Café na seca e geada

Seca, calor e geada derrubam produção de café no país, e preço para consumidor já sobe 13%

Viviane Taguchi Colaboração para o UOL, em São Paulo CNA

No ano passado, o Brasil colheu 65 milhões de sacas de 60 kg de café, mas agora, devido à instabilidade climática e seus efeitos sobre a cultura de café, a safra nacional deve cair 17,5%, para 53,6 milhões de sacas. Só em Minas Gerais, o principal produtor, a quebra é estimada em 28,5% em comparação ao ano passado. Os dados são da consultoria StoneX.

A redução de safra será refletida em preços internacionais mais altos, bom para os produtores compensarem os prejuízos no campo, mas ruim para os consumidores, que vão ter que pagar mais para comprar o café.

Ainda que a colheita não tenha terminado, os preços do café já estão em torno de 11% a 13% mais altos para o consumidor, em relação ao ano passado. Os dados são do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/USP). Até o fim da safra, é possível que o preço suba mais ainda.

Crise hídrica, calor intenso, excesso de chuvas e geadas: os cafezais brasileiros enfrentaram situações adversas desde o ano passado. Em setembro, época da florada, fase que determina o potencial produtivo da planta para o ano seguinte, a estiagem foi intensa e as temperaturas, mais altas que no ano anterior principalmente em Minas Gerais e São Paulo.

Em fevereiro e março deste ano, choveu acima da média e, nas últimas semanas, geou em algumas regiões produtoras de café.

Além disso, há ainda o efeito da bienalidade da cultura (em uma safra, a produtividade é mais alta e na outra, mais baixa).

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Variedades arábicas são as que produzem os chamados "cafés especiais" e são mais sensíveis às mudanças climáticas

Quais são as principais variedades de café

Luis Norberto Pascoal, autor do livro Aromas de Café, explicou que existem milhares de espécies de cafeeiros no mundo, mas economicamente, duas espécies são importantes: arábica e conillon.

"O café arábica tem gosto suave, aromático, achocolatado e é o único que pode ser consumido puro, sem misturas", disse o autor, que é cafeicultor no Cerrado Mineiro. "As variedades conillon são mais resistente a pragas e aos fatores climáticos, porém têm o sabor muito adstringente e amargo, por isso são indicadas para blends", ou misturas com outros grãos, diz ele.

As diferenças, segundo Pascoal, não param por aí: o arábica é cultivado em regiões com altitude elevada, entre 900 e 2.000 metros, e o conillon, entre 800 metros e até o nível do mar.

E mais: as duas espécies têm números diferentes de cromossomos. "A variedade arábica é mais complexa, contém 44 cromossomos, somente dois a mais que nós, e possui metade da cafeína do conillon", disse. As duas variedades têm características diferentes, mas uma em comum: elas morrem quando as temperaturas caem abaixo de zero ou não recebem água o suficiente.

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Na Bahia, lavouras de café são irrigadas para suprir a necessidade hídrica das plantas

Chuvas ajudaram pouco

Na semana passada, a consultoria StoneX divulgou projeções para a safra nacional de café. A colheita começou em maio e já avançou 48% da área plantada. A estimativa para a produção, considerando os dois tipos de cafés produzidos no Brasil, arábica e conillon, é de 53,7 milhões de sacas, uma alta de 4,5% ante a primeira estimativa, mais pessimista, da consultoria. Desse volume, 33,7 milhões de sacas são de café arábica, e 20 milhões de sacas, conillon.

Os especialistas de campo da StoneX coletam os dados percorrendo as principais regiões produtoras de café do Brasil. Segundo eles, apesar do clima adverso, as chuvas acima da média, em fevereiro, contribuíram para uma leve recuperação das lavouras, principalmente na área das Matas de Minas. Essa região produz café arábica e concentra 36 mil produtores - 80% deles produzem em menos de 20 hectares.

"Os volumes pluviométricos abaixo da média foram desfavoráveis na porção Sul de Minas, Cerrado Mineiro e Alta Mogiana", afirmou a consultoria em relatório.

De acordo com a StoneX, a redução na produção de arábica será de 28,5%, "puxada pela bienalidade e pela estiagem severa", enquanto o conillon, mais resistente às adversidades climáticas, deve apresentar um incremento anual de 11%. A variedade conillon é produzida em Espírito Santo, Rondônia e Bahia, que não sofreram tanto com a instabilidade do clima.

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A florada do cafezal indica se as plantas vão produzir bem na próxima safra

Geadas trazem mais prejuízos

Na região da Alta Mogiana, que engloba 14 municípios paulistas e nove mineiros, a Associação dos Produtores de Cafés Especiais (AMSC) estimou perdas em torno de 10% nas lavouras, provocadas pelas geadas que atingiram a região nos últimos dias.

