Arquitetura de solos

Agricultores usam nabo e capim para mudar estrutura do solo e produzir mais

Vinicius Galera Colaboração para o UOL, de São Paulo John Deere

Com raras exceções, a agropecuária brasileira tem sido marcada ano após ano por safras recordes. A previsão para o ciclo 2020/2021 não é diferente. Segundo o último levantamento da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o Brasil deve colher 271,70 milhões de toneladas de grãos na próxima safra.

Muito desse sucesso se deve ao incremento da produtividade. Tecnologias de sementes, novas formas de manejo e de correção de solos pobres em nutrientes estão entre os fatores responsáveis pelo salto.

Mas a constante aplicação de agroquímicos e a movimentação intensa de maquinário nas grandes plantações, localizadas principalmente nos solos originalmente ácidos do cerrado, muitas vezes acabam interferindo nas plantas, que não atingem o desenvolvimento considerado ideal.

Por isso, hoje a tendência é fazer o que os produtores chamam de construção de um perfil do solo. Trata-se de uma maneira de enriquecer a terra, tornando-a mais produtiva. Para isso, empregam técnicas como uso de nabo e capim para abrir espaço na terra para outras sementes.

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Jerusa Rech, gerente de defesa agrícola da Aprosoja-MT

Bom para a produção e para o meio ambiente

A gerente de defesa agrícola da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT), Jerusa Rech, explica que a construção de um bom perfil de solo está associada a técnicas de manejo implantadas pelo uso do plantio direto, iniciado na década de 1970.

As técnicas permitiram a semeadura diretamente sobre os restos das plantas colhidas - sem a necessidade de revolver o solo antes. Com isso, solos considerados "pobres", como os do cerrado, passaram a ser mais bem aproveitados para cultivos como soja e milho.

Segundo Jerusa, o principal problema de Mato Grosso hoje é elevar a produtividade dos grãos. "Em Mato Grosso, temos muitas áreas arenosas, mas passíveis de produção desde que você trabalhe o perfil de solo", diz Jerusa.

Nessas áreas, o percentual de argila é baixo, e a água e os nutrientes que ela carrega tendem a se perder. Em áreas naturalmente argilosas a retenção de umidade é maior.

Além de aumentar a produtividade, a construção de um bom perfil de solo ainda traz vantagens ambientais, segundo Jerusa. O grande desafio da produção agrícola brasileira hoje é crescer sem a necessidade de abrir novas áreas.

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O engenheiro agrônomo Ithamar Prada, da Compass Minerals

Raízes de outras plantas abrem caminhos na terra

Um bom perfil é aquele que forma um bom ambiente para o desenvolvimento da raiz. Diretor de Marketing e Inovação da Compass Minerals, o engenheiro agrônomo Ithamar Prada diz que há casos extremos em que são necessárias intervenções mecânicas para, por exemplo, romper camadas compactadas pelo uso de máquinas pesadas.

"Temos aprendido bastante com o uso de plantas para fazer um bom perfil". Isso porque as diferentes raízes de determinados cultivos como braquiária (um tipo de capim), milheto ou nabo forrageiro ajudam a formar a estrutura do solo. Elas abrem caminhos para as sementes.

Os resultados de um bom perfil, segundo Ithamar, além dos aumentos no lucro do produtor, é que os solos podem ter maiores teores de matéria orgânica, melhor retenção de água, as plantas podem ter mais sanidade e o impacto ambiental será menor de um modo geral.

Solo precisa ter estoque de nutrientes

Maior mercado de grãos do mundo, com cerca de 1 bilhão de toneladas produzidas, a cultura do milho no Brasil ganhou um impulso extraordinário nas últimas décadas, quando a safra de milho, chamada safrinha por ser originalmente menor que a da soja, começou a crescer. O crescimento do milho de segunda safra é um exemplo da evolução das tecnologias e da produção brasileiras.

O superintendente do Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea), Daniel Latorraca, explica que hoje o mundo vive uma situação de baixo estoque do cereal.

"No ano passado, a situação era boa em todo o mundo, mas a crise sanitária provocada pela covid-19 fez com que vários países aumentassem as compras. Como consequência, os preços se elevaram e os estoques diminuíram."

A situação beneficia o produtor. Segundo o executivo, ainda há muitas áreas de conversão que podem ser utilizadas para o milho no estado de Mato Grosso.

"A tecnologia para o milho vem evoluindo muito. Quando Mato Grosso começou a fazer a segunda safra, produzir milho era uma atividade muito custosa. Nós usávamos o que sobrava das sementes, não eram sementes adaptadas ainda. Além disso havia gargalos de logística e armazenamento."

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Cuidado com o solo

Sementes de alta tecnologia demandam solos adequados

Nos últimos cinco anos a situação do milho mudou muito. No ano passado, Mato Grosso produziu cerca de 110 sacas por hectare enquanto há dez anos produzia 80. Além do mercado externo, o próprio mercado interno também ajuda a elevar o patamar. E isso faz com que o produtor invista mais na produção.

"Na medida em que eu incluo tecnologia, é claro que eu tenho mais custos. Mas também tenho mais ganhos", diz.

Hoje, as sementes mais tecnológicas precisam de solos mais corretos. Fazer um bom perfil de solo se torna ainda mais importante, já que a terra precisa ter um estoque de nutrientes para proporcionar às sementes de alta tecnologia o desenvolvimento ideal e esperado. "Não adianta eu ter uma Ferrari e não ter pista para rodar com ela", afirmou Latorraca.

AGCO

Mais produtividade e estabilidade na produção

Nos últimos anos, o sistema produtivo passou a trabalhar com materiais genéticos de ciclo mais rápido, o que permitiu que a soja plantada normalmente entre setembro e novembro, fosse colhida entre janeiro e fevereiro.

Prada, da Compass, diz que vamos ouvir falar muito de construção do perfil de solo nos próximos anos. "É uma consequência natural do conhecimento gerado no setor agrícola. A genética avançou muito nas últimas quatro décadas, depois veio a proteção de plantas, o uso racional de fertilizantes, práticas de manejo, todo o universo dos biológicos. Tudo isso vai fazendo parte da vida do produtor."

Ithamar explica que a construção de um perfil de solo adequado está no palco do sistema de produção de soja que, pela alternância, inclui o milho.

Ele diz que o tema é importante não apenas pelo potencial de gerar altas produtividades, mas também pela estabilidade da produção. "Os produtores podem produzir melhor se tiverem um perfil melhor construído."

Para o executivo, a construção é pensada em caixas que, integradas, geram uma visão mais abrangente da fertilidade: a parte química, a parte física e a biológica. "A questão é saber como está a disponibilidade dos nutrientes". Segundo ele, a planta pode ser pensada como um animal de cabeça para baixo. A boca são as raízes. Quanto mais abrangentes elas forem, mais água e nutrientes a boca vai "beber".

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