Fim da ajuda do governo

Redução da pobreza, melhora do PIB, rombo nas contas: o que fica do auxílio emergencial que acaba agora?

Ricardo Marchesan Do UOL, em São Paulo Rafael Henrique/Getty Images

Depois de nove meses e nove parcelas — cinco de R$ 600 e quatro de R$ 300 - é praticamente consenso entre analistas que a experiência do auxílio emergencial foi um sucesso. Ele levou alento a 67,9 milhões de brasileiros em meio à pandemia de coronavírus e diminuiu o impacto econômico das medidas de isolamento social.

Por outro lado, o programa é muito caro e aumentou muito o rombo das contas públicas, além de pressionar o aumento da inflação, principalmente entre os mais pobres.

Relembre como foi o pagamento desse benefício e os efeitos que teve na economia.

Dudu Contursi/UAI Foto/Folhapress

Redução da pobreza e melhora do PIB

Em junho, o auxílio fez com que o país registrasse a menor taxa de pobreza extrema em 44 anos, segundo levantamento do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).

O pagamento evitou, ainda, que 5,6 milhões de crianças caíssem para baixo da linha da pobreza extrema, também de acordo com estudo do Ibre/FGV.

Nós conseguimos atenuar fortemente a pobreza, reduzir a desigualdade a patamares que nós não havíamos reduzido. Nós conseguimos, inclusive, ter ní­veis de pobreza menores do que os ní­veis pré-pandemia
Letícia Bartholo, socióloga especialista em políticas públicas e gestão governamental

O economista Luiz Honorato da Silva Júnior, professor da pós-graduação em Gestão Pública da UnB (Universidade de Brasília), destaca também a importância do auxílio para evitar que a queda prevista na economia neste ano fosse ainda maior.

"Os primeiros sintomas que a gente viu sobre queda da economia lá atrás indicavam 9%, 10% de queda do PIB, e agora a gente está vendo que essa tragédia vai ser muito menor. Muito provavelmente, creio, que em função disso (auxílio)", afirma.

O Banco Central atualmente estima queda de 4,4% do PIB em 2020.

Fantasma da inflação e rombo do Orçamento

Apesar dos inegáveis benefícios do auxílio para a população brasileira, pagamento também trouxe efeitos colaterais indesejados.

Um deles é o medo de um velho conhecido do brasileiro: a inflação. E, neste caso, afetando principalmente quem mais sofre.

De acordo com pesquisa do Banco Central, o auxílio aumentou os preços da cesta de alimentos de quem ganha entre um e três salários mínimos.

O preço das carnes que são mais consumidas pelas famílias mais pobres, por exemplo, subiu 20,12% entre abril e outubro, de acordo com o estudo. As demais carnes aumentaram 12,13% no período.

O outro problema é nas contas públicas, já que o auxílio é muito caro. De acordo com Guedes, o governo gastou R$ 321 bilhões com o auxílio.

De acordo com dados do Tesouro Nacional, a dívida bruta deve fechar em 94,4% do PIB neste ano. Em 2019, era 75,8% do PIB.

O Tesouro afirma que o aumento ficou acima da média de outros países e que a situação fiscal do Brasil é "frágil inclusive para realizar políticas sociais necessárias".

Sergio Lima/AFP

Governo queria auxílio de R$ 200

Em março, no início da pandemia, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que o governo criaria um auxílio de R$ 200 para trabalhadores informais e autônomos que não recebessem benefícios sociais. O pagamento duraria três meses, e a previsão era o governo gastar R$ 15 bilhões no total.

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ADRIANO MACHADO

Congresso propôs R$ 500

O governo, porém, não chegou a enviar sua proposta formalmente ao Congresso. A Câmara incluiu a medida em um projeto de 2017, que estava parado. Durante a discussão, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que o valor proposto pelo governo era pequeno e que os parlamentares aprovariam um benefício de R$ 500.

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Mateus Bonomi/AGIF

Bolsonaro aumentou para R$ 600

Após a fala de Maia, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou que o governo aceitava pagar R$ 600. O anúncio foi durante uma transmissão ao vivo, quando o texto que criaria o benefício estava para ser votado na Câmara.

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Mineto/Futura Press/Estadão Conteúdo

Filas e problemas no aplicativo

O pagamento do auxílio começou em abril, mas sua implementação teve percalços. Nas primeiras semanas do benefício, diversos usuários relataram dificuldades para acessar o site e os aplicativos da Caixa, tanto para cadastro, quanto para movimentar o dinheiro. Muitos também se queixaram da demora para ter o pedido aprovado.

A liberação do saque nas agências também gerou enormes filas em diversas cidades do país, criando aglomerações em um dos momentos mais agudos da pandemia. Posteriormente, a Caixa fez alterações no calendário de saques para evitar esses problemas.

