Vespas para matar pragas

Agricultores usam insetos, vírus e fungos contra pragas para reduzir custo de produção e aumentar lucro

Viviane Taguchi Colaboração para o UOL, de São Paulo Divulgação/Fundecitrus

Insetos, vírus, fungos e bactérias, com seus hormônios e feromônios são um exército vivo que passa quase despercebido pela maioria das pessoas, mas que deve ser, em poucos anos, protagonista das lavouras.

Estudo realizado pela Blink Strategies e divulgado pela CropLife (entidade que reúne especialistas e empresas do setor de proteção de cultivos) apontou que, até 2030, o setor de agrotóxicos naturais deve movimentar R$ 3,7 bilhões no país, encurtando a distância com os agroquímicos, que teve faturamento de R$ 12 bilhões em 2020.

O setor de agrotóxicos naturais ou biodefensivos cresce em ritmo acelerado: entre 2019 e 2020, o segmento registrou aumento de 42% e, entre 2020 e 2021, a previsão é que a alta seja de 33%, totalizando um mercado de R$ 1,8 bilhão.

De um lado, as empresas que atuam no setor, principalmente startups, investem em novas tecnologias que facilitam a adoção de biológicos e abrem espaço para novos produtos.

Na outra ponta, estão os agricultores, que sentem no bolso como é mais saudável investir em sustentabilidade, já que é possível até fabricar alguns desses produtos na fazenda.

Unica
Pioneira dos macrobiológicos, a cotesia flavipes é a vespinha que salvou os canaviais da broca

Manejo integrado de pragas

Biodefensivos são produtos usados no controle de insetos e doenças que têm como base ingredientes naturais. Podem ser macrobiológicos (ácaros e predadores como mariposas, vespas e ovos), microbiológicos (feitos com bactérias, fungos e vírus) e bioquímicos e semioquímicos (feitos de substâncias sintetizadas em organismos, como hormônios e feromônios, capazes de alterar o comportamento de pragas).

Foi nos canaviais que a onda biológica começou a pegar no Brasil, em 2003, quando uma praga da cana-de-açúcar, a broca, não tinha controle. A praga que causa a podridão vermelha na planta começou a ser combatida ainda em fase de lagarta, com uma vespa, a cotesia flavipes, sua inimiga natural.

Soltas no campo, as vespas localizam o alvo e voam até ele para devorá-lo, reduzindo sua população a um número mínimo de indivíduos, incapazes de dar prejuízo. É o Manejo Integrado de Pragas (MIP), um método agronômico antigo, sustentável, e que voltou com tudo.

"O uso de biodefensivos integrados com outras ferramentas e táticas de controle de pragas é a maneira mais adequada do agricultor obter resultados positivos na três esferas da sustentabilidade: economia, social e ambiental", afirmou o empresário Marcelo Poletti, da Promip, criada em 2006 e pioneira das startups do ramo no país.

Divulgação/Croplife
Amália Borsari, diretora executiva de biológicos da CropLife

Soja e cana são os maiores mercados

Hoje em dia, as lavouras de cana-de-açúcar respondem por 20% do mercado de biodefensivos no Brasil. Amália Borsari, diretora executiva de biológicos da CropLife, afirmou que, agora, é a soja a responsável por ampliar a adoção de biológicos, conforme a pesquisa da Blink. A soja representa 44% do mercado de biológicos e vem crescendo ano a ano.

Soja, milho e algodão passaram a ser contemplados com uma maior oferta de biodefensivos a partir de 2013, quando a lagarta helicoverpa armigera, uma peste que provocou prejuízos superiores a R$ 1 bilhão só em Mato Grosso, chegou ao Brasil. "Não havia agroquímico autorizado para combater a helicoverpa armigera e as soluções biológicas mostraram eficiência em muitas regiões", diz Amália.

Poletti lembrou que culturas de valor agregado, como hortaliças, flores e frutas, já usavam em larga escala os biodefensivos macrobiológicos. Apenas mais recentemente, com as liberações de registros para microbiológicos e novas tecnologias de monitoramento e aplicação, foi possível expandir esses usos para grandes culturas.

Em 2020, dos 493 pesticidas aprovados pelo Ministério da Agricultura Pecuária (MAPA) e Abastecimento, 95 eram biodefensivos. Neste ano, até abril, da lista de 106 aprovações, 34 eram biológicos. "A tendência é que até 2030, haja uma grande vitrine de produtos de baixo impacto, como bioherbicidas", afirmou a diretora.

Kurt Miller/Divulgação

Defensivos são feitos na própria fazenda

Um dos atrativos dos biodefensivos é a redução do custo para o produtor. É possível produzir, na fazenda, os produtos a partir de bactérias e fungos, com uma redução de custo de 40%, em média.

Esse processo é chamado de Multiplicação Onfarm, feito em tanques próprios com cepas adquiridas em laboratórios. "Cada plantação tem características fisiológicas próprias, um ambiente específico", declara o presidente do Grupo de Agricultura Sustentável (Gaas), Rogério Vian. "É preciso analisar o microambiente para determinar quais são os biodefensivos indicados para a área e a partir daí, é possível produzir em pequena ou média escala."

