O custo da salada

Alta do dólar, pandemia e clima irregular prejudicam agricultores, e consumidor deve encarar salada mais cara

Viviane Taguchi Colaboração para o UOL, em São Paulo iStock

Tomate, alface, cebola e cenoura, o quarteto tradicional no prato de salada do consumidor brasileiro deve ficar mais caro nos próximos meses.

O agricultor paga em dólar o custo de produção desses alimentos, que pertencem ao chamado grupo LFV (legumes-frutas-verduras). E vende em real. Com a alta do dólar, fica mais difícil. Mas não é só isso: a pandemia derrubou o consumo, o clima instável atinge diretamente essas culturas mais sensíveis e a falta de uma política de regulação de preços piora tudo.

Com a queda brusca no consumo de legumes, frutas e verduras durante a pandemia, os produtores ficaram desestimulados a investir na produção e reduziram as áreas plantadas, para minimizar o prejuízo.
João Paulo Deleo, analista agrícola do Centro de Estudos avançados em Economia Aplicada (Cepea), órgão ligado à Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Usp), de Piracicaba (SP).

A redução na área cultivada cortou a oferta e ajudou a equilibrar a relação com a demanda. Mas ainda há outros custos, como mão de obra e logística, diz Deleo.

Acervo pessoal - Hernandez Ferreira de Lima
Tomates jogados fora por produtores

Até 100% da produção jogada fora

Um levantamento feito pelo Cepea e divulgado na segunda quinzena de maio, apontou que, em abril, alimentos como tomate, cenoura e cebola registraram altas em seus preços.

O tomate, que vem enfrentando preços muito baixos há anos devido à grande oferta do produto no mercado, levando os agricultores a jogarem fora até 100% da produção em algumas regiões, agora registrou alta de 21%.

A cenoura teve alta de 55% entre março e abril, e a cebola, 13,8%. Na contramão, está a alface, com queda de 17,8% no preço devido à redução do número de pedidos nos canais de vendas, que ficaram fechados para atender às regras de restrições da pandemia.

No Cinturão Verde (Mogi das Cruzes - SP), onde se destaca a produção de folhas, o clima ameno do outono derrubou a produção das alfaces (lisa, crespa,americana, roxa...) em abril, mas nem com a menor oferta, os preços reagiram.

Chuvas e granizo provocaram grandes perdas nas lavouras levando os produtores, que já estavam cautelosos em relação a investimentos, a plantar bem menos. Já na região de Ibiúna, que é outro polo produtor de folhosas, a oferta aumentou, mas, como a demanda estava muito fraca, os preços caíram.
Mariana Marangon Moreira, analista de mercado do Cepea

Para o órgão, a situação não deve mudar muito nos próximos meses, pois com temperaturas mais baixas, o consumo de alface cai. A pandemia também impacta o consumo.

Arquivo pessoal - Hernandez Ferreira de Lima

Preço do tomate desagrada a produtor e consumidor

Dentre os alimentos que encarecem o prato do consumidor, o tomate é ator principal e até ocupou o papel de vilão da inflação anos atrás. O preço é motivo de reclamação, para produtores e consumidores.

E há muitos motivos para isso: o custo de produção, em dólar, aumentou muito. Na pandemia, o consumo caiu bruscamente, e, sem uma política de regulação de preços, o setor depende da relação de oferta e demanda regional.

Não é só o consumidor que está pagando mais caro. Há vários fatores que impactam a cadeia de produção até chegar ao consumidor.
João Paulo Deleo

Em Faxinal, região norte do Paraná, os tomaticultores estão apreensivos. Rafael Trindade, de 25 anos, cultiva quatro hectares de tomates, do tipo italiano, em estufas, e conta que, a cada oscilação de preços, pensa em desistir da atividade.

É uma situação desesperadora porque, de uma semana para a outra, o preço pode cair pela metade e o custo de produção continua aumentando. Nossos custos incluem semente, adubo, fertilizante, defensivos, todos comprados em dólar, mas nós vendemos tomate em real.
Rafael Trindade

Segundo ele, o custo de produção na sua lavoura gira em torno de R$ 15 mil a cada 1.000 pés de tomate produzido. "Isso sem contar o custo com a mão de obra, pois é uma cultura que demanda muito trabalho e logística", disse.

No ano passado, Trindade jogou 5.000 caixas de tomate no lixo. Para evitar o problema neste ano, ele reduziu a área plantada e acredita que a tendência é diminuir mais nos próximos anos.

