastamento que o médico deu no dia 6. Eu liguei lá [52 dias depois da solicitação] e a atendente disse que está em análise, que o sistema estava fora do ar.

Ela falou que o prazo é a partir de 45 dias, mas eu achava que era de até 45 dias. Eles falam que não tem o que fazer, que vai ficar em análise. Mas eu estou sem trabalhar, e o salário-maternidade não sai, está complicado.

Meu bebê está com um mês, toma suplemento e eu, sem renda nenhuma. Meu marido está pagando [as contas] como pode. Já estou procurando emprego, porque não sai o INSS.

Penso em procurar um advogado, estou esperando virar o mês. Se não tiver resposta, vou entrar com uma assessoria [jurídica]."

Arquivo pessoal

"Negaram auxílio-doença e atrasam o salário-maternidade"

Ruth Fabrícia Pires, 38, artesã e youtuber, Nova Iguaçu (RJ)

"Meu filho nasceu no dia 25 de novembro, fiz o pedido logo no dia 11 de dezembro. Primeiro, por telefone, a mulher mandou aguardar. Falou que tinha o tempo de análise, 45 dias. Só responderam neste mês [fevereiro]. Mandaram email e pediram para levar uma documentação na agência. Levei, esperei mais e voltei outro dia. Quando chego lá, mandaram aguardar mais 45 dias! Explicaram que o sistema ainda está analisando.

Eu até falei na agência: 'Poxa, vai fazer três meses que meu filho nasceu, estou numa situação difícil!'. Eles só responderam que não podem fazer nada, porque eu não sou a única, que está todo mundo na espera. Eles falam isso, sem dar mais explicações, falam que é o sistema. Depois disso, eu liguei para a Ouvidoria [do INSS], mas também não tive nenhuma resposta.

Fico chateada porque essa não é a primeira vez que tenho problema com eles. Eu tive gravidez de risco. Pedi auxílio-doença, porque tive que parar com o trabalho, e me negaram. Disseram que eu poderia fazer meu crochê sentada. Isso me gerou muito estresse. Então, contratei uma advogada. Agora, o caso está na Justiça.

O que complica é que tenho duas crianças. O mais velho tem 11 anos e é autista. Eu já não recebo benefício por ele, porque tenho renda própria. Sempre fui independente, mas está difícil. Eu faço artesanato, crochê, mas, com o bebê, faço mais devagar. Para ajudar [na casa], tem a renda do meu esposo, ele paga alimentação etc.. Mas criança é muito gasto a mais. Este dinheiro fez falta pro enxoval, para medicamento.

Meu filho está indo para o terceiro mês e até agora nada. Quer dizer, estou desde 2012 pagando o INSS e, no momento em que mais precisei, não me ajudaram. Fiz um canal no YouTube, que tem me ajudado nesse tempo, mas atrasei minhas contas. Tive uma gravidez perturbada e agora tenho o descanso perturbado. Não pensam na gente, especialmente nessa fase em que ficamos tão vulneráveis."

Arquivo pessoal

"Fui quatro vezes ao banco e duas ao INSS com um bebê de 1 mês"

Daniela Loreto, 42, empresária, São Paulo

"Logo que ela nasceu, no dia 5 de outubro, uma semana depois já dei entrada [ao pedido de salário-maternidade]. Depois de 15 dias, recebi um aviso de que [o benefício] tinha sido aprovado, já poderia receber em novembro. Achei rápido até. Fui lá na agência do Banco do Brasil no dia que indicaram, achando que estava tudo certo, mas lá já deu o primeiro rolo, dizendo que, na base de dados, estava o nome de solteira. Então, não podia receber.

Aí começou a maratona. Para atualizar, liguei no 135 [telefone do INSS], falaram que dá para fazer no próprio portal [Meu INSS]. Sabe como são burocráticos, né? Fiz o passo a passo, anexei a certidão de casamento, tudo certo, mas o portal não aceitava o pedido, falava que o CPF era divergente, como se fosse diferente, mas estava certo.

Liguei para eles de novo, só então falaram que o site está com problema mesmo. Consegui resgatar o pedido, mas me obrigaram a ir presencialmente para validar a certidão, para atualizar os dados. Aí não conseguia agendar, dizia que o sistema estava fora [do ar]. Eu ficava ligando, com bebê pequeno precisando de atenção. Tinha dia que nem ligava, não aguentava mais passar nervoso.

Finalmente consegui, tentei agendar na Lapa, mais perto de casa, mas avisaram que não tem vaga. Qual tem? Pinheiros. Isso já era 18 de novembro. Quando cheguei lá, falaram que só na minha agência poderia autenticar automaticamente. Então, tinha que esperar a liberação no portal. Parecia que ficavam dificultando de propósito.