Em Mato Grosso, o Grupo Bom Futuro cultiva 583 mil hectares de grãos e também apostou nos biodefensivos. Na fazenda Filadélfia, criou um laboratório de semioquímicos para grandes culturas para produção sob medida.

A Isca Tecnologias, fornecedora da fazenda, levou para lá profissionais para pesquisar e combater, com feromônios, pragas como a lagarta do cartucho nas roças de milho, percevejo e bicudo no algodão e ferrugem, na soja.

Agenor Mafra Neto, CEO da Isca, explicou que, por meio dos semioquímicos, os insetos são atraídos e mortos, evitando o uso de agroquímicos e danos à plantação ou ao meio ambiente. "Biodefensivos são uma nova janela no mercado. Antes, você tinha que cobrir toda a plantação com agroquímicos. Hoje, é possível, com alguns produtos, cobrir menos de 1% da área com pouca quantidade de biodefensivos e obter resultados melhores", disse.

Marcelo Poletti, da Promip, fundou sua empresa em 2006. De lá para cá, viu pipocar no mercado centenas de startups. "As startups chegam trazendo tecnologias que facilitam a adoção e multiplicam o conhecimento", afirmou. "Hoje, é possível acessar muitas tecnologias em todas as etapas do processo do controle de pragas com biodefensivos."

Segundo ele, o que dificultava a adoção dos biodefensivos em grandes culturas eram as grandes áreas de plantio. "Os biodefensivos agem de forma preventiva e medimos a incidência de pragas com armadilhas. Até alguns anos atrás, só tínhamos armadilhas de papel para serem espalhadas pela área plantada. Hoje, existem sensores, drones, armadilhas digitais", disse. "Antes, para monitorar 50 hectares, levávamos dois dias. Hoje, uma hora."

Divulgação/Fundecitrus
Soltura de vespas Tamarixia Radiata em pomares no interior de São Paulo

Como biodefensivos agem no campo

Semioquímicos são feromônios e agem no sentido usado pelos insetos para se comunicarem, o cheiro. "É por meio do odor que eles localizam as presas, definem o acasalamento e escolhem o local para se reproduzir", afirmou Mafra. "O feromônio pode alterar o comportamento dos insetos e reduzir a sua população naquela área de forma muito eficiente."

Para a aplicação, pode-se usar drone, aeronave, pulverizador ou armadilha. Com armadilhas de captura, pedaços de papel tratados com substâncias que atraem os invasores, é possível saber quando a praga vai atacar. "Espalhamos armadilhas pela plantação e sabemos quando a população do inseto está aumentando", declarou o gerente geral do Fundecitrus, Juliano Ayres. "Entramos com as táticas de controle, sincronizadas com o aumento da população de pragas, para evitar a proliferação."

Uma das doenças que mais provocou prejuízo na produção de produtos cítricos no mundo, o Greening, é controlada no Brasil com uma vespa, a tamarixia. No laboratório do Fundecitrus, em Araraquara (SP), são produzidas 3 milhões de tamarixias por ano para as fazendas da região. Por aqui, a taxa de infestação do Grreening é de 20%, enquanto na Flórida (EUA), é de 95%.

Startups impulsionam o setor

Na semana passada, foi divulgado o Radar Agtech, uma parceria entre Embrapa, a gestora de venture capital SP Ventures e a consultoria de jogos Homo Ludens Research and Consulting indicando que o número de startups do agronegócio cresceu 40% em 2020, com 1.574 empresas. Apenas nos estados de Roraima e Rondônia não existem agtechs, como são chamadas as startups desse mercado.

"O Brasil tem dimensões continentais, o cenário perfeito é a expansão das biofábricas por todas as regiões", disse Poletti. São Paulo é o líder em número de startups, com 757, seguido por Minas Gerais, com 153.

No dia a dia da roça, esse método é chamado de Manejo Integrado de Pragas (MIP). "No ambiente natural, original, a cadeia é composta por inimigos naturais e nós podemos reproduzir este comportamento em ambientes de produção inserindo os inimigos das pragas para combatê-las ao invés de aplicar agroquímicos", declarou o cientista Ernst Gostch..

O MIP, conforme Gostch, pode ser feito em associações de produtos naturais e químicos ou somente com produtos naturais, de acordo com o equilíbrio ecológico da área. "Se há uma infestação de um inseto e existe outro inseto que é seu inimigo natural, e que poderá fazer um trabalho mais saudável e mais barato, não há razões para não seguir este caminho."

A pesquisa da Blink levou em consideração a adoção do MIP pelos agricultores como uma estratégia nas lavouras nacionais nos últimos três anos, os dados fornecidos pelas indústrias de produtos biológicos (a partir dos produtos registrados no Brasil) e a evolução do mercado. "A porcentagem dos produtores que já adotaram a prática de manejo integrado com biológicos chega em torno de 20% da área de produção no país, e está crescendo a cada ano", disse a diretora executiva de biológicos da CropLife, Amália Borsari.

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