Para driblar o problema, vou investir mais em qualidade e menos em quantidade.
Rafael Trindade

Investir para conseguir mais qualidade

Investir em qualidade também é a ferramenta de gestão defendida por Diego Munhoz, engenheiro agrônomo e tomaticultor também no Paraná. E, para melhorar a qualidade, uma das saídas foi investir na produção em estufas.

O problema é que, além da alta nos custos, a pandemia causou falta de matéria-prima, como plástico e aço, materiais básicos para montar e manter a estrutura.

Produzir em estufa é uma forma de elevar a qualidade dos frutos, mas faltou matéria-prima, e isso também impactou o setor.
Diego Munhoz

Segundo Munhoz, no começo da pandemia, os revendedores de insumos chegaram a reduzir suas margens, mas com o agravamento da situação (a alta do dólar frente ao real), a situação saiu de controle.

Hoje, existem insumos em que o custo de venda da safra passada não paga nem o custo do produto.
Diego Munhoz

Até chegar ao consumidor, além do custo para produzir o tomate, a ação de atravessadores, os custos de logística e os impostos também impactam fortemente o preço.
Diego Munhoz

Na safra de verão do ano passado, Munhoz obteve um lucro de R$ 2 por caixa de tomate de 20 kg.

Na segunda safra, caiu uma árvore em cima da estufa e tivemos prejuízo. Agora, estamos colhendo os tomates ainda, aguardando para sabermos se teremos algum lucro ou se vamos apenas pagar contas.
Diego Munhoz

Defensivo biológico reduz custos

Para reduzir o custo de produção, produtores de tomate têm buscado alternativas biológicas: insumos à base de agentes naturais (bactérias, fungos, vírus, feromônios e hormônios), que podem ser preparados na própria fazenda.

Em Ribeirão Branco, tradicional região produtora de tomate no interior de São Paulo, o agricultor Hernandez Ferreira de Lima tem adotado essa tecnologia, mais sustentável, para baixar o seu custo de produção.

Em uma área de dois hectares, ele cultiva tomates Débora, que já têm custo menor que outras variedades. Na fazenda, produz 20 litros por mês de um defensivo biológico que, associado ao extrato de alho, inibe o cheiro da flor do tomate e evita a infestação de pragas.

O custo é de R$ 7 por litro enquanto o produto químico, para a mesma finalidade, custa no mercado, R$ 1.200.

É um trabalho de formiguinha que eu estou fazendo, mas é com esse trabalho que consegui reduzir os custos e consigo me manter no setor.
Hernandez Ferreira de Lima


Ele evitou perder uma boa quantidade de tomates no pico da produção, em fevereiro, quando o clima mudou.

O tomate aguentou duas semanas e fiquei de olho no mercado. Na primeira oportunidade, eu vendi porque a qualidade dos frutos ainda era boa. No mesmo período, meu vizinho jogou no lixo 9.000 caixas.
Hernandez Ferreira de Lima

Com temperaturas mais amenas, o tomateiro se desenvolve lentamente, mas quando as temperaturas sobem, a maturação da planta ocorre rápido, e o produtor não tem tempo para colher, transportar ou vender.

Helen Cathcart/Getty Images

Preço alto ainda é baixo para cenoura e cebola

Os mesmos problemas dos produtores de tomate recaem sobre os produtores de cenoura e cebola: custos em dólar e consumo menor.

Apesar da alta de 55% da cenoura, o valor ainda não cobre os custos de produção. O que salvou a lavoura foi a produtividade alta, 25% acima das safras anteriores, mas produzir ou consumir cenoura no Brasil ainda pesa no bolso.

Nas principais regiões produtoras -São Gotardo (MG) e Cristalina (GO)-, o mercado é desfavorável para o agricultor. "A rentabilidade média do produtor ficou 8% abaixo dos seus custos", apontou o relatório do Cepea.

Para produzir 1 kg de cenoura, o agricultor gasta R$ 0,62. No mercado, ela é vendida em caixas de 29 kg, então, o produtor gasta R$ 17,98/caixa, mas vende por R$ 16,48.

A colheita está avançando neste mês, mas os preços não devem mudar, pois não haverá aumento na oferta. "Na outra ponta, o consumo pode ter uma retomada, já que as medidas de restrição à circulação estão sendo afrouxadas", disse Marina Marangoni.

Para a cebola, a alta de quase 14% foi justificada pelo fim da safra. Restou pouca cebola no mercado e foi preciso importar cebola argentina, o que fez subir o preço.

Os preços podem cair nas próximas semanas, por causa da safra na região Nordeste (a região possui um calendário agrícola diferente do Centro-Sul).

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