Lucro com soja 'natural'

Soja orgânica é mais barata de produzir, tem melhor preço de venda, mas ainda é só 2% do mercado

Vinicius Galera Colaboração para o UOL, em São Paulo iStock/fotokostic

A produção de soja deve bater um novo recorde no Brasil, de acordo com o levantamento de safra atualizado da Companhia Nacional de Abastecimento feito em julho. O país deve alcançar 135,9 milhões de toneladas no ciclo 2020/2021, registrando um aumento de 8,9% ou 11 milhões de toneladas a mais em relação à safra passada, quando produziu 124,8 milhões de toneladas do grão.

Com um ambiente favorável composto por preços recordes e alta procura mundial pelo grão, o Brasil nunca produziu tanta soja.

Do total, apenas 2% da soja deve ser orgânica. Mas a produção, considerada um nicho de mercado, tende a crescer com a demanda por alimentação saudável e as exigências ambientais que pressionam o agronegócio a adotar boas práticas agrícolas.

Mais do que tudo, fazer soja orgânica é um bom negócio. Segundo o presidente do Grupo Associado de Agricultura Sustentável (GAAS), Rogério Vian, além de um custo 50% menor em termos de insumos, o preço para a venda é muito vantajoso.

Hoje, uma saca de soja transgênica de 60 kg, a dominante no Brasil, é vendida por cerca de R$ 160. Já para o grão convencional, que não tem modificação genética, o preço é de R$ 180. Mas os produtores de orgânico, como Rogério, ganham em torno de R$ 220 por saca, ou seja, 37,% a mais que o grão dominante. Além disso, a produção tem uma rentabilidade 27% maior por hectare produzido.

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Plantação de soja

Soja predominante é transgênica

O Brasil é o maior produtor mundial de soja. A cultura é disseminada por ter um alto teor de proteínas. Além do óleo, o grão produz um farelo utilizado em rações de aves, suínos e bovinos, entre outras dezenas de aplicações.

Em termos agronômicos, a soja é uma das produções que mais demanda tecnologia. Fora adubos, corretivos e maquinário, existem centenas de cultivares, nome que é dado à variedade da planta, cada uma com uma orientação específica: teor de proteína, resistência a pragas, velocidade de crescimento etc.

A principal variedade disponível tem uma tecnologia transgênica chamada RR (de Roundup Ready). Estima-se que 96% da soja utilizada no Brasil seja RR, caracterizada pela resistência a um herbicida muito utilizado nas plantações chamado glifosato.

O glifosato é um agrotóxico que, se não utilizado corretamente, pode causar danos às plantas e à saúde humana. Além disso, o uso indiscriminado pode levar as plantas daninhas a desenvolverem resistência.

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A pesquisadora da Embrapa Soja, Claudine Seixas

O que é soja orgânica?

A pesquisadora da Embrapa Soja, Claudine Seixas, explica que, para serem consideradas orgânicas, as plantações devem seguir as determinações da lei de produção orgânica.

Entre as exigências, basicamente as variedades da planta precisam ser convencionais. Ou seja, não podem ser transgênicos ou, tecnicamente, organismos geneticamente modificados (OGMs), e as lavouras não podem utilizar insumos químicos como agrotóxicos. Nem todo produtor que trabalha com as variedades convencionais, no entanto, está dentro da agricultura orgânica.

Além da legislação, existem certificadoras que adotam outras regras para a produção orgânica. É o caso do Instituto Biodinâmico, por exemplo.

Os produtores também podem atestar as lavouras orgânicas por meio da certificação participativa, no qual as auditorias são feitas por amostragem. "O que acontece em um produtor vai se refletir em todo o grupo", afirma Claudine. As certificações são fundamentais para a produção e o comércio do produto.

A pesquisadora da Embrapa Soja diz que não é porque o grão é orgânico que sua produção será isenta de outros insumos, mas os que são utilizados têm menor impacto ambiental.

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Soja orgânica ao redor de reserva ambiental

Rogério Vian, da cidade de Mineiros, em Goiás, tem uma produção de soja orgânica certificada pelo Instituto Biodinâmico no entorno do Parque Nacional das Emas, unidade de conservação ambiental.