Demorou um mês para aparecer como concluído, já era entre Natal e Ano Novo. Fomos ao Banco do Brasil achando que estava tudo certo e, quando chegamos, continuava com o nome de solteira. Eu chorei de raiva, não estava mais aguentando. Insisti tanto que a mulher do banco ligou para o 135 comigo. Só que eles também não ajudaram. Corri, no mesmo dia, para a agência do INSS, e a pessoa finalmente deu a informação certa: eu tinha que esperar 30 dias depois de atualizar no INSS para atualizar no BB. Isso daria no fim de janeiro.

Então, no começo de fevereiro, eu recebi os pagamentos de dezembro e janeiro, mas o de novembro, a primeira, eu tive que fazer um novo requerimento, porque já tinha passado do tempo máximo. Então, era solicitação de não recebido. Agora, em março, devo receber as outras duas.

Eu não estava contando com este dinheiro para pagar as contas, mas ele já tinha destino certo: ajudar a pagar um funcionário fixo que contratei nesse tempo para ajudar com a casa. Esse atraso atrapalhou todo o planejamento, mas imagina quem precisa?

O que mais irrita é a burocracia com falta de informação. São muitos passos, tive de ir quatro vezes no banco, duas vezes presencialmente no INSS, fora as muitas ligações. Tudo isso com um bebê de um mês, imagina? O contribuinte não merece isso."

Arquivo pessoal

"Me programei para antes de o bebê nascer, e nada"

Yka Pulizzi, 27, desempregada, São Paulo

"Já programei tudo antes de meu filho nascer. Como era do meu interesse, procurei saber dos detalhes, fui pesquisando e li matérias. Sei que tenho direito. Assim que concluí 38 semanas, o médico me liberou os documentos e já dei entrada no aplicativo [Meu INSS].

Eles pedem o prazo de 45 dias para análise. Como não tive retorno, liguei no INSS. Me informaram que tinha muita demanda e que poderia atrasar, porque faltava ainda muita gente para analisar.

Estava previsto para 16 [de fevereiro], e não tive nenhuma resposta. E olha que procurei saber antes!

Eu trabalhava com vendas, mas, neste momento, estou desempregada. Como sou separada, recebo pensão do meu outro filho.

Em contrapartida, no ano passado, em novembro, também dei entrada no Bolsa Família para ter outra ajuda. Até agora também não analisaram. Para esse, pediram 90 dias. Já fui lá e disseram que não tinha nenhuma análise feita ainda, não tem muito o que fazer.

Por enquanto, dá para ir tocando até certo ponto. A pensão ajuda, mas já não é grande coisa. Tem as contas de casa, fixas, e agora o bebê vai usar fralda, comida... Não sei o que mais vou ter de comprar. Esse dinheiro seria só para segurar enquanto estou parada, mas já pretendo voltar ao mercado de trabalho quando puder. Esse dinheiro ia ajudar nesse período.

Falam que com advogado é mais rápido. Eu decidi fazer sozinha para já não pagar os 30% [do advogado], mas, agora, só o que eu queria era pelo menos uma resposta. Essa é uma situação muito ruim, porque fico pensando em quem não tem como se virar. Eu preciso do dinheiro, mas tenho a minha mãe também. Só que tem gente que precisa mais do que eu e não teve nada analisado. Como fica?"

Como funciona o salário-maternidade

O salário-maternidade é um benefício concedido a mães e pais no caso de nascimento do filho ou adoção de criança. Em caso de funcionários com carteira assinada, o pagamento deverá ser solicitado ao empregador. Ao INSS, deverão solicitar as seguintes categorias:

  • MEI (Microempreendedor Individual)
  • Empregada doméstica
  • Trabalhadora que adota criança
  • Casos de falecimento da segurada empregada que gerem direito a complemento de pagamento para o cônjuge viúvo.

Trabalhador rural também tem direito, mas há um procedimento à parte, referente ao segurado especial.

Para ter direito, o segurado precisa ter contribuído por pelo menos dez meses antes do nascimento da criança. O valor a ser recebido depende da contribuição.

  • Veja todos os detalhes, como documentos necessários e o que fazer em caso de desemprego, nesta reportagem do UOL.

O que fazer se atrasar

De acordo com a advogada Adriane Bramante, presidente do IDDP (Instituto de Defesa do Direito Previdenciário), há dois caminhos para quem não tem resposta do INSS dentro do prazo: reclamação na Ouvidoria ou judicialização.

"A reclamação da Ouvidoria é mais simples, porque não precisa de representante legal, qualquer um pode fazer. O problema é que não tem sido tão eficiente, porque são tantos pedidos e tantas reclamações que eles não dão conta. O mais efetivo é entrar com um mandado de segurança contra o INSS. Como ele ultrapassou o tempo legal, é mais rápido. A única questão é que, nesse caso, precisa de um advogado", disse Bramante.

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