O Vale do Silício caipira

Como Piracicaba, no interior de SP, tornou-se um dos principais centros de inovação do agronegócio brasileiro

Renato Pezzotti Colaboração para o UOL, de São Paulo Divulgação/Helio Graça

O Brasil tem cada vez mais startups voltadas ao agronegócio, as "agtechs". Muitas se concentram em um só lugar, apelidado de Vale do Silício Caipira, em uma comparação direta com a região de São Francisco, nos Estados Unidos, que reúne as principais empresas de tecnologia do mundo.

Segundo dados do Radar Agtech 2020/2021, produzido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o Brasil possui 1.574 agtechs. O número é 40% maior do que o mapeado na última edição da pesquisa, em 2019. O estudo aponta que São Paulo (com 345) e Piracicaba (com 60) são as primeiras colocadas no ranking entre as cidades com mais agtechs no país.

Mas como Piracicaba, cidade do interior paulista, localizada a 160 quilômetros da capital, se transformou na "Vale do Silício caipira"?

O espírito empreendedor da região é uma das respostas. O patrono é o agrônomo Luiz de Queiroz, que inaugurou uma fábrica têxtil na cidade em 1874. Em 1889, doou uma fazenda ao governo do estado, com a condição de que se construísse uma escola agrícola no local.

Em 1901, nascia a Escola Agrícola Prática de Piracicaba, hoje conhecida como Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq). 120 anos depois, quase 200 empresas e instituições fazem parte do ecossistema de inovação da cidade, entre elas companhias como Bayer, Raízen e Suzano.

Divulgação/Gerhard Waller

Criação de empresas pela via acadêmica

Em 1994, a Esalq criou uma incubadora de empresas que, em 2006, ganhou forma e se tornou a EsalqTec e hoje dá suporte para a criação de startups, micro e pequenas empresas de inovação.

O objetivo é aliar alunos e empreendedores ao "campo de provas" da escola: a fazenda Areão, que possui 1,3 milhão de metros quadrados de extensão (cerca de 180 campos de futebol).

"No Brasil, muitos ambientes de inovação encaram o risco financeiro das ideias. Aqui, encaramos o risco tecnológico delas. Nossa grande pergunta é: isso vai funcionar?", diz Sergio Marcus Barbosa, gerente executivo da EsalqTec.

A incubadora possui, atualmente, 117 empresas associadas, sete delas residentes. A Agromakers é uma delas. A startup interpreta a necessidade de quanto e em qual momento as plantas precisam ser molhadas. Com isso, o sistema de irrigação pode se tornar autônomo, ou comandado por um aplicativo. Uma das promessas é reduzir o consumo de energia em até 40%.

"A agricultura atravessa um processo muito forte de digitalização. O Brasil possui, hoje, o maior movimento agtech do mundo. A geração de conhecimento é feita por pessoas, sejam pesquisadores ou empreendedores, em um ambiente saudável", declara Sergio.

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Flavio Castellari, diretor-executivo do Parque Tecnológico de Piracicaba

Uma casa para todos: o Parque Tecnológico de Piracicaba

A criação do Apla (Arranjo Produtivo Local do Álcool da Região de Piracicaba), em 2005, também foi importante para tornar a região um polo inovador. O arranjo foi feito a partir da união de poder público e instituições privadas.

O Apla foi o alicerce para o nascimento de outra joia da cidade: o Parque Tecnológico de Piracicaba "Emilio Bruno Germek", fundado em 2012, com uma área de total de 2,27 milhões de metros quadrados -que incluem a Fazenda Areão.

No Parque Tecnológico de Piracicaba (PTP), estão sediadas unidades da Faculdade de Tecnologia de São Paulo (FATEC), o Instituto Federal de São Paulo (IFSP), 7 hubs de inovação e o centro administrativo da Raízen.

"A ideia de fortalecer o ecossistema com o parque aconteceu em 2007. Depois de visitas a locais semelhantes nos Estados Unidos e na Europa, decidimos desenvolver um espaço onde as empresas iriam se integrar de forma orgânica. Deu certo", diz Flavio Castellari, diretor-executivo do PTP.

