Prato saudável, campo rico

Pandemia amplia busca por alimentação natural, consumidor topa pagar mais, e agricultura melhora faturamento

Viviane Taguchi Colaboração para o UOL, de São Paulo demaerre/iStock

O luxo pós-pandemia será a alimentação saudável, apontam especialistas em tendências de consumo. A alta na demanda por alimentos produzidos de forma sustentável, sem uso de agrotóxicos, funcionais e com ingredientes ativos como vitaminas e óleos essenciais, a partir de março de 2020, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou a pandemia, é global. Cozinhar em casa ajudou nesse movimento.

No mercado nacional, a lista dos alimentos "premium" é composta por legumes, frutas e verduras (grupo que no agronegócio é chamado de LFV) orgânicos, as cinco castanhas brasileiras e produtos plant-based como os leites preparados a partir de vegetais e sem aditivos. A demanda tem sido puxada por um bom motivo: a preocupação com a saúde.

Para atender o interesse desse público, que pode pagar mais por produtos de valor agregado, agricultores estão empenhando esforços extras no campo. Vale aumentar o volume da produção para atender mais clientes, migrar de manejos convencionais para biológicos, verticalizar a produção, criar novos negócios e até ensinar consumidores sobre os benefícios da alimentação saudável aliada à prevenção de doenças.

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Cobi Cruz, diretor da Organis, Associação de Promoção de Orgânicos

Orgânicos em alta

A necessidade de cozinhar em casa durante a pandemia despertou a atenção dos consumidores com a alimentação. Em 2020, o consumo de legumes, frutas e vegetais orgânicos aumentou 30% em relação a 2019, conforme a Organis, Associação de Promoção de Orgânicos. Em 2021, o setor deve crescer 10%. "É um número conservador", diz o diretor da entidade, Cobi Cruz. "O consumo será maior, pois a movimentação tem sido intensa nos últimos meses, tanto dos consumidores como dos agricultores."

Cruz afirma que o aumento não é uma novidade, já que o setor vem quadruplicando as vendas nos últimos anos, mas o que surpreendeu foi o número elevado em plena crise.

"A consolidação do mercado e preocupação dos consumidores em relação à saúde e sustentabilidade são tendências", afirma. Globalmente, o setor movimenta US$ 115 bilhões e no Brasil, o faturamento do segmento atingiu US$ 5,8 bilhões em 2020.

Outro detalhe é que, nos últimos meses, a aceleração do mercado de orgânicos rompeu os limites dos grandes centros e foi para o interior. "O setor está se democratizando, as redes de supermercados se movimentam em busca de produtos diferenciados porque eles são os primeiros a sentir a demanda." Segundo o diretor, o site da Organis, que antes da pandemia recebia 12 mil visitas por mês, atualmente recebe entre 25 e 30 mil visitantes. "Querem saber tudo, desde onde comprar produtos orgânicos na sua cidade até como obter a certificação para produzir."

Nordeste é a nova fronteira orgânica

No Brasil, de acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o número de agricultores orgânicos credenciados cresce cerca de 5% a 6% ao ano pelo menos desde 2016. Atualmente, existem cadastrados no Mapa 22 mil produtores de orgânicos certificados e, em 2021, a região Nordeste se posicionou como 'a nova fronteira orgânica do país', com um aumento de 30% no número de registros para produtores por lá.

Para a Organis, isso ocorre principalmente por causa do cultivo de frutas no Vale do São Francisco, que reúne agricultores empresariais, e de legumes e vegetais em todo o restante da região, com o trabalho dos pequenos produtores rurais, que durante a pandemia buscaram alternativas para driblar a crise.

A demanda pela saudabilidade na produção de alimentos também tem feito o mercado de produtos de base biológica crescer. Segundo a pasta, em 2020, o segmento (que utiliza produtos naturais para produzir defensivos e protetores de cultivos em substituição aos agrotóxicos sintéticos) faturou R$ 957 milhões. A expectativa para este ano é ultrapassar R$ 1 bilhão no Brasil, conforme estimativas do Programa Nacional de Bioinsumos, do Mapa.

"A demanda do consumidor mudou e, por isso, o setor de defensivos tem buscado novas soluções para os produtores rurais, cada vez mais informados e engajados com o movimento de produção sustentável", diz o coordenador do programa, Alessandro Cruvinel.

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Alberto Peribanez Gonzalez, médico, produtor rural e autor

Medicina culinária

Em Sorocaba (SP), o médico integrativo Alberto Peribanez Gonzalez, autor dos livros Cirurgia Verde e Lugar de Médico é na Cozinha, viu aumentar sua clientela durante a pandemia. Ele, que também é produtor rural e coordenador da Seed4Life, empresa que dissemina conhecimentos sobre agricultura e saúde, defende a prevenção de doenças no prato. "Antes, os pacientes vinham ao consultório porque estavam doentes. Durante a pandemia, eles vinham preocupados com a prevenção das doenças", diz. "A alimentação saudável é o melhor caminho para obter saúde."

Gonzalez diz que a alimentação baseada em plantas (que não exclui o consumo de carnes, ovos e leites, mas aumenta a ingestão de vegetais) é a melhor indicação para prevenir problemas como diabetes e hipertensão arterial, as principais comorbidades dos grupos de risco da covid-19. "Após a adoção da dieta, em 12 dias, é possível notar a normalização de lipídios no plasma e queda da pressão arterial."

