Com tensão, comida mais cara

Em meio a crise política, dólar sobe, impacta custos de produção agrícola e encarece alimentos

Viviane Taguchi Colaboração para o UOL iStock/fotokostic

A crise político-institucional, alimentada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e por seus apoiadores, inclusive representantes do setor agrícola, ameaça prejudicar segmentos do agronegócio no curto prazo.

Para exportadores, pouca coisa muda, mas para setores como legumes, frutas e verduras, arroz, feijão e culturas produzidas para o mercado interno, o cenário não é bom. No final, será o consumidor quem mais sentirá os efeitos.

Especialistas avaliam que a mistura de confusão política, crises de água, energia, covid-19 e mudanças climáticas (estiagem, principalmente) é um risco ainda maior para a economia.

O enfraquecimento do real e novas altas na inflação são os primeiros sintomas que aparecem e, como os insumos usados na agropecuária são importados, o efeito é o aumento no preço dos alimentos.

Na semana passada, a polarização política movimentou o setor. Sete entidades da agroindústria se posicionaram contra os atos do governo, por meio de um manifesto, pedindo "mais democracia e menos politização".

Do outro lado, a associação que representa produtores de soja, com mais de 10 mil agricultores associados, declarou apoio aos atos pró-governo de 7 de Setembro.

Consumidor vai pagar pela crise

Com a crise política, os setores do agro que saem mais prejudicados são os que produzem para abastecer o mercado interno: arroz, feijão, legumes, frutas e verduras, ovos e carnes.

"O custo de produção sobe, e a comercialização no mercado interno não é realizada em dólar", diz o economista Geraldo Barros, coordenador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/USP). "Não se paga."

Ele diz que nessa conta ainda entram a energia mais cara, a estiagem que vem castigando as lavouras e a falta de água para a produção irrigada.

"Com a economia ainda mais abalada pela desarmonia entre as instituições, a situação [para produzir alimentos] vai piorar e quem vai pagar o preço dessa confusão institucional e política será o consumidor."

A Confederação Nacional da Agricultura (CNA) diz que, nos últimos 12 meses, o preço dos alimentos acumula alta de 15,27%. Devido à estiagem, algumas culturas que utilizam a irrigação, como arroz e feijão, já tiveram altas superiores a 30% no custo de produção.

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Produzir feijão no Brasil ficou mais caro por causa da inflação

Feijão mais caro

Na semana passada, a saca do feijão carioca (60 kg) estava em torno de R$ 276, uma alta de 40% em relação ao ano passado, mostra o Instituto Brasileiro de Feijão (Ibrafe).

Produzir feijão no Brasil ficou mais caro por causa da inflação, que impactou o preço dos insumos, principalmente fertilizantes, defensivos, sementes, e arrendamentos de terras para a produção.

No Paraná, maior produtor de feijão do país, o custo aumentou 34%, segundo a Secretaria de Agricultura e Abastecimento (Seab). Em 2020, produzir uma saca de feijão custava em torno de R$ 71. Hoje esse valor é de R$ 95. A seca também ajudou a reduzir a oferta e aumentar o preço.

Neste ano, a safra de feijão deve ser inferior a 500 mil toneladas. Em 2020, foram colhidas 540 mil toneladas e, segundo o diretor de Política Agrícola e Informações da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), Sérgio De Zen, ainda há incertezas para a próxima safra.

"A pandemia, as geadas, a escassez hídrica e um desarranjo econômico mundial dificultam estabelecer perspectivas para a próxima safra", disse.

Polarização política afeta produção sustentável

A polarização política também está em torno da produção sustentável. Desde o início do governo Bolsonaro, em 2019, o Ministério do Meio Ambiente, sob o comando de Ricardo Salles, afrouxou a fiscalização ambiental dando início a uma série de queimadas e provocando aumento do índice de desmatamento.

