Largada na safra de grãos

À espera de chuvas, produtores plantam novas lavouras; preço para o consumidor não deve cair no curto prazo

Viviane Taguchi Colaboração para o UOL Avener Prado/Folhapress

A safra de grãos 2021/2022 começou na semana passada, e as máquinas agrícolas já estão a mil nas lavouras da região Centro-Sul. Para lá e para cá, o que se vê são plantadeiras sulcando e semeando sementes de soja, principalmente na região Centro-Oeste, e milho, nos estados do Sul.

Essa temporada deve chegar a um volume inédito de 289,6 milhões de toneladas, a maior já colhida no Brasil, segundo a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). A previsão vale para soja, milho, algodão, arroz e feijão, culturas que juntas correspondem a 94% da produção total do país.

A expectativa é colher 116 milhões de toneladas de milho e 141,2 milhões toneladas de soja, o que representa 3,9% a mais que a colheita da temporada 2020/2021. A produção de algodão deve ser de 2,71 milhões de toneladas, de arroz, 12 milhões de toneladas e de feijão, de 1,5 milhão de toneladas.

Guilherme Ribeiro, diretor-presidente da Conab, afirmou que o Brasil deve continuar como principal produtor e exportador de commodities agrícolas do mundo e que essa condição deve ser mantida mesmo com os problemas gerados pela pandemia de covid-19 e as influências negativas do clima sobre a produção, com cotações que sobem junto com o dólar.

Avener Prado/Folhapress
Ruy Baron/Valor/Folhapress

Preços não devem cair no curto prazo

A largada da safra não deve derrubar os preços no curto prazo. Por ora, os preços internacionais da soja e do milho continuam valendo a pena para os agricultores e, por outro lado, pesando para a agroindústria e o bolso do consumidor. Os dois produtos são matéria-prima para a produção de ração que alimenta as criações animais, portanto, têm impacto na indústria de carnes.

"No entanto, há uma tendência de normalização dos preços no mercado internacional a partir de 2022", explicou o economista Fábio Silveira, da Consultoria Macrosector.

Os preços [de commodities] que estavam subindo começam a perder fôlego, e a expectativa é que, em 2022 e 2023, os preços da soja e do milho retomem seus patamares históricos.
Fábio Silveira, da Consultoria Macrosector

Segundo Silveira, o aumento da oferta global de soja e milho e os juros mais altos serão responsáveis por equilibrar o mercado. "Na safra 2021/2022, os preços continuam sendo remuneradores para o produtor rural, mas não tanto quanto nas duas últimas safras", disse. "Para o consumidor, esse reflexo só será sentido nos próximos anos, dependendo de uma série de variáveis que possam interferir na safra agrícola, como o clima e a inflação. Ainda é cedo para avaliarmos".

Em 2021, de acordo com as projeções da consultoria, os preços agrícolas devem encerrar o ano com aumento de 36% em relação ao ano passado.

Arroz, feijão e o grupo LFV (legumes, frutas e verduras) também devem sentir a alta dos preços, mas por se tratarem de produtos que permanecem no mercado interno, o repasse para o consumidor não será viável.

A renda das famílias brasileiras em 2021 ficará em torno de 4% abaixo da de 2020. O consumo tende a travar. Não haverá como repassar esse reajuste aos consumidores.
Fábio Silveira, da Consultoria Macrosector

Divulgação
Grupo Bom Futuro iniciou o plantio de soja neste mês de setembro

Largada da soja

Em Mato Grosso, um dos maiores produtores de soja do mundo, o Grupo Bom Futuro, iniciou o plantio de 313 mil hectares de soja (dos 583 mil de hectares totais de produção) nas primeiras horas do dia 16. O mesmo também ocorreu nas fazendas do grupo SLC, do Amaggi e do Scheffer. A largada da safra, como se diz no setor, coincidiu com o fim do vazio sanitário e o início das chuvas na região —com precipitações acima de 100 mm em algumas áreas.

O vazio sanitário é um intervalo obrigatório entre os meses de junho e setembro para a área agrícola. Nesse período, a presença de plantas vivas de soja e seu cultivo ficam proibidos para evitar a ocorrência de pragas típicas da lavoura, em especial a ferrugem asiática, uma doença fúngica que já causou prejuízos superiores a R$ 150 bilhões no país desde a sua chegada, há duas décadas.

