Por que o agro rachou?

Bolsonaro, crise política e queimadas provocam racha inédito no agronegócio; conheça os grupos

Viviane Taguchi Colaboração para o UOL Dirceu Portugal/Folhapress
Marcelo Justo/Folhapress

A radicalização política do país está causando uma divisão inédita no agronegócio, opondo grupos que apoiam a agenda de viés golpista do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e outros preocupados com a imagem do Brasil e o relacionamento comercial com o exterior. Também há divergências sobre desmatamento ilegal e descontrole de queimadas.

Os porta-vozes do setor não admitem um racha, mas, sim, "diferentes interesses". Eles evitam se posicionar e se declarar abertamente, porque temem retaliações, mas nos bastidores, a divisão é clara: quem está do lado de dentro da porteira (produtores rurais) apoia o governo e, do lado de fora da porteira, agroindústria e tradings (negociadores no mercado internacional) temem retaliações comerciais aos produtos brasileiros, devido à crise de imagem.

O agro brasileiro só tem crescido nas últimas décadas. Em 1970, a participação do setor no PIB (Produto Interno Bruto) nacional era de 7,5%. Em 2020, já como maior produtor de soja do mundo, a participação subiu para 26,6%, conforme o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/USP).

E a tendência, segundo o órgão, é que em 2021, o PIB do agro continue crescendo. No acumulado do ano, já avançou 9,81% sobre o mesmo período do ano passado.

No ano passado, 48% das exportações totais brasileiras tiveram origem no agronegócio e, agora, esse percentual pode subir mais. Evitar turbulências que atrapalhem essa perspectivas é uma das preocupações de parte importante do setor.

Divulgação/Sindicato Rural de Sinop
Presidente da Aprosoja, Antonio Galvan (no alto), em tratoraço no dia de depoimento à Polícia Federal

Racha político

No começo do mês, posicionamentos políticos públicos mostraram que o agro, forte apoiador da candidatura de Jair Bolsonaro em 2018, começava a rachar.

Em carta, entidades da agroindústria pediram paz e tranquilidade para o desenvolvimento do país ser efetivo e sustentável. E ainda defenderam que o Brasil não pode aceitar qualquer tipo de violência entre pessoas ou grupos.

Assinaram a carta sete associações que, juntas, representam 336 companhias, a maioria multinacionais. O documento ganhou repercussão, principalmente porque a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), com mais de 200 associadas, recuou em cima da hora.

"O manifesto foi emitido pelo momento em que estamos vivendo, e não para que as entidades se posicionassem contra ou a favor do governo", declarou o executivo de uma das associações que subscreveram o documento. "Não é nosso papel", disse. Ele não quis se identificar.

"Nesse episódio, a única entidade que se posicionou politicamente foi a Fiesp, que recuou no último instante. Ele [Paulo Skaf, presidente da Fiesp] pulou fora", disse. "O posicionamento das entidades que deram a sua cara foi claro: o país precisa de estabilidade, não é contra nem a favor do governo."

A Fiesp iria participar desse documento original, mas desistiu e só lançou uma carta própria dois dias depois do 7 de Setembro.

Divulgação/Expointer
Gedeão Pereira, presidente da Farsul, e o presidente Jair Bolsonaro na abertura da Expointer, em setembro

Empresa nega, mas vídeos mostram patrocínio do agro

No fim de agosto, o presidente da Associação dos Produtores de Soja (Aprosoja), de Mato Grosso, Antonio Galvan, entrou no noticiário por suspeita de estimular e financiar atos antidemocráticos.

Proibido de se aproximar da Esplanada dos Ministérios para as comemorações do dia 7 de Setembro, Galvan usou as mídias sociais para negar que planejasse atos violentos.

A Aprosoja, maior associação de produtores de soja (só em MT, são 7.500 associados), emitiu nota afirmando que não financiaria a ida de produtores a Brasília, mas apoiaria as manifestações. "A ida de produtores é espontânea", dizia a nota.

Outras associações de produtores seguiram o exemplo e garantiram apoio às manifestações. Gedeão Pereira, presidente da Federação de Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), culpou o STF e o Senado pela "relação conflituosa estabelecida entre os Poderes da República".

Em São Paulo, o deputado Frederico D'Avila (PSL-SP), ligado à tradicional Sociedade Rural Brasileira (SRB), pediu que as empresas que assinaram o manifesto pela democracia abandonassem as entidades que criticam o governo. E nas redes sociais também circularam vídeos de grupos viajando a Brasília, supostamente financiados por empresas do agro.

O Grupo Jacto, de Pompeia (SP), uma das empresas citadas em vídeo, emitiu nota negando o financiamento da caravana e distribuição do "bolsovoucher", ajuda de custo para os participantes.

Mais tarde, a empresa assumiu que Takashi Nishimura, um dos acionistas do grupo e que não exerce cargo na companhia, poderia ter sido o responsável por levar o grupo a Brasília.