O fenômeno queimou as plantações, que precisarão ser arrancadas e replantadas, impactando significativamente a produção da próxima safra, 2022/2023.

Segundo a AMSC, os cerca de 5.000 produtores da região devem amargar uma quebra de até 50%, levando em consideração a estiagem prolongada que já atingia a região e, agora, os prejuízos das geadas.

André Cunha, presidente da associação, afirmou que, na Alta Mogiana, a crise hídrica é a maior dos últimos 90 anos. Se não chover a partir de setembro, época em que chuvas podem beneficiar uma boa floração e melhorar os resultados, o preço da saca de café pode ultrapassar R$ 1 mil/saca na safra 2022/2023. Até a segunda semana de julho, os preços da saca de arábica, nas principais praças, estavam entre R$ 820 (Patrocínio-MG) e R$ 850 (Franca-SP).

Segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/Usp), a estiagem no Brasil é a grande vilã do segmento no momento. "Este cenário climático aumenta a preocupação quanto ao estado das lavouras e os impactos para a safra 2022/2023, que agravaria ainda mais a oferta global da bebida", apontou Geraldo de Camargo Barros, coordenador da área de café da instituição.

Café precisa de água

O cafeeiro é uma planta que necessita de, pelo menos, 1.500 milímetros por ano para se desenvolver bem. Em épocas de estiagem, a planta busca água no solo para compensar o déficit hídrico. Quando não há água suficiente, a produtividade cai. No ano passado, entre agosto e outubro, não choveu no Cerrado Mineiro e a seca atingiu 55,9% dos municípios produtores, seguido de altas temperaturas, que derrubaram as floradas.

"O fomento e a manutenção de paisagens sustentáveis nestas regiões podem alavancar os ganhos de serviços, preservando os recursos naturais, sobretudo os hídricos, que são essenciais ao desenvolvimento da cultura cafeeira", afirmou o coordenador do CEPF, Michael Becker.

"É possível restaurar áreas para conservar os remanescentes naturais do Cerrado Mineiro e assegurar a produção de água". No PIPC, os cafeicultores aprendem como preservar os recursos naturais para garantir água mesmo em períodos mais críticos.

Segundo Becker, as ações ambientais são planejadas de acordo com cada propriedade e o cafeicultor é o responsável pela aplicação das técnicas de restauração para conservação ambiental. O Cerrado Mineiro, segundo a Secretaria de Agricultura de Minas Gerais, é responsável pela produção de 77% dos cafés de variedades arábicas produzidas no Brasil.

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Em Patrocínio, cafeicultores estão investindo na restauração da paisagem original do bioma para mitigar os efeitos das mudanças climáticas na produção

Investimento para mitigar efeitos da crise hídrica

Em Patrocínio (MG), cafeicultores, cooperativas e empresas querem reverter os danos que as mudanças climáticas provocam na produção com ações ambientais. "O Consórcio Cerrado das Águas é uma plataforma colaborativa e queremos agregar esforços para a preservação e a conservação ambiental, para combater as mudanças climáticas", declarou a bióloga Fabiane Sebaio Almeida, secretária-executiva do consórcio.

Eles querem restabelecer, aos poucos, a paisagem original do Cerrado, formando corredores ecológicos, cobertura de solo de acordo com as característica originais da região, plantios nativos e elaboram, por exemplo, mapas com as ameaças à vegetação nativa, como incêndios espontâneos.

Conforme Fabiane, a plataforma foi viabilizada através do Fundo de Parcerias para Ecossistemas Críticos (CEPF) e o Instituto de Educação do Brasil (IEB), que aportaram US$ 400 mil no projeto em 2020.

De lá para cá, multinacionais como a Nespresso, Cofco, Volcafé, Lavazza e as cooperativas Cooxupé e Expocaccer se juntaram ao grupo, com investimentos anuais de R$ 800 mil, para orientar os cafeicultores através de um programa de conscientização chamado Programa de Investimento no Produtor Consciente (PIPC). "São serviços ambientais especializados para os produtores de determinadas bacias do Cerrado."

O consórcio atua em três frentes, restauração, práticas agrícolas climaticamente inteligentes e gestão dos recursos hídricos. O programa já foi implantado na bacia do Córrego Feio, em Patrocínio, e na Serra do Salitre, e até 2023, atuará em Monte Carmelo, Rio Paranaíba, Carmo do Paranaíba, Araguari e Coromandel, cidades representam 70% da produção de café no Cerrado.

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