Insetos no cardápio

Farinha de grilo e formiga frita: criação de insetos como comida vira opção lucrativa para produtores

Viviane Taguchi Colaboração para o UOL, de São Paulo Teseum/Flickr

Prepare-se para experimentar novos sabores: farinha de grilo, espetinho de tenébrios (larvas de besouro), chocogrilo (tablete de chocolate com grilos), barata assada. Considerados fontes de proteínas mais saudáveis e que provocam menos impactos ao meio ambiente ao serem produzidos, os insetos comestíveis vão criar um novo ramo na agropecuária nos próximos anos. Segundo o banco Barclays, é um mercado que, até 2030, pode chegar a US$ 8 bilhões. Em 2020, a instituição apontou que o setor movimentou US$ 1 bilhão.

Nos Estados Unidos, Europa e Ásia, a produção de insetos para a alimentação já é forte, com regulamentação da criação, produção e comercialização. No Laos, país asiático ao lado do Vietnã e da Tailândia, há polos de produção agrícolas que reúnem mais de 15 mil produtores rurais e, em mercados da França e Espanha, há opções já popularizadas de insetos fritos e salgados, industrializados. No Brasil, a tendência começou a se consolidar a partir de 2015.

Hoje, segundo a Associação Brasileira de Criadores de Insetos Alimentícios (Asbracia), existem 56 criadores e 22 fábricas de insetos instalados no Brasil. No interior paulista, estão três das principais delas: a Hakkuna, uma startup sediada no Vale do Agronegócio, em Piracicaba, voltada para a produção de farinhas e barrinhas proteicas de grilo; a Agrin, em Avaré, que produz tenébrio; e, em Limeira, a Ecological Food, de alimentação animal com produtos desenvolvidos com insetos. Todas nasceram de pesquisas iniciadas na Escola de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/Usp).

Comer insetos é tendência global

De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação (FAO), 2 bilhões de pessoas, em 130 países, suplementam suas dietas com insetos. A tendência é que esse número aumente nos próximos anos, devido a mais pesquisas que mostram o potencial nutritivo dos insetos, ao aumento da população mundial, que deve chegar a 9 bilhões em 2050, e à maior oferta de matérias-primas, criadas especialmente para a alimentação.

Insetos são fontes de alimento, nutritivos e saudáveis, com alto teor de gordura, proteína, vitaminas, fibras e minerais. Os valores nutricionais variam em função da espécie, do estágio do animal (no estágio de larva ou adulto, por exemplo) e do habitat.

Estão entre os organismos mais disseminados e abundantes do planeta, com cerca de 30 milhões de espécies, 1.900 dessas conhecidas para uso na culinária.
Os insetos mais consumidos na China são os besouros e formigas vermelhas. No Japão, a preferência é por larvas de vespas adultas cozidas em molho de soja e açúcar. Lagartas são populares na África e os cupins, muito consumidos crus, fritos ou salgados na Austrália.

Na América Latina, as formigas são as mais desejadas. Na Colômbia, seus traseiros são tostados em frigideira e, no México, são fritas com seus ovos, originando o que é chamado de "caviar de inseto". No Brasil, as formigas ganharam destaque até nos menus de restaurantes renomados como o DOM, em São Paulo. O prato feito com entradinha de formiga custa R$ 98.

DOM/Divulgação
O prato feito no restaurante DOM, em São Paulo, custa R$ 98 e dá direito à entradinha de formiga

Já faz parte da cultura brasileira

No Brasil, existem 135 espécies de insetos comestíveis e os mais consumidos são as formigas (63%), seguidos dos besouros (16%) e gafanhotos e grilos (7%). O consumo varia de acordo com as culturas regionais.

Na Ilha do Marajó (PA), é uma tradição muito popular o consumo do Bicho do Tucumã, uma larva de besouro que se instala nas sementes do tucumã e que é consumida frita ou em forma de farofa. Os povos nativos utilizam o óleo do bicho como "manteiga".

Em Minas Gerais, é comum o consumo de larvas do bicho-do-coco. Elas se desenvolvem no interior do fruto do coqueiro, babaçu e carnaúba e são preparadas fritas, como farofa, ou misturadas no arroz.

No Parque Nacional do Xingu, no Mato Grosso, as formigas são consumidas, torradas ou assadas, com a tapioca, enquanto no sertão de Pernambuco, é comum encontrar nos bares petiscos feitos com formigas tanajura, tradição que também pode ser encontrada em Minas Gerais e no Vale do Paraíba, em São Paulo, como ingrediente de farofa.

Casé Oliveira, que preside a Asbracia e especialista em culinária com ingredientes biológicos, dá aulas de como criar os insetos para a alimentação e utiliza as formigas do tipo tanajura em seus pratos. Segundo ele, elas são compradas de comunidades localizadas na Amazônia.

Divulgação
Casé de Oliveira: pratos com insetos para popularizar o consumo

Pratos curiosos

No Bug Cook, projeto de Oliveira, há receitas especiais para popularizar o consumo no Brasil. No cardápio, tem chocogrilo (tablete de chocolate com grilos), palitinhos de tenébrios, espetinho de grilo e outras. "Ainda há preconceito, mas de forma geral, o consumo no Brasil está se popularizando", disse. "Em eventos, o estoque chega a acabar antes da hora e as pessoas fazem fila."

Através da Bug Cook, projeto inspirado no chef americano David Gordon, Casé Oliveira divulga o setor através da criatividade.

