Dinheiro na bolha

Seu investimento está ganhando demais? Saiba identificar se é uma bolha e tire o dinheiro antes de estourar

Colaboração para o UOL, em São Paulo Getty Images/iStockphoto

Não é decisão fácil abandonar um investimento quando ele sobe feito foguete e entrega muito mais lucro do que o esperado. A escolha por não prosseguir é, contudo, prudente quando o investidor desconfia que entrou numa bolha financeira.

Ou seja, percebe que o seu investimento, após oferecer retornos extraordinários, o que é muito bom, está valendo bem mais do que justificariam as melhores perspectivas à empresa da qual se tornou sócio. Os ganhos vêm simplesmente da força de uma grande onda compradora, formada por pessoas que, muitas delas, mal conhecem o negócio.

Sair do investimento nessa situação tem um preço: abrir mão de lucrar ainda mais enquanto a festa dos mercados continuar rolando —e ninguém sabe ao certo quando a festa vai acabar. O preço de continuar, no entanto, pode ser muito maior porque, claro, o destino de toda bolha é um dia estourar.

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Caso o investidor se antecipe muito a um movimento especulativo, vendendo um ativo muito cedo, ele pode deixar na mesa retornos que poderiam aumentar muito o seu patrimônio. Se, por outro lado, deixar para sair quando os preços começam a se ajustar, pode ser tarde demais, e ele amargar um prejuízo significativo. Será obrigado a ouvir de amigos e familiares que só ingênuos foram pegos em investimentos que eram 'obviamente' especulativos.

Marcos De Callis, estrategista da Hieron Patrimônio Familiar e Investimento

George Soros já disse que a pior coisa para um investidor é estar numa bolha quando ela estoura e a segunda pior coisa é não estar numa bolha quando ela está se formando. Muita gente não quer sair da bolha, mesmo suspeitando que é bolha. Para um gestor de ativos, por exemplo, sair significa perder performance. É muito difícil ficar fora de uma bolha.

Roberto Attuch, CEO da Ohmresearch

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Como se formam as bolhas

Infelizmente, a existência de bolhas financeiras só é descoberta quando elas estouram. A formação de bolhas tem, contudo, algumas características comuns, que servem como pistas para o investidor adotar uma postura mais cautelosa ou mesmo, a depender de sua convicção e conhecimento do mercado, apostar em posições vendidas que trarão lucro se, de fato, o preço dos ativos despencar.

Preço acima do valor

Existe o preço pelo qual uma ação é negociada em Bolsa, e existe o valor que cada investidor enxerga na ação, considerando o potencial de crescimento da empresa com base em fundamentos como cenário econômico, plano de negócio e setor de atuação. Se o preço alcançar rapidamente cotações muito superiores ao valor calculado pelo investidor, pode ser um sinal de que a ação se descolou dos fundamentos, o que configura uma bolha.

Manada

Um investimento pode ser feito sem base em fundamentos, apenas por seguir o fluxo comprador. Se há muita gente comprando, e o papel só sobe, o investidor entende que o ativo é promissor e não quer ficar fora da festa.

É o chamado movimento de manada, gerador de uma demanda formadora de bolhas e que se torna mais evidente quando o investimento passa a ser muito popular, a ponto de atrair leigos que ouviram histórias de gente que ganhou muito dinheiro.

Exemplo: a bolha dos bitcoins. Mesmo sem ter lastro, supervisão e regulação, as moedas virtuais reuniram mais investidores do que a Bolsa, superando US$ 19 mil no fim de 2017. Um ano depois, com o estouro da bolha, o bitcoin já valia menos de US$ 4.000.

Facilidade de acesso

Bolhas podem ser alimentadas pela facilidade com que se adquire os ativos. Oferta de crédito a custo baixo gera, por exemplo, uma demanda que pode não se sustentar se houver uma reversão de quadro.

Foi o que aconteceu na bolha imobiliária norte-americana, gerada por uma estrutura de financiamento que permitia a compra de imóveis até mesmo por quem não tinha como comprovar renda, emprego ou garantias. Quando os juros subiram, a inadimplência apareceu e a bolha estourou em 2008, levando junto os bancos que estavam com as carteiras carregadas de títulos hipotecários.

Um dos sinais é quando um número grande de pessoas não familiarizadas com o ativo, que até então não conheciam, começa a migrar para ele. Em 2017, eu estava nos EUA e em toda corrida de Uber que eu pegava o motorista me falava sobre moedas virtuais, que estava ganhando muito dinheiro com aquilo. Quando um investimento tão específico chega neste nível de popularidade, é um primeiro sinal de bolha.

Victor Savioli, analista financeiro

Indicação errada também ajuda a gerar bolhas

Uma forma de descobrir se uma ação está sobrevalorizada é acompanhar como ela está sendo avaliada por analistas financeiros. Para definir o que seria o "preço justo" de um ativo, eles projetam os resultados futuros da empresa, o que envolve variáveis relacionadas não apenas à companhia, como a gestão dos negócios, mas também aos rumos da economia.