De família de produtores, ele sempre produziu soja. Conforme a lei limitava o uso de agroquímicos e transgênicos nos limites do parque, Rogério caminhou naturalmente para a produção orgânica.

"Eu já fazia o plantio direto, mas usava muito químico", diz, referindo-se à técnica que consiste em plantar diretamente sobre a palhada, sem revolver a terra, e que impulsionou o desenvolvimento da agricultura brasileira.

Agrônomo de formação, começou a ir atrás do conhecimento que a faculdade de agronomia, segundo ele, não fornece. Logo, tomou contato com a obra da agrônoma Ana Maria Primavesi, austríaca radicada no Brasil considerada pioneira no estudo dos solos tropicais e da agricultura orgânica ou agroecologia.

"Ela dizia que, se o solo for saudável, as plantas, os animais e os indivíduos também serão. Precisamos ter uma planta saudável para ter uma alimentação saudável. Comecei a virar a chave", diz.

Com esse incentivo, Rogério se tornou um dos criadores de uma associação de agricultura sustentável, o Grupo Associado de Agricultura Sustentável, que reúne 650 sócios. Os associados do grupo somam mais de 6 milhões de hectares, menos de 10% do total, e o plano é reduzir em 80% a aplicação de agrotóxicos.

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Entre o orgânico e o convencional

Hoje, em Mineiros, o agricultor Rogério Vian planta 400 hectares de soja orgânica com produtividade de cerca de 50 sacas por hectare.

A principal demanda, muito maior que a produção que existe hoje, é de empresas que trabalham com proteína orgânica: leite, ovos, carne de frango, boi e suínos. "Tenho sido procurado por tanta gente. Se eu fizesse dez vezes mais teria mercado do mesmo jeito", diz.

Além disso, ele explica que o modelo é muito rentável - a produção pode ser 27% maior. "É muito mais barato. Nós utilizamos pó de rocha e bioinsumos produzidos na fazenda como adubo. Além disso, o impacto ambiental é muito baixo. Você não mexe na terra, tem todos os inimigos naturais conservados, faz rotação de culturas. A diversidade é tão grande que a gente tem até minhoca."

Apesar da maior rentabilidade, a produção é baixa porque ainda é de nicho. Não há tanta demanda como no caso da soja convencional. A variedade orgânica tende a crescer, mas é provável que nunca seja dominante. Além disso, é mais trabalhoso produzir orgânicos.

O produtor, que está focado na soja orgânica, explica que o GAAS pretende trazer todos os modelos de agriculturas para o mundo sustentável, não apenas os produtores orgânicos. "Somos o caminho do meio, nem orgânico, nem convencional. A maioria não quer ser só orgânico por causa da burocracia da lei", diz.

Agropecuária do futuro será mais eficiente e sustentável

Uma coisa é certa. Mesmo que a soja orgânica não se torne dominante, a cultura convencional ou não orgânica tenderá a ser cada vez mais sustentável.

Pesquisadora da Embrapa Pesca e Aquicultura, de Tocantins, Márcia Mascarenhas Grise desenvolve há dois anos um projeto de soja de agricultura de baixo impacto ambiental, com baixa emissão de gás carbônico.

Seu projeto está na região do Matopiba, acrônimo que compreende regiões do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, considerado a última fronteira agrícola do Brasil.

Realizado em sete municípios do entorno da cidade de Porto Nacional, o projeto foi recentemente reconhecido pela ONU e já aumentou a produtividade de algumas fazendas em até 10 sacas por hectare. "Ainda são resultados preliminares, mas muito promissores", diz Márcia.

Segundo a pesquisadora, a equipe responsável acredita não mais ser possível fazer soja no Cerrado sem respeitar premissas sustentáveis.

"O produtor não vai sustentar a produtividade elevada por muito tempo. Se não se profissionalizar e buscar tecnologias mais intensivas, ele vai sair da atividade. O futuro da agropecuária é mais eficiente e intensificado. Teremos que fazer mais safras em áreas menores, integrar e lançar mão de tecnologias que garantam a sustentabilidade produtiva e ambiental.

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