Outro problema foi o atraso no pagamento da segunda parcela, que inicialmente estava marcado para começar em 27 de abril, o presidente da Caixa chegou a anunciar que seria antecipado para o dia 23 daquele mês, mas só foi acontecer mesmo em 20 de maio.

Podiam, mas não receberam...

No período de cadastro para receber o benefício, surgiram diversos relatos de trabalhadores que se enquadravam nos requisitos para receber o auxílio, mas tiveram o pedido negado.

Muitos problemas foram causados pelas bases de dados. Teve gente que estava registrada como já falecida e até quem tinha o registro de "presidente da República" na carteira de trabalho.

Relembre alguns desses casos:

  • Estudante pede auxílio e descobre na carteira que é "presidente do Brasil"

    Imagem: Arquivo Pessoal
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  • Mulher tem auxílio emergencial negado por "estar morta"

    Imagem: Arquivo pessoal
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  • Eles estão sem R$ 600 porque governo diz que outros da família já recebem

    Imagem: Arquivo pessoal
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  • Mães com direito a R$ 1.200 estão pedindo R$ 600 por erro no CPF de filhos

    Imagem: Arquivo pessoal
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  • Governo usa dado velho, diz que desempregado está empregado e nega R$ 600

    Imagem: Juca Varella/Folhapress
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  • Candidatos não eleitos aparecem como políticos e não conseguem os R$ 600

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...receberam, mas não podiam

Enquanto muitos que tinham direito não conseguiam receber, outros tantos tiveram acesso ao dinheiro indevidamente. Ao longo dos pagamentos, foram verificadas diversas fraudes.

Mais de 50 mil militares e 299 mil servidores públicos receberam o auxílio sem ter direito, já que ele era destinado apenas a quem não tem emprego formal.

Relatório do TCU (Tribunal de Contas da União) de junho alertou para a possibilidade de 8,1 milhões de brasileiros terem recebido o auxílio indevidamente, enquanto outros 2,3 milhões, que teriam direito a ele, podiam ter ficado de fora.

Além disso, mais de 500 candidatos que disputaram as eleições deste ano e tinham patrimônio de mais de R$ 1 milhão receberam auxílio emergencial ou Bolsa Família.

Em dezembro, o governo afirmou que enviaria mensagens a 2,6 milhões de pessoas que receberam o auxílio sem ter direito, cobrando a devolução dos valores.

Prorrogado duas vezes

Inicialmente o auxílio teria três parcelas de R$ 600 cada. Em junho, o ministro Paulo Guedes anunciou que estenderia o benefício por mais dois pagamentos. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) chegou a dizer que vetaria o valor de R$ 600, mas tomou a decisão para evitar atritos com o Congresso.

Em setembro, nova prorrogação. O governo decidiu pagar mais quatro parcelas do auxílio, mas de R$ 300, metade do valor. Além disso, as regras para ter direito a esses pagamentos extras também foram endurecidas.

Bolsonaro sobre auxílio emergencial: "Não dá para manter os R$ 600"

Marcos Corrêa/Presidência

O impasse do Renda Brasil (ou Cidadã)

Ao longo dos meses de pandemia o presidente Jair Bolsonaro viu sua aprovação aumentar, segundo apontaram pesquisas de opinião. Analistas, e o próprio vice-presidente, Hamilton Mourão, creditaram esse movimento, em parte, ao auxílio emergencial.

No período, a equipe econômica passou a discutir um novo benefício social, que substituiria e ampliaria o Bolsa Família, a ser implantado após o término do auxílio. Inicialmente, o nome seria Renda Brasil, depois, passou a ser referido como Renda Cidadã.

Não houve consenso, porém, sobre como esse novo programa seria financiado. O time de Paulo Guedes cogitou unificar outros benefícios e até mesmo desvincular aposentadorias e pensões do salário mínimo.

Irritado com as notícias, Bolsonaro disse, em setembro, que não se falaria mais em Renda Brasil, e que o Bolsa Família continuaria.

Até 2022, no meu governo, está proibido falar a palavra (sic) Renda Brasil. Vamos continuar com o Bolsa Família e ponto final
Presidente Jair Bolsonaro

Bolsonaro dá bronca em equipe de Guedes e proíbe falar de Renda Brasil

E agora?

O auxílio acaba neste mês, com alguns saques residuais até 27 de janeiro.

Guedes chegou a afirmar, em novembro, que a prorrogação do auxílio seria necessária no caso de uma segunda onda de covid-19. De lá para cá, a média de mortes voltou a subir.

Bolsonaro afirmou que não haverá prorrogação, mas que pretende aumentar o valor médio do Bolsa Família.

Para que o auxílio seja prorrogado, governo e Congresso precisam encontrar espaço no Orçamento para novos pagamentos, já que o benefício é muito caro para os cofres públicos.

Guedes: prorrogação do auxílio se houver 2ª onda é certeza

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