Mato Grosso é o maior produtor de soja do Brasil e, de acordo com o boletim semanal do Instituto Matogrossense de Economia Agropecuária (Imea), o plantio (até o dia 20 de setembro) estava 0,26% mais avançado do que o reportado no mesmo período do ano passado. Apenas as regiões centro-sul, norte e nordeste do estado ainda não começaram a plantar, à espera de chuvas, mas na região médio-norte, onde ficam Lucas do Rio Verde, Sorriso, Nova Mutum, Sinop, região conhecida pelas "capitais da soja", o plantio está 0,61% mais adiantado na comparação com o ano passado.

O Imea estima que a área plantada com soja em Mato Grosso, nessa safra, atinja 10,84 milhões de hectares, 3,6% acima da safra anterior. Em todo o país, deve chegar a 39,9 milhões de hectares.

Bruno Henrique Pedersoli/UOL

Boas expectativas para agricultores

As projeções da Conab indicam que a produção total de soja deva atingir 141,2 milhões de toneladas, e a aposta é a recuperação da produtividade, com 3,5 quilos por hectare, 0,29% acima da produtividade média da safra anterior.

Inácio Modesto Filho, diretor de produção do Grupo Bom Futuro, disse que, com a previsão de chuvas contínuas para o estado, dá para estimar uma produtividade entre 70 e 72 sacas de soja por hectare. "E temos uma gama de variedades de diversos ciclos para obter altas produtividades", afirmou.

O otimismo do setor ainda passa por outros cenários. Guilherme Ribeiro, da Conab, disse que os agricultores estão animados porque "os preços internacionais para a soja continuam elevados no mercado internacional, o câmbio é atrativo e há uma tendência de aumento nas exportações e esmagamento de soja em 2022".

As exportações também foram projetadas para cima pela estatal, com 87,58 milhões de toneladas. Em 2020/21, as vendas externas do grão somaram 83,42 milhões de toneladas. De acordo com a Secretaria de Comércio Exterior (Secex), o país embarcou 270,14 mil toneladas de soja por dia até a terceira semana de setembro. No mesmo período do ano passado, foram 203 mil toneladas.

Apesar disso, mesmo com o aumento da produção, o mercado estima que os preços devam continuar iguais aos deste ano. "Mas como os custos de produção aumentam devido à variação do dólar, os produtores terão uma rentabilidade menor, mas ainda remuneradoras", falou.

Nesta semana, a saca da soja (60 kg) em Mato Grosso era comercializada por R$ 173,50.

Mauro Zafalon/Follhapress

Recuperação da produção de milho

Depois de enfrentar um ano ruim, em que foi necessário importar milho, a produção do cereal na safra 2021/2022 deve ser maior, com 115,9 milhões de toneladas —27,2 milhões de toneladas na safra de verão (a que começa agora e vai até meados de fevereiro), 87,3 milhões de toneladas na safra de inverno, que vai de abril até agosto, e mais cerca de 1,5 milhão de toneladas da terceira safra, que na região norte, é entre setembro e dezembro.

A Conab estimou que a área plantada com a cultura aumente 3% em relação à área plantada na safra passada, chegando a 20,6 milhões de hectares.

Até esta semana, o plantio de milho já estava em 21,8% da área estimada pela Conab, de 4,385 de hectares na região Sul —52,4% no Rio Grande do Sul, 20,6% em Santa Catarina e 24,4% no Paraná.

"O momento é incentivador", disse o presidente executivo da Abramilho (Associação Brasileira dos Produtores de Milho), Cesário Ramalho. Ele aposta na produção maior porque há uma demanda interna alta para suportar a indústria de carnes, e os preços internacionais continuam em alta, em torno de R$ 93 por saca.

No ano passado, o maior problema foi climático. Agora, temos a falta de chuvas neste início de safra, mas as previsões apontam para um ano melhor. O produtor tem condições favoráveis para plantar.
Cesário Ramalho, presidente da Abramilho

Na safra 2020/2021, as mudanças climáticas pegaram em cheio as lavouras de milho: na safra de verão, a estiagem na região Sul provocou perdas de seis milhões de toneladas e, na safra de inverno, o prejuízo (que ainda está sendo contabilizado, pois a colheita terminou no começo de setembro), deve ser de 25 milhões de toneladas.

