Boi, soja e floresta

Técnica integrada permite plantar soja, milho, eucalipto e criar boi na mesma área e sem desmatar mais

Viviane Taguchi Colaboração para o UOL, de São Paulo Embrapa
Divulgação
Presidente da Rede ILPF, Renato Rodrigues

Existe uma técnica que permite produzir mais e usar menos terra, protegendo o ambiente e reduzindo o desmatamento. Esse sistema, chamado de ILPF (Integração Lavoura-Pecuária-Floresta) é capaz de produzir até quatro culturas diferentes na mesma área, e sua adoção está crescendo no Brasil.

A área agrícola cultivada com sistemas integrados deve dobrar de tamanho até 2030 e chegar a 35 milhões de hectares.

A previsão é da Rede ILPF, associação de empresas, bancos e produtores com o objetivo de acelerar a adoção da técnica no Brasil.

Em 2005 o país tinha 2 milhões de hectares cultivados em ILPF. Em 2015, eram 11,5 milhões de hectares. Com esse crescimento, cai a necessidade de abrir novas terras para cultivo ou pastagem.

Em 25 anos, "foi um ganho de 200% em produtividade e um efeito poupa-terra de 200 milhões de hectares", disse o presidente da Rede ILPF, Renato Rodrigues.

Até 2030, 3 milhões desses hectares já terão, também, certificação e podem atrair até US$ 700 bilhões de fundos de investimentos, estima a Rede.

A estimativa foi apresentada na semana passada, na Santa Brígida Open Farm. O evento, virtual, foi realizado para substituir o tradicional (e presencial) dia de campo da Fazenda Santa Brígida, em Ipameri (GO). A fazenda é pioneira na adoção do sistema, na obtenção de financiamento do Programa ABC (Agricultura de Baixo Carbono) do governo em 2010 e, ainda, a primeira a ser certificada.

Atualmente, existem 17,4 milhões de hectares integrados cultivados em diferentes modelos. Segundo o presidente, com 35 milhões de hectares de área cultivada com essa técnica será possível dobrar a produção de grãos e carnes sem desmatar novas áreas com custo de produção 54% menor.

Ele também apontou a redução da emissão de 2,5 milhões de toneladas de gás carbônico com ILPF. "O Brasil tem condições de ser a maior potência de produção sustentável de alimentos do planeta."

Embrapa
Integração pecuária e floresta

Sistemas integrados para reduzir área

A ILPF (Integração Lavoura-Pecuária-Floresta) é uma estratégia de manejo que integra as atividades agrícola, pecuária e florestal na mesma área. Assim, permite a produção de duas safras anuais, um ciclo de engorda de cado por ano e uma colheita extra a cada sete anos: uma safra de soja, uma de milho, a terceira safra, de boi e, ao final de sete anos, uma colheita de madeira.

"É uma técnica de manejo que permite aumentar a produção de alimentos sem desmatamentos", diz Rodrigues.

O sistema funciona com atividades alternadas. O produtor planta árvores entre as áreas de cultivo, chamados de talhões, onde produz soja na safra de verão. Após a colheita, vem o milho, plantado com o capim braquiária. Após a colheita do cereal, o capim servirá de pasto farto para engordar o boi.

Criada pela Embrapa, a ILPF pode ser utilizada em modelos como o agropastoril, agricultura com a pecuária, o sistema silviagrícola, lavoura e florestas, ou silvipastoril, gado na floresta plantada.

"A integração lavoura, pecuária e floresta é o sistema que contempla todas as atividades possíveis de serem desenvolvidas em uma mesma área", declarou o pesquisador da Embrapa Arroz e Feijão, de Goiás, João Kluthcouski, um dos criadores da técnica.

CNA/Divulgação
Marize Porto, da Fazenda Santa Brígida

Solos saudáveis e boi gordo

Kluthcouski foi responsável por transformar a Fazenda Santa Brígida, em Ipameri (GO). Em 2005, Marize Porto herdou a fazenda, que explorava a pecuária de corte. "Era uma fazenda com pastagens degradadas, uma dívida grande e uma proprietária que não sabia nem por onde começar", disse Marize. "Fui até lá [Embrapa] pedir ajuda, um caminho. Acreditei no Kluthcouski e hoje somos exemplos de uma agropecuária sustentável em todo o mundo."

