Trocar bife por pé de frango

Preço alto da carne faz brasileiro comer mais pescoço, rim e bofe; opções também ficam caras

Viviane Taguchi Colaboração para o UOL, em São Paulo Byjeng/iStock

O preço alto está fazendo o brasileiro trocar carnes nobres de boi e frango por cortes mais baratos, como acém, miúdos, pé e pescoço de frango. Os ovos também têm sido usados como substitutos. O bife de primeira - contrafilé, alcatra, filé mignon - e peças como peito e coxa de frango perderam espaço.

Segundo pesquisa da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), a partir de agosto, a procura por carnes de dianteira, consideradas de segunda e terceira, ultrapassou o consumo de cortes traseiros em açougues e hipermercados.

De acordo com a entidade, os cortes dianteiros foram procurados por 34,6% dos consumidores, enquanto os cortes traseiros, por 28,8% da população que frequenta supermercados, um grupo que soma 28 milhões de pessoas por dia.

O frango congelado, que é comercializado inteiro, com miúdos, pés e pescoço, teve uma demanda de 38,1% maior que as carnes bovinas.

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Agora, nos carrinhos, também tem pé de frango, pescoço e miúdos como moela, fígado, rim e bofe (pulmão)

O novo carrinho do supermercado

Conforme a Abras, entre janeiro e agosto de 2021, o ovo foi o item que mais esteve presente no carrinho do supermercado: 19,1% da população comprou ovos como fonte de proteína para a família, 14,6% optaram pelo frango congelado, 14,1% por carnes bovinas de segunda e terceira, e 7% da população continuou comprando carne de primeira (filé mignon, alcatra e contrafilé).

As carnes de segunda, que ficam localizadas em partes expostas e mais externas do animal (acém, costela, fraldinha, coxão duro, capa do filé, chuleta, paleta, músculo dianteiro), e as de terceira (com mais nervos e gorduras, como músculo, pescoço e ponta de agulha), foram duas vezes mais consumidas do que as carnes de primeira.

"A substituição é normal. Sempre que acontece uma alta no preço de um produto, o consumidor migra para outro parecido e mais barato", disse o vice-presidente da Abras, Márcio Milan. "Quando a carne de primeira começa a ficar cara, os consumidores migram para as de segunda, depois para frango, suínos e ovos".

Com a migração do consumo, a demanda crescente por frangos, suínos e ovos também fez o preço desses itens subir nos últimos 12 meses (altas de 29%, 8,1% e 17,9% respectivamente, conforme o IPCA), juntamente com fatores como a alta nos custos de produção, energia elétrica e seca

Por isso, o consumidor, mais uma vez, migrou. Agora, nos carrinhos do mercado, também há pé de frango, pescoço e miúdos, como moela, fígado, rim e bofe (pulmão).

Até o pescoço de frango ficou mais caro

Com a demanda aquecida, os preços da carne de segunda, de terceira, miúdos, vísceras e ovos também aumentaram. Um levantamento da Scot Consultoria, empresa especializada em negócios agropecuários, apontou que o peito bovino, que é uma carne de segunda, aumentou 36,25% neste mês, em relação a outubro do ano passado (o quilo hoje é comercializado por R$ 33 enquanto no ano passado, custava R$ 24).

O coxão duro subiu 22,92% no mesmo intervalo. A ponta da agulha, que é de terceira, teve alta de 14,79%.

"O efeito substituição é normal, e quando a demanda aumenta para um grupo de produtos naturalmente vem uma alta de preços", disse a consultoria.

O mesmo aconteceu com cortes de frango e suínos: moela e pescoço de frango, orelhas, suã e joelho de porco tiveram altas consideráveis nos nove primeiros meses deste ano.

A consultoria Safras e Mercados mostrou que, entre janeiro e setembro, o suã (que é a coluna do porco, também chamado de espinhaço em algumas regiões), subiu 23,9% e a orelha, 20%.

A carcaça temperada de frango, que é uma nomenclatura para classificar um frango inteiro, sem miúdos, cabeça, pescoço e pés, subiu 45%, a moela teve um aumento de 57,8%, e o pescoço de frango, 15,79%.

Os valores foram pesquisados em São Paulo, no começo de outubro, e não existem dados referentes ao país. A Associação Brasileira dos Frigoríficos (Abrafrigo) não disponibiliza dados sobre cortes de segunda e de terceira.

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Ovo cozido, frito, mexido

Entre 2020 e 2021, o consumo de ovos aumentou no Brasil e superou a média global de consumo. No ano passado, a média era de 251 ovos por habitante (há 10 anos, era de 148 ovos) e, segundo projeções da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), em 2021, essa média deve subir para 255 unidades por pessoa. A produção deve ser de 54,5 bilhões de ovos, ou 1.728 ovos por segundo.

O aumento no consumo vem chamando a atenção deste o início da pandemia. Mas Ricardo Santin, presidente da ABPA, diz que não foi somente o momento econômico que fez o consumo aumentar, mas as campanhas de informações e a versatilidade do ovo na cozinha. "O ovo sempre foi popular, mas agora é, de fato, amplamente consumido".

Apesar dos números, os ovos enfrentam situação dramática: o cenário não está bom para o produtor, que em outubro teve o terceiro pior mês em preço pago, e não está bom para o consumidor, já que o ovo também acumula alta: 17,9% em 12 meses.

Nas granjas, o custo de produção subiu (por causa da seca, a ração de milho encareceu), e o preço médio de uma caixa de ovos de 30 dúzias foi, em média, de R$ 111,38, quando o ideal para o produtor seria em torno de R$ 122.

"Existe uma pressão grande, por parte do setor varejista, e o produtor não repassa os preços", declarou um avicultor, que pediu para não ser identificado.

Ele tem uma granja em Bastos (SP) e contou que há mais de um ano está trabalhando 'no vermelho'. "Está todo mundo sem dinheiro neste país."

Situação não deve mudar tão rápido

Nesta semana, em teleconferência com o mercado, a Marfrig, uma das maiores indústrias de carnes do mundo, destacou que o consumo de carne bovina no Brasil deve seguir limitado até o final de 2021 e continuar do mesmo jeito até o final de junho de 2022.

"Diferentemente do ano passado, acreditamos que desta vez, o auxílio emergencial que deve trazer um grande fomento ao consumo", declarou o CEO da Marfrig, Miguel Gularte, durante a transmissão.

O executivo disse que, em meio ao quadro econômico difícil enfrentado pelo país, os frigoríficos reduziram os abates de bovinos.

"A queda nos abates pelo mercado, em geral, no terceiro trimestre deste ano foi de 10% em relação ao mesmo período do ano passado", disse. Segundo ele, na Marfrig, a redução foi de 6%.

A diminuição no número de abates reduz a oferta de carne bovina e, por isso, os preços sobem. A seca piora a situação: ela prejudicou pastos. Também houve alta nos insumos, principalmente, o farelo de soja, que é a base da ração bovina.

Há três semanas, o setor anunciou que iria reduzir os abates, para equilibrar o mercado, e compensar a suspensão das exportações de carne para a China, devido aos casos de vaca louca.

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