Setor tem interesses conflitantes

O cientista político e diretor-executivo da Croplife Brasil, uma das entidades que subscreveram o manifesto pela democracia, Christian Lohbauer, afirma que o setor não está dividido, mas que existem diferentes agendas e interesses específicos de cada segmento. Lohbauer concorreu na eleição presidencial de 2018 como vice de João Amoêdo pelo Partido Novo. Ele saiu do partido,

"É um setor heterogêneo, com muitas entidades e associações que andam juntas, mas possuem pautas diferentes", afirmou. "Cada associação defende seus interesses, mas a agenda antidemocrática e anticonstitucional não faz parte da pauta do agro."

Lohbauer diz que o setor defende, em conjunto, pautas como as relativas às questões fundiárias, terras indígenas, invasão de terras, sustentabilidade e cadastro ambiental rural, entre outras, mas as demais agendas que geram rupturas institucionais, como as ameaças ao STF ou o bloqueio de rodovias por caminhoneiros, não são do setor.

Não representa [o agro], o que está acontecendo é uma confusão de agendas, e ganha destaque quem vai às redes sociais gritar mais alto.
Christian Lohbauer

Segundo ele, nos bastidores do setor em Brasília, representado pelo Instituto Pensar Agropecuária (IPA), uma entidade que reúne os principais líderes do segmento, das 48 associadas, pelo menos 42 seguem a agenda do "sossego para trabalhar". "Essa é a agenda majoritária. A minoria faz barulho na internet, e vamos ter que nos acostumar com isso".

Criar polêmica com objetivos eleitorais

Para alguns representantes do agronegócio, a defesa de pautas conservadoras, além de não representar as demandas reais do setor (exportações, boa imagem e sustentabilidade), demonstra interesses pessoais e eleitoreiros.

"O posicionamento radical e o apoio a atos antidemocráticos ganharam repercussão porque vêm de dentro de uma associação cuja movimentação financeira é de R$ 50 milhões por mês", afirmou um executivo do setor de exportações, que pediu para não se identificar.

"O dinheiro tem um poder de mobilização grande, mas essa é uma agenda de campanha eleitoral pessoal do Galvan [da Aprosoja] para o Senado", afirmou. "Para ele, importante é fazer barulho e criar polêmica."

Segundo esse executivo, a ideia de que o agro está dividido ou rachado ganha força porque há no setor líderes endinheirados e conservadores, que, quando falam em seus redutos regionais, têm o poder de mobilizar muitas pessoas devido à força econômica.

"Chegam a ocupar cargos de articulação entre o governo e o setor, o que requer um perfil liberal, mas na verdade são pessoas extremamente conservadoras, ligadas às pautas de costumes e que falam alto, mas não é o todo."

Outro representante do agro que também não quis se manifestar publicamente afirma que o que está ocorrendo é uma "sede de poder", que chegou com a ascensão da direita conservadora ao governo.

"Tivemos o governo de FHC, que criou o Ministério da Reforma Agrária; em seguida, anos do governo petista. Então, quando a direita conservadora, que é meia dúzia do setor, com poder de mobilização, chegou ao poder, se sentiu embevecida", afirmou. "Chegou o momento deles, e essa vontade de gritar. Mas a pauta é pessoal e eleitoreira".

Procurado pela reportagem, o presidente da Aprosoja/MT não respondeu até a publicação deste texto.

O mercado dita as regras

O barulho político do setor agropecuário preocupa, mas não deve atrapalhar os negócios futuros.

"É certo que o Brasil passa por uma crise de imagem, devido à alta do desmatamento ilegal e às queimadas. A economia pode sofrer as consequências da crise institucional e isso se refletir no setor. Mas tudo faz parte do jogo. O mercado estabelecido é quem dita as regras", diz Christian Lohbauer,

Para o cientista político, atingir as metas, avançar no mercado de carbono e na organização do setor é uma agenda muito mais importante para o setor.

Seguindo essa pauta, baseada em organização e sustentabilidade, já é possível identificar grupos de produtores rurais se formando nas principais regiões produtoras para "mostrar o trabalho real do campo, longe da política".

Em Goiás e Minas Gerais, produtores rurais e empresários do setor estão se unindo para combater a imagem negativa gerada por polêmicas ambientais, o aumento do desmatamento ilegal e o avanço das queimadas.

"É a pauta do dia. O pessoal lá fora só acha que o Brasil inteiro está queimando. Nós, produtores, precisamos nos unir para mostrar o nosso trabalho", disse um produtor de Goiás, que também pediu para não ter seu nome publicado.

"É um setor poderoso, que gera muitas riquezas para o país. Hoje ainda somos minoria porque o preço internacional das commodities está bom, mas quando o preço cair, boa parte dos produtores vai parar de olhar para a política e pensar: o que estamos fazendo?", afirmou.

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