Quando a ação está sendo negociada acima do "preço justo", significa que ela está cara e, portanto, é recomendável vender ou não entrar no papel.

Não existiriam, porém, bolhas se essas recomendações fossem perfeitas, já que sempre haveria um aviso aos investidores antes de elas serem formadas.

No mundo real, no entanto, as recomendações erradas de investimento acabam sendo mais um indutor da valorização excessiva de ativos, ao usarem premissas incorretas para justificar indicações de compra de papéis que, na verdade, já estão caros.

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Termômetros de bolhas

Um bom ponto de partida para identificar o risco de bolhas é investigar se os múltiplos de uma ação estão fora da curva.

Por exemplo, se o P/L —que compara o preço da ação (P) com o lucro gerado pela empresa (L)— estiver acima das máximas históricas do papel, o investidor deve avaliar se alguma mudança de fundamento justifica o comportamento do preço.

A empresa tem uma tecnologia que vai revolucionar o mercado? O seu setor de atuação teve alguma mudança regulatória que aumentará o interesse do capital internacional?

Ou seja, mudanças de paradigma podem explicar por que os investidores estão aceitando pagar mais pelas ações. Porém, caso não exista uma justificativa plausível, o preço da ação pode ter se descolado dos fundamentos, ligando o sinal de alerta de bolha.

O aumento exponencial do preço do ativo sem qualquer alteração em seus fundamentos seria um indício do começo da bolha, principalmente se o aumento ocorrer com frequência. Um aumento do P/L pode ser considerado um indicador, porém o melhor caminho é sempre estudar os fundamentos da empresa e investir sem especulação.

Régis Chinchila, analista da Terra Investimentos

O P/L é um excelente múltiplo fundamentalista para checar se há um descolamento da realidade. Mais do que olhar a média histórica do P/L, temos que pegar a média histórica das máximas do múltiplo por, pelo menos, dez anos. Normalmente, é nesse patamar que os ativos são considerados caros.

André Machado, operador que criou o curso Projeto Os 10%

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Tentadoras, bolhas convidam investidor a adiar venda

A percepção de que uma bolha se formou no mercado indica que chegou a hora de realizar o lucro do investimento. Afinal, o investidor já ganhou mais do que esperava e entende que o ativo está custando mais do que deveria.

Carregar o investimento por mais tempo significa assumir o risco de perder a qualquer momento boa parte do lucro obtido, já que, em algum dia, os demais investidores perceberão que o papel ficou caro demais, deflagrando um movimento de manada na direção oposta, na qual o mercado começa a vender em massa o ativo, levando a uma queda brutal de preços.

Permanecer numa bolha é, contudo, tentador. O desejo de aproveitar ao máximo a festa do mercado financeiro convida o investidor a adiar ao máximo a saída.

Além disso, é difícil acertar em cheio o diagnóstico de uma bolha. Erros de avaliação podem levar a um desembarque do investimento muito antes de ele alcançar todo o seu potencial. Não são raras as histórias de ações que pareciam supervalorizadas para alguns e seguiram em trajetória de alta por anos a fio.

A grande maioria das bolhas, se não todas, estourou por conta da ganância do ser humano, da falta de bom senso na busca pelo dinheiro. Isso aconteceu desde a primeira bolha, em 1637, com a Tulipamania, assim como com a bolha do bitcoin em 2017.

Régis Chinchila, analista da Terra Investimentos

Bolhas são criadas pelo comportamento de investidores que, dirigidos por especulação, manias ou ineficiências de mercados, se expõem a riscos excessivos, gerando uma espiral de alta nos preços.

Julio Erse, diretor da Constância Investimentos

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Para quem quer pagar para ver, puts oferecem proteção

A compra de opções de venda, as chamadas puts, funcionam como um seguro ao investidor preocupado com a iminência do estouro de uma bolha, mas que não quer se desfazer do investimento.

As puts asseguram um preço mínimo de venda das ações. Se o mercado desabar, o investidor sabe que terá o direito de vender seus papéis pelo preço previsto nas puts. Se esse direito não precisar ser exercido, ótimo, significa que o investimento continuou dando lucro.

Já para quem não tem ações, porém está interessado em especular o estouro da bolha, a compra de puts, assim como operações de venda a descoberto, nas quais o investidor lucra com a desvalorização dos ativos, traz ganhos extraordinários se, de fato, a bolha estourar. O risco aqui, contudo, é alto, não sendo recomendado ao investidor conservador ou com pouca experiência e conhecimento de mercado.

A melhor forma de se prevenir contra bolhas é sempre diversificar muito a carteira em várias classes de ativos e mercados, além de evitar o investimento durante períodos de euforia.

Julio Erse, diretor da Constância Investimentos

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