Peste suína nas Américas

Peste que provocou massacre de porcos na China chega às Américas e combate envolve até turista

Viviane Taguchi Colaboração para o UOL, em São Paulo Davy3 Photo/iStock

Em novembro de 2017, veio o alerta: a China teria problemas com a Peste Suína Africana (PSA), uma doença viral, que não oferece risco aos humanos, mas é capaz de matar toda a criação em 15 dias. E foi o que aconteceu. Até junho de 2019, 60% do plantel chinês de porcos, estimado em 439 milhões de animais em 2017, foi sacrificado para evitar a proliferação da doença. Os chineses perderam mais de 260 milhões de animais.

Isso aumentou a demanda global por carne suína, alterou hábitos de consumo do cidadão chinês, que passou a comer mais frango, elevou os preços no mercado internacional, e também colocou em alerta todos os produtores do mundo. Ninguém quer correr o risco da peste se alastrar, mas ela vem aí.

Passados três anos, a China anunciou a retomada na produção de suínos com um plantel maior do que aquele que possuía antes da doença, algo em torno de 610 milhões de animais. No entanto, os animais são leitoas, matrizes que produzirão porquinhos apenas nos próximos anos e, portanto, a produção de carnes só se normalizará no país a partir de 2025.

O problema é que, desde o início do ano, dez novos surtos de PSA voltaram a assombrar a China - e outros países. Na Ásia, Europa e agora, nas Américas.

Na Europa, Polônia, Hungria, Romênia e Alemanha confirmaram casos da doença e, na ultima semana, a peste foi confirmada na República Dominicana, na América Central, bem no meio do caminho entre Estados Unidos e Brasil, respectivamente terceiro e quarto maiores produtores e exportadores de carne suína do mundo, colocando todas autoridades sanitárias em alerta.

Como os resorts de Punta Cana, muito aprecidados por brasileiros, ficam na República Dominicana, as autoridades sanitárias estão de olho nos turistas que voltam de lá.

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Ricardo Santin, da ABPA: "precisamos nos prevenir de todas as formas"

Massacre de porcos

Além dos cerca de 260 milhões de animais mortos na China desde 2018, também foram mortos cerca de 100 mil na Polônia entre setembro de 2020 e janeiro de 2021 e 32 mil na Romênia. Em fevereiro passado, autoridades da Malásia confirmaram o sacrifício de 5.000 animais após surtos da Peste Suína Africana (PSA) no país e o sacrifício de 25% do rebanho suíno das Filipinas. No mesmo mês, Hong Kong também abateu 3.000 animais contaminados e, no mês passado, mais 200 mil na China.

Na América Central, o governo da República Dominicana anunciou o abate de dezenas de milhares de porcos nesta semana (o número exato não foi divulgado) depois que 389 amostras enviadas a um laboratório nos Estados Unidos deram positivo para a doença. O alerta foi dado após a ocorrência de mortes generalizadas de porcos em três fazendas, em diferentes regiões - todos com quadro de hemorragia interna.

Atualmente, a República Dominicana possui 1,8 milhão de porcos e produz anualmente 80 mil toneladas de carne suína. Nas províncias afetadas pela doença, o plantel é de 19.600 animais. O prejuízo inicial, de acordo com o governo, foi estimado em R$ 180 milhões.

O país, segundo a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), não vende carne para o Brasil, mas ainda assim, o risco de contaminação - para qualquer país do continente - existe. "Não existe risco zero no caso de uma doença como essa", declarou Ricardo Santin, presidente da ABPA. "Precisamos nos prevenir de todas as formas."

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O governo da República Dominicana anunciou o abate de dezenas de milhares de porcos nesta semana

Reforço nas fronteiras

Com a confirmação dos casos de Peste Suína Africana (PSA) no continente, o Ministério da Agricultura, Pecuária e abastecimento (Mapa) do Brasil reforçou a vigilância em portos, aeroportos e fronteiras secas, sobretudo nas divisas com a Venezuela.

A ABPA convocou, em caráter emergencial, o Grupo Especial de Prevenção à Peste Suína Africana (Gepesa), formado por especialistas das indústrias associadas, para estabelecer ações de suporte ao trabalho de defesa agropecuária.

"Imediatamente após a divulgação da notícia, estabelecemos contato com o MAPA e iniciamos tratativas para a composição de medidas preventivas em portos e aeroportos, além das granjas, que são os principais pontos de atenção", disse Ricardo Santin, da ABPA. Segundo ele, o Brasil não registra a doença desde 1981.

O Mapa informou que, desde a confirmação de PSA na América Central, está acompanhando a evolução da peste e que trata-se do primeiro caso da doença no continente desde a década de 1980, quando a doença foi erradicada. Em nota, a pasta declarou que "a chegada da PSA ao continente americano aumenta o estado de atenção com intensificação das medidas para prevenir a introdução da doença no Brasil".