Segundo Flavio, antes da pandemia, quase 5.000 pessoas circulavam diariamente no local. "A grande vantagem é a concentração de pessoas com os mesmos objetivos. A empresa que decide vir para cá mostra que quer fincar raiz no agronegócio.", declara Castellari.

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Pedro Chamochumbi, assessor especial de projetos da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de Piracicaba

Nasce o AgTech Valley

Mesmo com todas as iniciativas, o ecossistema percebia que faltava algo para identificar produtos, tecnologias e empresas nascidas na região. Assim, em julho de 2016 foi criado o selo "AgTechValley", de domínio público, para todos os interessados em associar a marca ao seu negócio.

"A tecnologia, a inovação e a geração de conhecimento sempre estiveram presentes na história de Piracicaba. Faltava uma marca que gerasse uma identificação da sociedade local com esse ecossistema tecnológico", afirma Sergio, da EsalqTec.

"O desafio é comunicar essa ideia de Piracicaba como sistema de inovação bem consolidado, mostrando a sinergia entre academia, Governo e empresas privadas", declara Pedro Chamochumbi, assessor especial de projetos da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de Piracicaba.

O cargo de Chamochumbi, inclusive, foi criado este ano, para apoiar empreendedores de qualquer estágio e criar uma governança do setor para o município, além de realizar pesquisas e estudos. "A região se desenvolve por conta da força dos empreendedores. Sem a força de todo o ecossistema, não teríamos essa densidade de inovação", afirma Pedro.

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Espaço interno da AgTech Garage

Startups de diferentes setores

"O sistema local de inovação é muito bem estruturado. Possui escolas técnicas, aceleradoras, mecanismos de fomento, incubadora e hubs", diz Pedro. AgTech Garage, AnimalsHub, Avance Hub, Gazebo e Pulse são alguns destes integradores.

O AgTech Garage, por exemplo, possui cerca de 800 startups conectadas em sua comunidade virtual - 67 delas atuam em sua sede. Fundado em 2016, a partir de um coworking, o Agtech Garage é especializado em agronegócio, mas também trabalha com outros dez setores econômicos.

Atualmente, possui parcerias com mais de 50 empresas. Um de seus programas realiza desafios para selecionar soluções tecnológicas que poderão ser contratadas por multinacionais. Neste formato, já uniu startups com empresas como Danone, Nestlé Purina, Suzano e TIM.

"A parceria com o AgTech Garage é exemplo de como o ecossistema só funciona com a colaboração. Eles nos ajudam em toda a jornada, até mesmo para capacitar nossa rede de parceiros. Precisamos, por exemplo, empoderar pequenos agricultores com dados, para que possamos contribuir de fato com o mercado", diz André Fukugauti, gerente de projetos em Inovação Aberta da divisão agrícola da Bayer, uma das empresas patrocinadoras do hub.

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Pulse Hub da Raízen em Piracicaba

Raiz (e energia) sucroalcooleira

Piracicaba também é conhecida historicamente pela sua grande vocação para o plantio de cana de açúcar -tanto que a principal estrada da região chama Rodovia do Açúcar. Atualmente, segundo dados da Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar), a cidade é o 7º maior polo de cana no estado de São Paulo.

A Raízen escolheu a cidade para abrigar grande parte de suas operações. O centro administrativo da companhia fica dentro do Parque Tecnológico. Lá, atuam mais de 3 mil colaboradores da empresa, de áreas como analytics, tecnologia da informação e produtos digitais.

Além disso, o PTP abriga o escritório do Pulse, hub de inovação da empresa, aberto há 4 anos. A integradora de inovação, que possui patrocínio de empresas como Mitsubishi e CNH Industrial, tem cerca de 500 startups em sua base, 38 startups associadas e já executou mais de 70 projetos, com 25 contratos assinados.

O Pulse também realizou três "hackatons" - espécie de reunião de pessoas e empresas para solução de problemas específicos. No ano passado, um desses resultou num projeto-piloto com a Sicombus, startup que faz gestão online de combustível, onde foi possível testar uma nova tecnologia para gestão de frotas veiculares.

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