Uma das primeiras vezes que levou seus pratos para o público foi há dois anos, em um evento nova-iorquino chamado Smorgasburg, um festival de comida de rua, que aconteceu no Parque do Ibirapuera, em São Paulo. "Levamos todos os tipos de insetos para preparar pratos especiais e as pessoas faziam filas para comprar", afirmou.

"Há a curiosidade, as pessoas sabem que insetos são largamente consumidos fora do Brasil, e estávamos lá oferecendo os produtos bem preparados. Isso demonstrou que o brasileiro está pronto para entrar nessa nova era de consumo."

No ano que vem, acontecerá no país o segundo maior congresso de entomologia do mundo, ciência que estuda os insetos e suas relações com o mundo. Oliveira já foi convidado a participar do evento, que reúne especialistas de todo o país. Inclusive especialistas em entomofagia, o consumo de insetos.

Hakkuna
Grilo moído da Hakkuna

Criação tecnológica de grilos

A Hakkuna é uma foodtech, startup de alimentação, que nasceu a partir da necessidade do seu fundador, o engenheiro Luiz Filipe Carvalho, de encontrar alimentos saudáveis para si mesmo.

"Sentia a necessidade de ter no cardápio opções de proteínas mais naturais e saudáveis. Em 2015, nasceu a ideia: fui buscar informações nos Estados Unidos e na Europa e encontrei uma startup norte-americana fabricando barras de proteína com farinha de grilo", afirmou o empreendedor. "Fiz um curso online de criação de insetos e importei 100 gramas de grilos vivos."

Para importar os grilos, ele desembolsava quase US$ 30 por quilo de matéria-prima. Os custos com a importação de matéria-prima fizeram Carvalho mudar os planos iniciais. "Dei um passo atrás para iniciar uma criação própria de grilos", disse. A produção de grilos requer cuidados especiais e condições sanitárias controladas.

Hoje, a Hakkuna mantém uma produção pequena de matrizes de grilos em laboratório, que deve seguir para uma fazenda em 2022. A produção é feita com apoio da Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe), da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo) e de uma aceleradora de investimentos.

O local é equipado com tecnologias avançadas e com controles automáticos das condições ambientais como temperatura e umidade, fatores imprescindíveis para a sobrevivência e saúde dos bichos. Na granja, os grilos têm até rotina para comer e recebem alimentação especial através de equipamentos e sensores.

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Prato com Tanajura do Casé Oliveira, criador do Bug Cook

Mais saudáveis e sustentáveis

Segundo Carvalho, a produção da Hakkuna é suficiente para suprir seis meses de demanda por farinha de grilo para indústrias especializadas, que utilizam o produto no preparo de suplementos, massas e biscoitos especiais. O volume total não foi revelado.

Para serem usados, os grilos são desidratados e moídos. "Vira uma farinha que, quando misturada a outros ingredientes, não deixa sabor nem cheiro", disse. "Pode substituir farinhas vegetais e tornar os alimentos mais nutritivos, pois é rica em fibras, ácidos graxos, ômega 3 e ômega 6."

Oliveira afirma que os insetos saem na frente em gasto de água para produção, uso do solo e conversão alimentar, ou seja, precisam comer menos para produzir mais massa e proteína Além disso, sua criação não gera nenhum tipo de gás causador de efeito estufa, como a criação de gado, por exemplo.

Aqui, Oliveira tem uma produção própria de insetos - quatro tipos de baratas, grilos, dois tipos de tenébrios e as moscas soldados-negro. Um potinho de barata de Madagascar com cinco unidades custa R$ 55 - o inseto é comprado por donos de pets exóticos para alimentação. Ele diz que o custo de produção de insetos gira em torno de R$ 12 por quilo, levando em consideração apenas os gastos com ração especial. "No varejo, em porções fracionadas, o quilo de tenébrios pode chegar a valer R$ 580."

Para produzir um grama de proteína, insetos precisam de 23 litros de água, enquanto frangos demandam 34 litros, suínos, 57 litros e bovinos, 223 litros. Para produzir um quilo de proteína animal, insetos precisam de 18 metros quadrados no espaço de criação, frangos, 45, suínos, 46 e bovinos, 198. Para um quilo de massa, insetos demandam 1,5 quilos de ração enquanto vacas precisam de 18 quilos. Com insetos, "dá para produzir sua proteína no quarto", declarou Oliveira.

Criar insetos é lucrativo

Segundo Oliveira, o segmento está começando a caminhar no país, mas há pela frente um grande espaço para ocupar na economia. "Os insetos não vêm para substituir a proteína tradicional, mas para complementar a alimentação", afirmou.

"É um mercado forte na Europa, Estados Unidos e Ásia, onde existem grandes biofábricas, e a tendência é que nos próximos anos ganhe mais força no Brasil", avaliou. "O brasileiro nativo já era um grande consumidor de formigas."

Hoje, o volume produzido nas biofábricas é voltado para a alimentação animal, podendo baixar o custo de produção de várias criações como aves e peixes. Nesse caso, o ator principal é a mosca soldado negro, um bicho que é voraz consumidor de matéria orgânica e altamente nutritivo para animais de criação, inclusive pets.

Um exército de 20 mil moscas pode devorar um peixe inteiro em 24 horas, por exemplo. Gigantes como a ADM e a Cargill já se uniram a startups do setor para ingressar nesse mercado nos próximos anos.

No Brasil, consumir insetos não é proibido, mas a produção em escala ainda não é regulamentada pela Anvisa. Carvalho, da Hakkuna, acredita que a regulamentação deva ocorrer já nos próximos anos. "Já existem pesquisas científicas comprovadas, os criatórios são regulares, com registro e os órgãos como FDA [órgão norte-americano semelhante à Anvisa] já regulamentaram o setor".

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