Em três anos consecutivos, o Brasil central sofre com queimadas descontroladas, principalmente na região do Pantanal, e o aumento dos índices de desmatamento. Pressionado por investigações, Salles pediu demissão em junho.

Tereza Cristina, ministra da Agricultura desde o início do governo, defende a necessidade de o agronegócio investir em estratégias de ESG (Environmental, Social and Governance - ambiente, social e boas práticas empresariais) e vem atuando, com o Sistema Florestal Brasileiro, para acelerar as análises do Cadastro Ambiental Rural (CAR).

O cadastro tem o objetivo de monitorar o ambiente e combater o desmatamento. Dados do Sistema Nacional do Cadastro Ambiental Rural mostram que, até dezembro de 2020, 7 milhões de propriedades haviam sido cadastradas, mas só 3% foram analisadas.

Na semana passada, ela participou do evento Brasil Pró-Clima, que visava discutir o futuro da produção sustentável no país.

"Além da emergência climática, temos globalmente a emergência de combater a fome e a pobreza no mundo", disse a ministra, durante o evento Brasil Pró-Clima. O novo ministro do meio ambiente, Joaquim Leite, não participou do evento.

Adriano Vizoni/Folhapress
O dólar sobe, aumentam os custos de produção, mas também o valor das exportações

Agronegócio continua a crescer

Com esquerda ou direita, o agronegócio vai continuar crescendo, principalmente o setor voltado para o mercado externo. Estudo realizado pela Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura (Mapa) estima que a safra brasileira será de 333,1 milhões de toneladas em dez anos.

Para a nova temporada, que começa na semana que vem (a partir do dia 15), a estimativa da Conab é de uma safra de 290 milhões de toneladas. O número inclui soja, milho, algodão, arroz e feijão.

Geraldo Barros, do Cepea/USP, afirma que, para o setor exportador do agronegócio, a crise político-institucional não deve interferir economicamente nos negócios em curto ou médio prazos.

"Fatores como o clima e o câmbio, que atraem ou afastam os investidores, têm um peso maior para o setor de commodities agrícolas, cuja demanda internacional é crescente", diz.

"O que ocorre é que a crise política afasta investidores, elevando o dólar, que já está alto, e aumenta mais os custos de produção."

Para as culturas exportáveis (soja, milho, algodão, proteínas, café e suco de laranja, por exemplo), a alta do dólar implica insumos mais caros: defensivos, fertilizantes, sementes e máquinas agrícolas são importados.

"Mas também sobem as cotações desses produtos, que estão em patamares elevados desde a safra passada, e o agricultor consegue ter margem de lucro, diferentemente dos setores que atuam no mercado interno", afirma Barros.

Para exportar, Brasil precisa provar que cuida do ambiente

Para as exportações do agronegócio crescerem nos próximos dez anos, como previsto, será preciso manter uma produção sustentável. A análise é de José Garcia Gasques, coordenador de Avaliação e Informações do Ministério da Agricultura.

De acordo com ele, na safra 2030/2031, 66,3% da produção de soja e 28,4% da produção de milho serão destinadas ao mercado externo.

"Haverá uma forte pressão do mercado internacional, especialmente de carne bovina e suína", disse. "Esses mercados, porém, só vão comprar produtos brasileiros se houver a comprovação de que foram produzidos de forma responsável."

Para o presidente do Conselho da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Marcello Brito, abraçar a agenda ambiental, com base na ciência e na tecnologia, possibilita ao Brasil um caminho sustentável. "Podemos percorrer o rumo que quisermos para o nosso país até 2040 ou 2050."

Nos últimos anos, Brito vem destacando a necessidade de o Brasil investir em sustentabilidade, em bioeconomia circular e no mercado de carbono.

Segundo ele, esses temas são caros e colocam o país na mesa de debates na Cúpula do Clima (Cop 26, que será realizada em Glasgow, Escócia). "Precisamos de um projeto sólido, com começo, meio e fim, e que restabeleça a confiança do mundo no país."

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