O doce e o amargo do café

Café sofre com seca, mas exportação deve ser recorde e tipos especiais, de até R$ 317/kg, melhoram faturamento

Vinicius Galera Colaboração para o UOL, de São Paulo Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA)
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Diretor-geral do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil, Marcos Matos

A produção de café do Brasil está atravessando a pandemia de covid-19 com relativa tranquilidade. Deve bater recorde de exportação, ganha com a alta do dólar e apresenta boa qualidade.

Além disso, cafés especiais, como fermentados com técnica parecida com a do vinho, rendem muito e custam até R$ 19 mil a saca de 60 quilos (R$ 317 por quilo; para o consumidor final, o preço fica mais alto ainda). Isso ajuda a melhorar o faturamento dos produtores, mesmo sendo um nicho de consumo e um preço fora do normal, difícil de conseguir. O investimento para produzir cafés especiais também é mais alto.

No entanto, há uma ameaça para a próxima safra. A falta de chuvas e as altas temperaturas podem ter impacto negativo e comprometer a safra de 2021-2022. A safra do café vai de julho de um ano a junho do ano seguinte.

"Saímos de um ano de alta e entramos em um ano de baixa", afirma o diretor-geral do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil, Marcos Matos.

Ele diz que o setor ainda se beneficia de números positivos que refletem o cenário do ano passado e, apesar da animação com a reabertura dos mercados compradores, lembra que é preciso um acompanhamento frequente da safra que começou a ser colhida no mês passado.

"Nós temos esse fôlego de alta e baixa", diz, referindo-se ao que é chamado de bienalidade do café. A planta de café, o cafeeiro, usa toda sua capacidade de produção em um ano e, no ano seguinte, se recompõe. "Mas, a partir de setembro, entramos em uma nova realidade", diz Matos.

Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA)
Colheita de café

Falta d'água deve afetar produção

No ano passado, diversas regiões produtoras de café sofreram com a falta d'água. No começo deste ano, as altas temperaturas do verão também contribuíram para afetar o desenvolvimento das plantas.

Na semana passada, o relatório mensal de safra do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) apontou uma redução de 24,3% na produção brasileira em relação à safra passada.

Os fatores para a queda, segundo o IBGE, são a menor produção do café de tipo arábica devido à seca e ao ano de baixa produtividade da cultura. O número não é definitivo, e os relatórios acompanham a evolução mês a mês da colheita, mas Matos diz que, em 2021, a queda já é uma realidade.

"A questão agora é saber até que ponto a safra de 2022, que seria uma supersafra em produção, volume e qualidade, pode ter sido comprometida. Esse é um indicador que deve ser monitorado corretamente. O acompanhamento é fundamental. A questão climática é um alerta muito sério para o agro e para toda a economia brasileira", diz Marcos Matos, do Cecafé.

Recorde de exportação bem no meio da pandemia

Uma lição importante é que, no meio da pandemia, o café deve bater recordes de exportação, prevê o Cecafé. O recorde anterior é de 2018/2019, com 41,4 milhões de sacas. No acumulado da safra atual até abril de 2021, os embarques já tinham somado 40 milhões de sacas.

Marcos Matos diz que, além de contar com uma safra histórica, o país foi competente em todas as etapas, na colheita, armazenagem, transporte e embarques, enquanto muitos países concorrentes tiveram dificuldades.

No consumo, a modernização do café foi um fator importante para que o setor não sentisse fortes impactos globais da covid-19. Apesar da diminuição do consumo fora de casa, a situação melhorou dentro de casa, com a diversidade de opções da bebida.

Em um primeiro momento a Organização Internacional do Café registrou uma queda de 0,9% no consumo global no ciclo 2019/2020, mas para o período 2020/2021 prevê um crescimento de 1,3%.

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Membro do conselho diretor e ex-presidente da Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA), Carmem Lucia Chaves de Brito

Consumidor se sofistica e quer cafés especiais

As mudanças no perfil do consumidor de café nos últimos anos tiveram impacto direto na produção brasileira. Membro do conselho diretor e ex-presidente da Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA), Carmem Lucia Chaves de Brito, diz que hoje, em sua diversidade, os produtores brasileiros estão aptos a atender as exigências de todos os mercados.

"Temos acompanhado de perto uma mudança no perfil do consumidor. Na medida em que ele vai mergulhando no universo do café, ele vai vivenciando experiências incríveis. O consumidor adora conhecer coisas novas."

Um dos nichos que vem chamando a atenção é o dos cafés fermentados, um novo processo na linha dos cafés especiais. Ele ocorre quando os grãos, depois de colhidos e selecionados, passam por uma fermentação controlada.

Carmen diz que há uma parcela importante do mercado brasileiro de olho nos fermentados. "Apesar de ser um mercado de nicho, temos visto essa tendência bastante importante."

Ela alerta que o país ainda precisa evoluir. "Esse mundo da microbiologia em que precisamos mergulhar vai nos ensinar bastante. Temos muito o que aprender a fazer. Eu acho muito bacanas essas inovações, essas coisas que chegam. Mas o importante é que temos que continuar produzindo grandes cafés de alto manejo e qualidade, buscando notas cada vez mais altas, independentemente de serem fermentados."

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Fazenda Dona Nenem, que produz cafés especiais em Presidente Olegário, na região do Cerrado Mineiro

Café fermentado é vendido por até R$ 19 mil a saca

Na Fazenda Dona Nenem, que produz cafés especiais em Presidente Olegário, na região do Cerrado Mineiro, a colheita começou na última dezena de abril. Por enquanto foram colhidos apenas 3% de uma safra que deve render 27.500 sacas.

Do total, 5% é reservado para a fermentação. O trabalho começou em conjunto com a Universidade Federal de Lavras em 2015. De lá pra cá, depois de centenas de testes e da compra de um biorreator, a fazenda desenvolveu a própria receita.

Segundo o gerente administrativo e de qualidade da fazenda, Renato Souza, o processo de fermentação é semelhante ao que é feito com os vinhos. "Com a receita, nós descobrimos novos sabores para os cafés da fazenda. O café ganha outra característica. Pode por exemplo subir de 83 para 87 pontos na escala SCAA."

A escala, que vai de 0 a 100, foi desenvolvida pela Associação Americana de Cafés Especiais para medir a qualidade dos grãos. A partir de 80 pontos, um café já é considerado especial.

Com a fermentação, o café ganha notas de bebidas exóticas e há uma supervalorização da saca. Renato conta que uma saca de 60 quilos de um lote produzido na fazenda e que venceu um concurso de cafés especiais foi vendida a R$ 19 mil (R$ 317 o quilo). Porém, nem todo café fermentado tem valores tão altos.

A produção da fazenda é praticamente toda voltada para o mercado externo. Os compradores são todos do Japão. "Se produzirmos 30 mil sacas eles levam tudo", diz Souza. No Brasil, as cafeterias especializadas já oferecem doses e microlotes de cafés fermentados.

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