Exportações curiosas

Não é só a soja: Brasil é exportador de jumentos, tilápias, milho de pipoca e avocado

Viviane Taguchi Colaboração para o UOL, em São Paulo tepic/Getty Images/iStockphoto

Entre os anos de 2000 e 2019, o Brasil ocupou a segunda posição da lista dos maiores exportadores de soja no mundo, atrás dos Estados Unidos. No ano passado, passou a liderar essa lista, com a venda de 84 milhões de toneladas de soja, o que representa 50% do comércio mundial do grão.

Mas não paramos por aí: ainda somos o segundo maior exportador de milho, com 38 milhões de toneladas, algodão, com 2,4 milhões de toneladas e açúcar, com 30,8 milhões de toneladas. Isso, sem falar em carnes - de frango, de boi e de porco...

No entanto, na lista dos itens exportáveis do agronegócio, há produtos que, apesar de não chamarem tanta atenção, por não fazerem parte do grupo das commoditties (produtos que têm seus preços definidos em bolsas de valores), são bastante atraentes no mercado internacional, tanto para produtores rurais como para empresas. Milho pipoca, avocado, peixes cultivados e até carnes e pele de jumentos são alguns deles e a demanda, desde o início da pandemia, só aumentou.

Segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), em 2020, o Brasil exportou 98,9 mil toneladas de milho para pipoca, 7,6 mil toneladas de avocado, 6,9 mil toneladas de tilápia e quase 90 mil jumentos.

O maior atrativo dos jumentos é a pele, um item supervalorizado pela medicina tradicional chinesa, mas que pode levar à extinção da espécie no país, já que a reprodução do animal não acompanha o ritmo do abate.

Viviane Taguchi/UOL
Avocado é uma variedade de abacate e representa 90% dos cultivos da fruta no Brasil

Avocado é abacate sim

Há uma confusão enorme entre os consumidores quando se trata de abacate e avocado. Na verdade, tudo é abacate e o avocado (ou hass) é apenas uma das sete variedades comerciais da fruta, a que tem maior demanda no mercado internacional. Segundo a Associação Brasileira dos Exportadores de Frutas (Abrafrutas), a produção nacional de abacates, em 2021, é de 196 mil toneladas, em uma área de 16 mil hectares, espalhada por São Paulo (84% da produção), Paraná e Minas Gerais. O avocado, que é menor e tem a casca grossa e escura, é a mais cultivada (90%).

Em Bauru, no interior de São Paulo, está localizada a maior produção de avocados do país. A safra é anual, vai de fevereiro a setembro e, de lá, saem aproximadamente 5 mil toneladas de avocados todos os anos e pelo menos metade, tem destino certo: União Europeia, Escandinávia, Canadá, Emirados Árabes e Marrocos. Lígia Carvalho, diretora da fazenda Jaguacy conta que, desde o início da atividade, nos anos 1970, o foco sempre foi a exportação. "É uma das frutas mais populares na Europa", afirma.

Por ser tão popular em outros países, o avocado ocupa a 12ª posição na lista das frutas nacionais mais exportadas, segundo a Abrafrutas. No ano passado, 7,6 mil toneladas foram exportadas. Carvalho ressaltou que na Europa, a demanda aumenta em torno de 30% ao ano enquanto no Brasil, o consumo só engrenou nos últimos 10 anos, impulsionado pelo interesse por alimentos mais saudáveis. "Apostamos no crescimento do mercado interno, mas o grande foco ainda é o mercado externo."

PeixeBR
Cultivo de peixes em reservatórios tem demanda crescente em países como os Estados Unidos, China e Chile

Peixe brasileiro

Outro produto agrícola que tem lugar cativo no mercado internacional são os peixes, em especial, a tilápia, cultivada em tanques instalados nos reservatórios de água doce de hidrelétricas. De acordo com dados da PeixeBR, entidade que reúne empresas da cadeia produtiva, em 2020, as exportações aumentaram 8% em relação a 2019, somando 6,8 mil toneladas, mas em 2021, a expectativa é que o aumento nas vendas externas dobre, chegando em pelo menos 12 mil toneladas exportadas até dezembro.

Francisco Medeiros, presidente da entidade, ressaltou que foi no mês de junho que as vendas aceleraram pra valer no segmento: 158% acima das vendas registradas em maio, e a tendência é que a demanda continue aumentando. "Se levarmos em consideração a pandemia e as restrições indevidas de entradas de nossos peixes de cultivo na União Europeia, o desempenho das exportações é muito positivo", ressaltou. Estados Unidos, China e Chile estão entre os maiores compradores do Brasil, ressaltou o executivo.

O otimismo do setor é resultado direto da demanda crescente por peixes do maior comprador, Estados Unidos, e da habilitação de pelo menos 10 frigoríficos brasileiros pelo governo chinês. A previsão da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) é que, até o final deste ano, as exportações aumentem 150% em relação ao ano passado. A PeixeBR fala em 100%.

Em 2018, a União Europeia proibiu a importação de peixes cultivados ou capturados por barcos brasileiros. A PeixeBR está atuando, junto ao Mapa, para reverter a decisão.

Divulgação/CNA
Em 2021, exportações de tilápias devem dobrar, aponta entidade do setor

Tilápias do Paraná

Estatísticas da PeixeBR mostraram que o faturamento das exportações nacionais de peixes no segundo trimestre de 2021 somou US$ 3,9 milhões. Desse total, US$ 3,4 milhões vieram das exportações apenas de tilápias. E foi também, neste período, que o Paraná ultrapassou Mato Grosso do Sul e se tornou o maior produtor desse peixe no país.

