Recorde no mundo dos vinhos

Produção de vinho brasileiro deve subir 59% neste ano; pandemia impulsiona consumo

Vinicius Galera Colaboração para o UOL, de São Paulo jensenwy/iStock

O setor do vinho brasileiro vive a expectativa de uma alta significativa na produção em 2021. Somente no Rio Grande do Sul, estado que responde por 90% da produção brasileira, devem ser produzidas 800 mil toneladas de uva, um aumento de 59% em relação a 2020 (504 mil toneladas).

Diferentemente de 2020, quando fatores climáticos interferiram no desenvolvimento das videiras, a safra colhida neste ano no Rio Grande do Sul foi muito boa.

Segundo a Associação Gaúcha De Vinicultores (Agavi), que representa 40% da produção gaúcha de vinhos, sucos e espumantes, a produção ainda não está fechada e pode ser maior.

Thiago Santos/iStock
Vinícola no Vale dos Vinhedos em Bento Gonçalves, RS

Setor carece de números e de representatividade

Por ser uma cultura considerada pequena que tem na origem uma atividade bastante familiar - a produção de uvas —, o universo do vinho no Brasil sofre com alguma dificuldade na consolidação dos números da produção.

O diretor executivo da Agavi, Darci Dani, diz que hoje o Ministério da Agricultura não tem números sobre a produção brasileira de vinhos, apesar de ter iniciado recentemente um cadastro de produtores. Como o setor está bastante concentrado no Rio Grande do Sul, apesar do surgimento de novos e importantes polos produtivos, a secretaria de agricultura do estado gaúcho acaba sendo a referência.

Outro problema, segundo Darci Dani, é a falta de representatividade, situação que se agravou com a extinção do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin) em 2019. O Ibravin era um órgão de referência para a produção em todo o país.

"Não temos mais atividade porque o estado [do Rio Grande do Sul] se negou a continuar o convênio", diz o diretor. A manutenção do instituto era feita pelos produtores gaúchos em parceria com o governo do estado.

Darci Dani, que foi conselheiro do Ibravin, diz que, desde que surgiu, todas as decisões no instituto eram tomadas por unanimidade entre indústria, cooperativas e produtores. Além disso, apesar de ser sediado e mantido pelo estado gaúcho, a orientação era voltada para os vinhos de todo o Brasil. Foi a partir do trabalho do instituto que surgiram marcas como Wine do Brasil e Suco do Brasil.

"O setor perdeu muita representação junto aos órgãos públicos", diz. "Isso dificulta a possibilidade de o setor ter ações em conjunto". Segundo ele, a própria Agavi tem tentado firmar convênios e prepara uma campanha publicitária para trabalhar a uva e o vinho que deve ser lançada até o final do ano.

Alvarez/Getty Images
Vinho: produção brasileira tem capacidade para fazer vinhos excelentes

Produção nacional disputa com vinhos importados

Apesar da dificuldade representativa, Darci Dani diz que hoje a produção do Brasil vem superando alguns obstáculos e preconceitos bastante comuns num passado não tão distante.

"Temos condições de produzir vinho aqui como em qualquer lugar do mundo. Sabemos que a mesma videira pode dar uvas diferentes, capazes de fazer vinhos excelentes e de má qualidade. Tecnicamente existem uvas de todas as qualidades e temos muita competência", diz.

Darci Dani observa que um dos problemas que prejudicam a produção é que no Brasil a marca importada é muito importante. Mas ele afirma que, em muitos casos, os vinhos importados, inclusive dos nossos vizinhos como Argentina e Chile, são produtos do excesso de produção local.

"Aqui no nosso país entra muito vinho subsidiado pelos governos de fora e a preço de custo. Muitas vezes eles são até mais baratos aqui do que o preço pelo que são vendidos nos seus próprios países de origem."

Segundo Darci Dani, essa é uma maneira de os países produtores manterem seus mercados internos aquecidos.

Demanda por espumantes se sustenta o ano inteiro

Apesar da variedade da produção local, que inclui vinhos tintos finos e de mesa, o terroir - termo francês para as condições do local - da Serra Gaúcha é muito favorável para a produção de espumantes, vinhos feitos a partir de uvas brancas.

Por ser uma região de clima subtropical, onde inverno e verão são mais característicos, os tratos com as videiras são bem delimitados.

A poda começa entre agosto e setembro e dura até o final de dezembro. A safra ocorre entre janeiro e março. Nesta época do ano, outono e inverno, as parreiras hibernam. Mas como o vinho precisa descansar, a produção acontece durante o ano inteiro.

Até algum tempo atrás, os produtores locais procuravam seguir a demanda que, tradicionalmente, exigia mais vinhos tintos no inverno e brancos e espumantes no verão, sobretudo nas festas de fim de ano.

Hoje o espumante deixou de ser um produto exclusivamente de festas e acaba tendo demanda o ano inteiro.

Eduardo Anizelli/Folhapress
Vinícola em Espírito Santo do Pinhal, SP

Fique em casa bebendo vinho

Durante a pandemia, pareceu inicialmente que o consumo de vinho iria se desestabilizar. Mas a necessidade de isolamento social provocada pela covid-19 foi boa para produtores da bebida.

De acordo com a Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV), o Brasil, que representa apenas 2% do mercado mundial, registrou um crescimento de 18,4% no consumo em 2020.

O número representa um salto de 360 milhões de litros em 2019 para 430 milhões de litros no ano passado. Foi o maior aumento registrado por um país membro da entidade no período.

De acordo com a Agavi, quando as pessoas passaram a ficar mais em casa o consumo dos vinhos finos e de mesa aumentou.

Segundo a Secretaria de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural do Rio Grande do Sul, em 2020 o consumo dos vinhos de mesa cresceu 18% (223 milhões de litros contra 189 milhões em 2019) e o de vinho fino aumentou 75% (28 milhões contra 16 milhões).

A demanda por espumantes apresentou leve queda de 4% (22 milhões de litros em 2020 contra 23 milhões), porque o produto é muito demandado em eventos. Situação semelhante aconteceu com a produção de sucos de uva, bastante demandados pela merenda escolar: a queda foi de 7% (151 milhões de litros contra 163 milhões).

Vale do São Francisco favorece vinhos frutados e sucos

Uma das regiões que mais tem crescido na produção nacional de uvas é o Vale do São Francisco, no Nordeste. A região e sua produção vinícola já foram inclusive tema de minissérie de televisão.

A Valexport, associação que representa os produtores hortigranjeiros locais, diz que a fronteira agrícola foi aberta graças a pesquisas e a um longo trabalho que introduziram e adaptaram variedades às características climáticas locais.

O presidente da associação, Gualberto Boticelli, que também é vinicultor, diz que hoje o Vale do São Francisco representa cerca de 15% da produção brasileira de vinhos finos. Os produtos do semiárido são caracterizados por serem jovens, frutados e bastante aromáticos. Os mais fabricados são originários de uvas da variedade moscatel. Além disso, a região também produz muitos sucos de uva.

Uma das vantagens nordestinas é a duração da safra. Ao contrário do Sul, em que só é possível produzir uma safra por ano e os produtores precisam correr para dividir a produção entre vinhos e sucos, no Nordeste é possível fazer três safras por ano no mesmo vinhedo. Desse modo, é possível obter uvas maduras todos os dias do ano, o que favorece a produção do suco.

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