Geraldo Moraes, diretor de saúde animal do ministério, disse que entre as medidas estão a proibição do ingresso, no Brasil, de produtos que representem risco de pragas e doenças, como amostras genéticas, animais vivos, alimentos ou resíduos, e o monitoramento de pessoas que tiveram contato com animais doentes ou que tenham estado na República Dominicana, ainda que nas áreas turísticas.

Similar ao vírus ebola

O Brasil tem um sistema de vigilância específico para as doenças hemorrágicas de suínos, cujas doenças principais são a Peste Suína Clássica (PSC) e Peste Suína Africana (PSA). Desde 2018, quando a PSA se disseminou na China, o ministério estabeleceu ações para fortalecer as capacidades de prevenção do ingresso do vírus no país (detecção e diagnóstico precoces) e, na semana passada, divulgou estratégias para intensificar o programa.

A Peste Suína Africana é tão letal para os porcos que já foi comparada ao ebola, na África. É uma doença viral, sem risco aos seres humanos, mas altamente transmissível entre os suínos e leva a altas taxas de mortalidade e morbidade.

"Nos animais, provoca hemorragia interna e mata em 10 a 20 dias", disse Santin. Considerada pela OIE como uma das doenças mais relevantes para o comércio internacional de produtos suínos, a PSA afeta somente os porcos domésticos e javalis.

No Brasil, a doença chegou em 1978 no Rio de Janeiro, em resíduos de alimentos contaminados em voos internacionais com origem em países onde a doença estava presente.

A última ocorrência foi registrada em Pernambuco, em 1981, e as medidas aplicadas pelo serviço veterinário oficial brasileiro permitiram a erradicação da doença em todo seu território e a declaração de país livre de PSA em 1984.

A contaminação no Brasil representaria um prejuízo enorme, pois só no primeiro semestre deste ano, o setor já faturou US$ 1,3 bilhão com as carnes suínas.

4º maior produtor de carne de porco

O Brasil é o quarto maior produtor e exportador mundial de carne suína. Em 2020, produziu 4,44 milhões de toneladas, cerca de 4,54% da produção mundial, e exportou 1,02 milhão de toneladas, 23% da produção nacional, para 97 países.

A projeção é aumentar a produção em até 6% em 2021, chegando a 4,7 milhões de toneladas. A China, no ano passado, produziu 36 milhões de toneladas. Juntos, os países da União Europeia produziram 24 milhões de toneladas e os Estados Unidos, 12,84 milhões de toneladas, conforme estatísticas da Secretaria de Comércio Exterior (Secex).

As estatísticas apontam que, antes do surto, a China produzia 54,5 milhões de toneladas de carne de porco por ano. A produção caiu para 38 milhões de toneladas a partir de 2019, por causa da peste, e as importações do produtos suínos saltaram de 1 milhão de toneladas para 5 milhões de toneladas.

Até o fim deste ano, o país deve produzir 43,7 milhões de toneladas. "Até lá, a demanda por carne suína na Ásia continua aquecida", afirmou o executivo da ABPA, Ricardo Santin. "Os chineses consomem cerca de 100 mil toneladas de carne suína por dia."

De janeiro até junho deste ano, o Brasil exportou para a China 297,6 mil toneladas de carne suína, 29% a mais que no mesmo período do ano passado. "A doença é um problema comercial e países produtores, como o Brasil, que é um dos principais fornecedores de carne suína pra Ásia, precisa afastar qualquer possibilidade dessa peste chegar aqui", afirmou Santin.

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Punta Cana, na República Dominicana, é um destino turístico importante

De olho nos turistas

A maior preocupação das autoridades sanitárias, agora, são os turistas que visitam a República Dominicana e voltam ao Brasil trazendo alimentos, mesmo aqueles que não tiveram contato com os animais contaminados ou áreas rurais.

Geraldo Moraes, do Mapa, explicou que, ainda que a doença não seja transmissível aos humanos, os resíduos alimentares como presunto, salame, carnes em geral, contaminados e descartados de forma incorreta podem espalhar a doença. "Descartados de forma irregular, os resíduos podem ser consumidos por animais e infectá-los", afirmou.

Na Europa, suspeita-se que a PSA se disseminou dessa forma, através de javalis que consumiram resíduos contaminados e transmitiram a outros animais. "Em granjas, os animais se alimentam com ração, no entanto, na natureza e em criatórios domésticos, é possível que a alimentação incorreta possa ter ocorrido", disse. Na República Dominicana, as autoridades ainda estão investigando como a doença teria se espalhado.

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