De acordo com os dados oficiais de Comércio Exterior, o faturamento do Estado com a venda de tilápias chegou a US$ 1,22 milhão só entre os meses de abril e junho. O segundo colocado, Mato Grosso do Sul, obteve no mesmo período a receita de US$ 993,9 mil e, em seguida, apareceu Santa Catarina como o terceiro maior vendedor de tilápias e a a receita de U$ 764 mil em três meses.

De acordo com a Secretaria de Agricultura do Paraná, 40% das exportações são produtos que não são destinados à alimentação humana (subprodutos como óleo e matéria-prima para rações), mas 38% correspondem a tilápias inteiras congeladas, 19% são filés frescos e refrigerados e 3%, congelados. "Os resultados demonstram a força da nossa cadeia produtiva e das cooperativas, atentas ao comércio global e à qualidade do produto paranaense", diz o secretário estadual da Agricultura e do Abastecimento, Norberto Ortigara.

Divulgação/Governo M.Grosso
Em Mato Grosso, as lavouras de pipoca estão localizadas próximas às fábricas de processamento do alimento

Pipoca na panela

O milho é um cereal ancestral: somente no banco de sementes da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), existem mais de quatro mil tipos diferentes. Mas quando o assunto é cultivo comercial, além do milho em grão - aquele tradicional que coloca o Brasil na posição de segundo maior produtor e exportador do mundo - o milho pipoca ganha os holofotes. E, segundo o pesquisador Israel Pereira Filho, da Embrapa, o cultivo ganhou escala há duas décadas devido a parcerias com multinacionais, que investiram em pesquisa e melhoramento genético das sementes.

Os produtores que optaram por cultivar pipoca estão em regiões próximas das fábricas do alimento - Mato Grosso, Goiás e Paraná - e, antes mesmo de plantar, eles já garantem a venda para as multinacionais. Uma rede de cinemas, com sede administrativa em Goiás, compra cerca de 2 mil toneladas de milho por ano, diretamente de agricultores, para distribuir em 88 cinemas pelo país. Já as empresas que produzem pipocas de microondas fazem parcerias com produtores em Mato Grosso para produzir a iguaria.

O Brasil é o segundo maior produtor do mundo e produz em torno de 320 mil toneladas por ano - 220 mil toneladas fica no mercado interno, mas o resto é exportado. Até 1998, o grão precisava ser importado dos Estados Unidos ou da Argentina. No ano passado, em Mato Grosso, foram produzidos 279 mil toneladas de pipoca, em uma área de 4 mil hectares. No Paraná, a produção gira em torno de 2.000 toneladas.

Adroaldo Zanella/Arquivo pessoal
Jumentos: chineses importam cerca de 90 mil animais por ano para extrair substância gelatinosa de suas peles

Ameaça aos jumentos

A partir de 2016, o Brasil se tornou um dos maiores fornecedores de jumentos para a China. De olho no couro dos animais, os chineses importam, por ano, 90 mil jumentos, algo em torno de US$ 3 bilhões, e o motivo é que na pele dele existe uma substância gelatinosa usada na medicina tradicional chinesa. O "eijão" é um remédio popular que serve para curar males que vão da insônia à impotência sexual.

O comércio, porém, pode levar à extinção da espécie, alertam pesquisadores da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP. Um estudo mostrou que o abate dos animais aumentou 8000% entre 2015 e 2019 no Brasil e, segundo o pesquisador Adroaldo Zanella, o rebanho atual de jumentos é estimado em 400 mil animais. "Até 2010, a média de abates era de 4.825 jumentos por ano e, após cair para 46 por ano entre 2011 e 2014, voltou a subir, com 1.435 em 2016", disse Zanella. Em 2018, segundo ele, foram registrados 26 mil abates, 62 mil no ano seguinte e em 2020, 98,8 mil.

O abate de equídeos - cavalos, mulas e jumentos - é permitido no Brasil e o decreto 9013/2017 oferece um arcabouço legal que permite o abate de jumentos e outras espécies. Dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) mostram que não são apenas os chineses que importam jumentos, mas os italianos, portugueses e espanhóis também. "Foram exportadas, em média 7,3 mil toneladas somente de peles e couro por ano para atender a demanda europeia", disse. No ano passado, foram exportadas 98,8 mil toneladas de carnes de jumentos e cavalos, segundo o MDIC.

Divulgação/USP
Adroaldo Zanella, pesquisador da USP

Abandono de animais

Símbolos do nordeste, os jumentos começaram a ser substituídos por motocicletas nos anos 2000. Abandonados, os rebanhos passaram a pastar livremente por rodovias da região (a BR-020, por exemplo, no trecho que liga a Bahia ao Piauí, é chamada popularmente de BR-Jegue, devido ao número de animais que transitam pelas pistas ao entardecer) e fazendas, o que permitiu que o abate ilegal ganhasse fôlego.

A maior parte dos abates, segundo Zanella, ocorreram na Bahia e Ceará, onde segundo a ONG The Donkey Sanctuary, ilegalmente, os animais são vendidos por até R$ 30, mas uma peça de pele chega a custar até US$ 4 mil no mercado internacional. A ONG calcula que, em 2021, 64 mil jumentos serão abatidos no Brasil legalmente, mas o número pode ser ainda maior, cerca de 77 mil, com o comércio ilegal.

No ano passado, a Agência de Defesa Agropecuária da Bahia (Adab) regulamentou os procedimentos para transito e abate de jumentos no estado. Segundo o órgão, foi proibido o abate de fêmeas no terço final da gestação e de animais com peso inferior a 90 quilos e que no Estado existe apenas um frigorífico autorizado pelo governo chinês para o abate de jumentos.

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