Dendê sem dor de barriga

Nova variedade de dendezeiro é mais resistente a pragas e produz azeite mais suave

Mário Bittencourt Colaboração para o UOL, em Vitória da Conquista (BA) Divulgação

A culinária baiana, apesar de muito atrativa e apreciada, sempre preocupou turistas pelo fato de alguns pratos e iguarias serem "carregados" no azeite de dendê. Difícil encontrar alguém que visitou a Bahia e não relate alguma vez ter tido problema gastrointestinal - a famosa dor de barriga - após comer um acarajé ou uma moqueca.

Mas, aos poucos, essa realidade está mudando. Um exemplo é o restaurante Porto Real, localizado na ilha de Comandatuba, em Una, no sul do estado. Por lá, a preocupação com os riscos do dendê para turistas deixou de existir há um ano, quando o proprietário Weldo Santos Dantas, 48, passou a usar um azeite de dendê com sabor suave e baixa acidez.

Esse novo azeite de dendê é resultado de experimentos com uma variedade híbrida de dendê, realizados pela Ceplac (Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira) em Una, município da Bahia, em parceria com a Embrapa Amazônia Ocidental, unidade da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) em Manaus.

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Moqueca: novo azeite pode ser usado em diversos pratos

Experiências com o dendê

Foi feito cruzamento do dendezeiro africano (Elaeis guineensis), utilizado na culinária baiana, com o caiaué (Elaeis oleífera), de procedência americana. Desse cruzamento surgiu o dendezeiro híbrido HIE OxG, do qual é feito o novo produto, mais claro e uniforme, e que foi batizado de unaué, em homenagem à Una.

Por ter alto percentual de oleína, o próprio óleo extraído do dendezeiro que garante a concentração do produto, esse azeite é indicado para moquecas, fritadas de ovo, aipim, frango, produção de farofa, dentre outros. É recomendado também para fritar acarajés, pois tem alto teor de estearina (uma gordura vegetal). O melhor: não afeta os intestinos de locais e turistas.

O preço do litro do unaué, de R$ 12, é quase o mesmo valor do dendê tradicional (R$ 15). As amêndoas são processadas na própria Estação Experimental da Ceplac, onde foi criado também um rótulo.

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Acarajé: o novo azeite de dendê é aprovado por quem o experimenta

Quem prova quer levar para casa

Weldo Santos Dantas, dono do restaurante Porto Real e também cozinheiro, é um dos primeiros da Bahia a utilizar o unaué na culinária. Segundo ele, o novo azeite de dendê é aprovado por quem o experimenta.

"Antes, o turista chegava e pedia logo pouco dendê na comida, hoje só fala isso quem ainda não conhece o novo produto", disse Dantas, segundo o qual o unaué mantém o sabor do dendê.

"Só que não fica aquele cheiro forte, é leve. A farofa fica uma delícia, fina, o povo sempre quer levar para casa, tem uns que chegam a levar de quatro a cinco quilos de farofa", afirmou. Por mês, Dantas usa 24 litros do azeite: "Ele fica bem em todos os pratos".

A introdução do novo dendê entre as baianas de acarajé ainda está em fase inicial - algumas estão misturando os dois dendês, para não mudar a receita logo de vez.

Pesquisador da Ceplac, José Inácio Lacerda Moura disse que o novo dendê pode ser usado para fritar apenas uma vez. "Aqui, as baianas têm mania de usar o dendê para fazer várias ?taxadas? [usar o mesmo azeite para fritar o acarajé], mas com esse novo azeite isso não é possível", comentou.

Com relação à acidez, a do unaué é de pouco mais de 1%, enquanto o dendê de origem africana vai de 5% a 10%, a depender do tempo de processamento após ser colhido. Quanto mais ácido o azeite, maiores os problemas gastrointestinais.

Embrapa/Divulgação

Novo dendê é resistente a pragas

O híbrido HIE OxG, com o qual é feito o novo azeite de dendê, já vem sendo pesquisado na Estação Experimental da Ceplac desde 2009 apesar de ganhar maior divulgação agora.

Inicialmente, ele foi introduzido na Bahia porque os dendezais do estado são atacados por diversas pragas e doenças, principalmente o anel vermelho.

Essa doença é causada por um verme chamado Bursaphelenchus cocophilus, e o principal vetor de transmissão é um besouro preto (Rhynchophorus palmarum) que mede até 5 cm de comprimento por 2,5 cm de largura.

Há pelo menos duas décadas, a Embrapa realiza pesquisas para desenvolver variedades de dendezeiro resistentes a essas doenças e pragas, e numa delas descobriu que o dendê caiaué (americano) é resistente ao anel vermelho, enquanto o africano é suscetível.

O híbrido HIE OxG, por sua vez, tem resistência moderada.

De acordo com a Embrapa, em 25 anos de pesquisas com o HIE OxG foi verificada taxa de mortalidade em aproximadamente 7% de 250 plantas, enquanto nos plantios de dendezeiro africano a mortalidade foi de 57%, em uma população de 3.853 plantas.

Na Bahia, o pesquisador José Inácio Lacerda Moura, da Ceplac, viu muitos pés de dendê morrerem por conta do anel vermelho e outras doenças. "Por isso, trouxemos o HIE OxG para a Bahia, em parceria com a Embrapa. Ele tem se dado muito bem aqui, com boa produção na área experimental, com cerca de 15 toneladas de cacho por hectare", afirmou.

Embrapa/Divulgação

Dendê híbrido é esperança para produtores na Bahia

De acordo com dados de 2017 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a Bahia produz 36,9 mil cachos de dendê ao ano em 8,7 mil hectares de área, o que corresponde a 2,25% da produção nacional.

A produção no estado é concentrada nas regiões do Baixo Sul e Recôncavo, mas sempre ocorreu de forma extrativa, sem manejo de pragas e doenças nem adubação. Além disso, os dendezais do estado estão velhos e altos - com mais de 10 metros de altura, o que praticamente impossibilita a colheita.

Por conta desse fator, a produção do estado vem caindo desde 2010, quando chegou a produzir 230 mil toneladas de cachos (maior produção do estado).

No Brasil, a produção de dendê é concentrada no estado do Pará, onde são cerca de 100 mil hectares de área plantada, com produção (em 2017) de 1,6 milhão de toneladas de cachos - 97,4% da produção nacional. No Pará, a produção é comercial e basicamente feita com a variedade Tenera de dendezeiro.

Mas a realidade da produção de dendê na Bahia pode ser mudada para melhor. Neste mês, chegaram à Bahia as primeiras 4.000 mudas do dendezeiro híbrido HIE OxG para plantio comercial, que será feito na fazenda Sertaneja (60 hectares), no distrito de Vera Cruz, em Porto Seguro.

A chegada das 4.000 mudas representa menos de 5% da área plantada na Bahia. A variedade Tenera pode ter 143 mudas por hectare. Já a nova variedade HIE OxG permite apenas 100 mudas por hectare, pois tem folhas mais compridas.

A meta é plantar 120 mil mudas do híbrido, informou o fazendeiro José Gustavo Brito Teixeira, 38, que tem visto seus dendezais morrerem por conta do anel vermelho.

Ele é produtor de dendê desde 2009 e também faz o azeite Sabor da Bahia, comercializado para grandes restaurantes e baianas de acarajé de Salvador. "Daqui a uns quatro anos, estarei enviando esse novo azeite, e creio que vou aumentar as vendas", declarou.

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