José Medeiros/Folhapress

Algodão para a China

As projeções para a safra 2021/2022 de algodão mostram que a retomada da demanda mundial pelo produto deve crescer, principalmente por importantes consumidores asiáticos.

O dólar valorizado e a menor produção de algodão nos EUA contribuíram para uma valorização forte dos preços internacionais, o que permitiu que o Brasil batesse recordes de exportações.
Guilherme Ribeiro, da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento)

As projeções da Conab indicam um aumento de 13,4% na área que vai ser plantada na safra 2021/22, com 1,548 milhão de hectares. Em volume, a estatal projetou que o país vai produzir 2,71 milhões de toneladas, exportar 2 milhões de toneladas e consumir, internamente, 760 mil toneladas. "A demanda interna vai aumentar após a vacinação da covid-19", disse o dirigente da Conab.

Boa parte da safra que ainda não terminou de ser colhida (2020/2021) já está praticamente vendida (87%), e a safra que ainda vai ser plantada já tem 40% da produção estimada comercializada. Os dados são da Anea (Associação Nacional dos Exportadores de Algodão).

"Os produtores estão se esforçando para se firmar no mercado internacional como exportadores regulares", disse, se referindo, principalmente, à Ásia.

José Medeiros/Folhapress

China é o maior comprador de algodão

Na semana passada, produtores de algodão do Brasil e compradores da China debateram estratégias para aumentar o comércio bilateral entre os países durante um evento, o Cotton Brazil Harvest 2021 Roundtable.

Apesar de ser o segundo maior produtor de algodão do mundo, a China não supre a sua demanda interna. De acordo com o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA), a produção chinesa foi de 6,4 milhões de toneladas na safra 2020/2021, mas o país demandou 8,7 milhões de toneladas. Na safra atual, a estimativa de produção é de 5,8 milhões de toneladas, queda de 9,3%, e aumento de 2,5% no consumo, para 8,9 milhões de toneladas.

De acordo com a Abrapa (Associação Brasileira dos produtores de Algodão), a perspectiva é que a China continue comprando pelo menos um terço do algodão brasileiro para suprir a sua demanda.

O diretor da plataforma que comercializa 90% do algodão importado pela China (CNCE), Yang Baofu, falou, durante o evento, que o país tem intenções de aumentar as importações de algodão brasileiro, que atende às exigências de qualidade das indústrias chinesas.

Edson Silva/Folhapress

Arroz, feijão e café

Para o trio que tradicionalmente estampa a alimentação do consumidor brasileiro —arroz, feijão e café— as projeções anunciadas pela Conab não são tão animadoras quanto para as demais commodities.

Segundo a estatal, para o arroz, a expectativa é de um pequeno aumento de produção (+0,4%), com projeção aproximada de 11,8 milhões de toneladas. Já para o feijão, que tem três safras durante o ano, a perspectiva é de manutenção de área plantada, com cerca de 3.000 hectares em todo o país, e uma produção de 3,1 milhão de toneladas.

"Há a projeção de recuperação da produção e dos estoques finais, que voltarão a valores próximos ao da média dos últimos cinco anos", disse Guilherme Ribeiro, da Conab.

O café não entra na lista da Conab como parte da safra projetada em 289,6 milhões de toneladas, mas a estatal anunciou, nesta semana, que a produção nacional de café beneficiado deve ser de 46,9 milhões de sacas em 2021.

A estimativa apresenta uma queda de 25,7% em relação à safra 2020 e mostra que também foram as mudanças climáticas e a bienalidade negativa (a cultura do café, naturalmente, alterna um ano "bom" e um ano "ruim") que derrubaram a produção. Seca e geadas fizeram a produtividade dos cafezais cair 22,2%.

O ano já seria desafiador por causa da pandemia, mas o clima trouxe muitos problemas para o café, como para a maioria das culturas produzidas no Brasil.
Maurício Lopes, gerente de avaliação de safras da Conab

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