Para ele, medicina, culinária e agricultura têm que andar juntas, e o consumo de alimentos saudáveis não precisa ser mais oneroso. "São alimentos simples, produzidos por pequenos agricultores", diz ele. Em suas consultas, além dos exames de rotina, ele ensina os pacientes a cozinhar. "É fácil fazer leite vegetal a partir de amendoim, que é um produto acessível, misturar berinjela no arroz e feijão, ou preparar brócolis preservando seus nutrientes."

Castanhas brasileiras

Superalimentos, ricas em nutrientes e óleos essenciais, as castanhas entraram para o topo da lista dos alimentos que ganharam espaço na pandemia. "São alimentos fitoterápicos que aumentam a imunidade", justificou o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Nozes, Castanhas e Frutas Secas (ABNC) e agricultor, José Eduardo Camargo. "É um produto agrícola com potencial alimentício saudável".

De acordo com o International Nut Council (INC), o consumo de castanhas no mundo cresce 7% ao ano. O Brasil não tem números que apontem com assertividade quanto esse mercado cresce, já que há inúmeros pequenos produtores. "Mas a demanda é sentida por todo o setor. Os consumidores que têm condições de pagar por um alimento premium encabeçam o grupo que puxam a demanda", afirma o agricultor.

Segundo a ABNC, o consumo de castanhas e nozes já crescia antes da pandemia. Durante a pandemia, o setor cresceu 2,1% em relação ao período pré-covid, segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Alimentos para Fins Especiais e Congêneres (ABIAD), que reúne os alimentos nutracêuticos (com ingredientes ativos como vitaminas e óleos essenciais).

Camargo começou a produzir macadâmias nos anos 1990 em Dois Córregos (SP) e hoje é um dos maiores exportadores do país. "A demanda pelas castanhas e nozes brasileiras no mercado externo é gigante". O Brasil produz cinco tipos de castanhas: caju, macadâmia, castanha do Brasil, baru e noz pecã. "É uma alternativa agrícola de valor agregado e sustentável", diz Camargo, que produz 6 mil toneladas de macadâmias por ano.

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Bentí Foods produz bebida vegetal a partir de macadâmia, castanha de caju e cacau

Leite que não é de vaca

De olho no crescimento do setor de superalimentos, Camargo e a esposa, Teca, investiram na verticalização da produção agrícola e, em outubro, começaram a fabricar o leite vegetal a partir de macadâmia. "Existe um nicho de mercado valorizado e uma legião de consumidores que estão buscando essas alternativas alimentares mais saudáveis e sustentáveis", afirmou.

Teca, diretora da empresa, diz que o momento propício do mercado, que já vinha ocorrendo antes da pandemia, motivou a verticalização da produção. Hoje, a Bentí Foods produz bebida vegetal a partir de macadâmia, castanha de caju e cacau, e se prepara para lançar, nos próximos meses, pelo menos dois novos produtos. "A aceitação do produto no mercado tem sido excelente e a pandemia, período em que as pessoas estão em casa, precisando cuidar da sua saúde, contribuiu muito para isso", declara a diretora.

Para produzir a bebida, a matéria-prima principal, macadâmia, vem da fazenda da família e os demais ingredientes são comprados de agricultores parceiros e orgânicos (por ser um produto classificado como "clean label", só pode levar estes itens, sem aditivos e conservantes). Para cativar o consumidor, Teca apostou na informação. "As pessoas querem saber os benefícios do produto, sua origem, se agride o meio ambiente", diz. "É um consumidor consciente, diferente, que busca a origem da produção, as qualidades nutricionais e os benefícios gerais para a saúde."

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José Eduardo Camargo e a esposa, Teca Camargo

Consumo só sobe

O segmento de leites vegetais começou a ganhar fôlego em meados de 2015. Hoje, existem centenas de marcas no mercado e a agroindústria absorve boa parte da produção agrícola local, de pequenos produtores - cooperativas ou independentes - e certificados como o selo de orgânicos concedido pelo Mapa. São produtores de castanha de caju, amêndoa, amendoim, macadâmia, arroz, cacau, inhame, aveia, coco e água de coco, entre outros.

"Existem muitas alternativas para produzir uma bebida vegetal", explica o médico integrativo Gonzalez. "Não é preciso utilizar ingredientes importados ou caros, é possível preparar a bebida vegetal com boa textura e sabor marcante a partir das castanhas brasileiras", afirma Teca.

A Euromonitor Internacional, empresa de pesquisa que aponta tendências de consumo, informou que, em 2020, o consumidor deste tipo de produto optou por leites vegetais preparados a partir de arroz, coco, amêndoas e aveia, nessa ordem. O segmento cresceu 860% entre 2015 e 2020, com a produção de cerca de 10 milhões de litros, e provocaram uma queda de 19% no consumo de leite de soja nos cinco últimos anos.

A tendência é que o segmento de leites vegetais cresça 13% ao ano até 2025. "Estamos trabalhando com nutricionistas para buscar mais alternativas de produtos porque é realmente um mercado em plena ascensão", declara Teca.

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