A Santa Brígida, de 600 hectares, hoje é vitrine da técnica e reconhecida por órgãos internacionais. Para recuperar a fazenda, Marize e Kluthcouski apostaram, inicialmente, na integração lavoura pecuária (ILP) para renovar os pastos com os custos amortizados pela agricultura. O componente florestal foi inserido em 2009. "Foi uma reforma de pasto com custo zero", afirmou Kluthcouski.

O cultivo e a venda da soja pagaram a conta da correção do solo e renovação de pastos. No sistema, os custos de produção da pecuária são amortizados pela renda obtida com o cultivo de grãos, sobretudo commodities como soja e milho, que atingiram preços históricos nesta safra.

"No ciclo de pecuária, a pastagem se beneficia da adubação residual deixada pela produção de grãos e o ciclo subsequente de grãos se beneficia da melhoria das condições físico-químicas do solo proporcionadas pela pastagem", disse Kluthcouski. "E o gado se beneficia das sombras das árvores para engordar mais rápido."

Viviane Taguchi
Pasto degradado no Goiás

Pastagens degradadas geram dano ambiental

O Brasil tem aproximadamente 172 milhões de hectares destinados a pastagens, com diferentes níveis de produtividade, de acordo com um estudo sobre a qualidade dos pastos feito pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Deste total, cerca de 90 milhões de hectares são considerados pastos degradados.

A degradação da pastagem acontece quando a capacidade do pasto (vegetação) não supre as necessidades dos animais. Mas reformar pasto é caro. Segundo a Scot Consultoria, a reforma usual - que inclui análise, correção de solo, sementes e semeadura - gira em torno de R$ 2.000 por hectare. Já uma reforma de alta tecnologia, com a escolha de forrageiras de melhor qualidade, pode ultrapassar R$ 3.000 por hectare.

A área degradada era bem maior, mas retraiu em 26,8 milhões de hectares entre os anos de 2010 e 2019 com o Plano ABC.

"Se metade da área de pastagens degradadas fossem convertidas para sistemas de ILPF, seria possível tornar o Brasil um país carbono neutro, não somente no setor do agronegócio, mas em todos os setores, incluindo energia e indústria", disse Rodrigues.

Fundo de investimento para ampliar área integrada

No ano passado, durante a realização da Climate Week, em Nova York, foi lançado o Sustentainable Agriculture Finance Facility (SAFF), um mecanismo financeiro criado para promover a adoção do sistema no Brasil.

Para acessar o fundo, o agricultor precisa ser monitorado e a propriedade, certificada por um sistema que mede a eficiência do sistema, chamado TrustScore. "As fazendas precisam alcançar uma pontuação mínima para poder obter o financiamento", afirmou Rodrigues. Além disso, quanto maior for o índice de sustentabilidade, menores os juros.

No primeiro ano, o fundo disponibilizou US$ 68 milhões (R$ 350 milhões) para os agricultores - US$ 62 milhões em crédito para o produtor e US$ 6 milhões para financiamento de programas de certificação, pesquisa, transferência de tecnologia, assistência técnica e certificações. A cada ano, o valor disponibilizado aumenta e pode chegar a US$ 1,4 bilhão em 2026.

O projeto-piloto está sendo implantado em sete estados - Paraná, São Paulo, Bahia, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul - totalizando 90 mil hectares e termina em julho. "O SAFF é uma ferramenta importante para alcançarmos o nosso objetivo até 2030, diz Rodrigues.

Brasil pode ganhar em R$ 700 bi em títulos verdes

A Santa Brígida foi a primeira fazenda brasileira a obter a certificação através do TrustScore. José Pugas, head de ESG da Ceptis Agro, empresa criadora da tecnologia TrustScore, diz que o sistema é o único, segundo ele, capaz de verificar e acompanhar em tempo real 120 critérios ambientais, econômicos e sociais das propriedades.

Futuramente, segundo Pugas, os agricultores que adotaram o sistema de integração de culturas ILPF poderão ainda pagar parte dos seus empréstimos por meio da emissão de créditos de carbono que serão comercializados pelo fundo SAFF ou por investidores. Segundo ele, o mercado de títulos verdes (Green bonds) já representa US$ 1 trilhão e, no Brasil, gira em torno de US$ 9 bilhões.

No agronegócio, os Green bonds são ligados à produção de alimentos de forma responsável e eficiente. "É uma excelente alternativa para diversificar a base de investimentos, além de posicionar o Brasil como a maior potência de produção sustentável do mundo", disse Pugas. Até 2030, as propriedades certificadas em ILPF podem atrair R$ 700 bilhões em Green Bonds para o país, segundo projeções da Rede ILPF.

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