Sem abrir mão do churrasco

Churrasqueiros profissionais preparam mais legume na brasa e relatam fim do preconceito com carne de segunda

Felipe de Souza Colaboração para o UOL, em Campinas (SP) Getty Images

Tem quem goste de pilotar a churrasqueira para juntar os amigos e jogar conversa fora, mas também há quem prefira deixar a tarefa nas mãos de profissionais.

Contratados para festas em casas ou eventos, os churrasqueiros profissionais ganham a vida preparando um prato que o brasileiro ama, mas tem tido dificuldade de bancar.

O UOL conversou com quatro churrasqueiros que atuam em pequenas festas caseiras e em buffets profissionais para eventos corporativos para entender como a disparada no preço da carne tem afetado o trabalho deles e os hábitos dos clientes.

Só neste ano, as carnes acumulam alta de 22,06%, de acordo com a prévia da inflação de outubro (IPCA-15).

A carne bovina é a principal afetada, mas a de porco e a frango também subiram por tabela, pois o consumidor brasileiro passou a comprá-las mais. Com a procura maior, os preços aumentaram.

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Arquivo pessoal
Junior Bertazzo, de Paulínia (SP)

Fim do preconceito com carnes de segunda

"Está complicado fazer churrasco, mas nós tentamos. Para fechar um orçamento para o ano que vem, por exemplo, tenho que fazer um malabarismo matemático para tentar prever quanto estará a carne até lá", afirma Junior Bertazzo, da Bertabbq, de Paulínia (SP).

Ele diz que precisou aumentar o valor total do serviço em 30% a 50%, dependendo do evento. Por causa da pandemia, o churrasqueiro passou a atender festas pequenas, com 10 a 15 pessoas (que eram permitidas em algumas fases da quarentena implantada no estado de São Paulo na época), e afirma ter notado mudanças de comportamento dos clientes.

Uma delas é a busca pelo "churrasco vegetariano", no qual legumes são levados à brasa. Bertazzo diz acreditar que essa tendência vai dominar os eventos a partir da retomada.

Mas a principal mudança, na avaliação do churrasqueiro, é o fim (ou pelo menos algo perto disso) do preconceito com as chamadas 'carnes de segunda'.

A parte dianteira do boi, onde ficam acém e peito, passou a fazer parte dos churrascos. São cortes que estão menos caros, o que acaba reduzindo um pouco o valor [do orçamento].
Junior Bertazzo, churrasqueiro de Paulínia (SP)

Se fosse só a carne...

Elizabeth Coluci é dona do buffet Styl Line Cuisine, em São Paulo. O preço do serviço, cobrado por pessoa, subiu 12% (de R$ 58 para R$ 65). Ela diz que outros custos também subiram.

O aumento do combustível nos impactou diretamente, no transporte até o local do evento e até para fazer as compras. Tivemos que 'engolir' esse prejuízo para não repassar tudo aos clientes.
Elizabeth Coluci, dona de buffet em São Paulo


Além de churrasco, o buffet serve acompanhamentos, saladas, arroz, sobremesas e bebidas, exceto alcoólicas. O valor de R$ 65 é para um evento com no mínimo 70 convidados.

As carnes compradas são picanha, fraldinha e maminha e correspondem a metade do custo do serviço.

Mesmo com os preços nas alturas, Elizabeth disse que os clientes não reduziram o consumo nem retiraram as carnes do cardápio.

"Os eventos estão retomando aos poucos, por causa da pandemia. Com base no que fechamos até o momento, não houve nenhum pedido para que alguma carne seja evitada", afirma.

Arquivo pessoal
Mauro Anderson Romualdo, dono da Mauro Churrascos, em Belo Horizonte

'Tive que dar meus pulos'

Mauro Anderson Romulado, dono da Mauro Churrascos, em Belo Horizonte, diz que seus clientes também não estão abrindo mão de nenhum corte e seguem fazendo eventos, mesmo com o preço mais alto.

Não pude subir muito para não perder clientes, mas tive que repassar alguns dos aumentos dos insumos necessários para o churrasco, como carvão, tempero e combustível. E tive que dar meus 'pulos', como pesquisar supermercados para achar itens mais baratos. Em alguns casos, a diferença de preços chegava a 40%.
Mauro Anderson Romualdo, churrasqueiro de Belo Horizonte

Arquivo pessoal

'Pedem menos carne'

Rinaldo Ramos Barbosa, da região de Campinas (SP), teve que deixar os eventos de lado e abrir uma rotisserie durante a pandemia para conseguir se sustentar. Passou a vender carnes já assadas, prontas para consumo.

Apesar da retomada das atividades, ele diz que ainda está complicado fechar novos contratos. Se no churrasco o preço por pessoa era de R$ 69 antes de ter que "virar a chave", agora o mínimo é de R$ 85.

Ele conta ter notado que em todos os pedidos de orçamento os clientes estão optando pela versão do serviço com o mínimo de carnes possível.

A gente trabalha com quantidades de carne por pessoa entre 300 gramas e 500 gramas. Quanto mais carne, mais caro fica o orçamento. Todos que têm nos procurado pedem para orçar o 'mínimo'. Acredito que seja um reflexo do aumento dos preços. Mas também entendo que todos querem voltar a curtir um churrasco com a família, com amigos. Não querem perder isso.
Rinaldo Ramos Barbosa, churrasqueiro de Campinas (SP)

Preço vai cair?

Mesmo com uma ligeira redução já registrada no preço das carnes em outubro, de 0,31%, Elizabeth não acredita que a tendência deva continuar.

A carne baixou após a China, principal importadora do produto brasileiro, decidir não comprá-lo mais por causa de casos atípicos de vaca louca no Brasil.

Bertazzo diz esperar que o preço baixe, mas também não acredita que isso vá durar muito tempo. "Infelizmente não dá para a gente acreditar muito nas coisas aqui. Pode até ser que diminua agora, mas não duvido que no começo do ano tudo suba de novo", afirma.

"Os preços têm que baixar. As carnes que estão no mercado hoje estão próximas às datas de vencimento e, no geral, a população precisa comer. É uma questão de dias", torce Romualdo.

Barbosa diz ter notado que, em outubro, as carnes que costuma comprar mantiveram o preço ou até tiveram uma leve queda.

"Espero que essa redução continue, para ajudar todos nós. A concorrência está grande, os clientes fazem contas. Tem muita comparação com lojas que vendem os produtos prontos", afirma.

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