Como é trabalhar no Censo?

Concurso do IBGE tem 204 mil vagas e paga até R$ 2.100; quem já trabalhou diz se vale a pena

Filipe Andretta Do UOL, em São Paulo TASSO MARCELO/AE

Trabalhar no Censo IBGE é uma oportunidade que vale a pena, tanto pelo dinheiro quanto pela experiência, apesar dos perrengues. É o que dizem entrevistados que já participaram da maior pesquisa brasileira, realizada a cada dez anos, que tem o objetivo de coletar dados de todas as famílias no país.

O Censo estava programado para o ano passado, mas foi adiado por causa da pandemia. O concurso está com inscrições abertas até esta segunda (15) para agente censitário (cargo de nível médio) e até a próxima sexta (19) para recenseador (nível fundamental). Ao todo, são mais de 204 mil vagas em 5.297 municípios.

O salário para agente censitário é de R$ 2.100 para os mais bem colocados e de R$ 1.700 para os demais aprovados, por 40 horas semanais. Recenseadores recebem por produtividade (você pode simular o salário nesta calculadora do IBGE). Os contratos duram de 3 a 5 meses, mas podem ser renovados em caso de necessidade.

O UOL ouviu pessoas que participaram do Censo em 2000 e em 2010. Todos viram no concurso uma boa chance de trabalho temporário, com carteira assinada e salário garantido. Eles recomendam a experiência e dizem que a prova é tranquila. Por outro lado, o candidato deve se preparar para andar bastante e lidar com o mau humor de alguns entrevistados.

TASSO MARCELO/AE
Arquivo pessoal

"Eu nem imaginava que tinha vizinhos analfabetos"

Fernanda Bonfanti, 31 anos, chefe da agência de coleta do IBGE de Chapecó (SC)

Meu primeiro emprego foi como recenseadora em 2010. Foi uma oportunidade de conciliar o trabalho com o curso de engenharia de alimentos, numa época em que eu morava sozinha. Em 2017, voltei para o IBGE como efetiva, onde trabalho até hoje.

Eu era concurseira. Vi que abriu o Censo e que tinha material no site do IBGE para estudar. Foi uma prova bem fácil, com matérias básicas. A parte de conhecimentos específicos estava toda na apostila.

Depois do treinamento presencial, houve uma nova classificação para escolher o lugar de trabalho. Ali consegui ir bem e peguei o setor onde eu morava. Fiz o Censo da minha própria casa.

Meu trabalho era realizar entrevistas num determinado setor. Todo dia eu reservava entre duas e quatro horas para fazer a sequência de casas que me passavam.

Em muitas casas, o pessoal não estava e eu tinha que retornar no final de semana. Tem que ir tentando. Eu conversava com o vizinho para saber o horário em que a pessoa estaria em casa.

As pessoas já estavam com bastante expectativa sobre nossa visita. Tinha gente que deixava até cafezinho pronto. Peguei um setor que tinha vários idosos, eles queriam falar sobre os netos, e a gente dava um pouco de atenção.

Eu nem imaginava que tinha vizinhos analfabetos, e eram muitos. Chamou a atenção a desigualdade perto de mim.

Trabalhei uns 20 dias, porque fiz um setor só. Eu poderia ter pego mais de um setor, mas era quase final de ano e as provas da faculdade estavam começando.

Em 2010, foi a primeira vez que o Censo Demográfico teve dispositivo móvel de coleta, um celular bem simples. Neste ano usaremos smartphones com aplicativo que registra até a trajetória do recenseador.

Arquivo pessoal

"Achavam que eu ia cortar a energia da casa"

Eduardo Chaves, 29 anos, policial militar em Macapá (AP)

Em 2009, eu estava fazendo estágio. Fiz a prova e passei para agente censitário supervisor (ACS) para o Censo 2010. Foi meu primeiro emprego.

Vieram instrutoras do Rio de Janeiro. Aprendemos a mexer nas maquininhas e fomos a campo fazer um pré-Censo. A gente tinha que ir no bairro, posicionar o equipamento com GPS, pegar coordenadas, cadastrar casas e fazer algumas entrevistas por amostragem.

Achei ruim que o IBGE não divulgou muito o que estava acontecendo. A gente usava um colete azul parecido com o da companhia de energia, e muitas pessoas não abriam a porta porque achavam que faríamos o corte da eletricidade.

Lembro que passei na casa de uma antiga professora minha, de ensino religioso. Ela me tratou mal pra caramba. Mas não me lembro de nenhum caso de ofensa grave, nem de agressão.

É um trabalho cansativo, porque tem que caminhar bastante e aqui o sol é forte. Ainda bem que tem horário livre, mas o pessoal do IBGE cobrava quando a gente demorava demais para retornar.

O que mais gostei foi de dar aula para os recenseadores e depois supervisionar o trabalho deles. Eu tinha só 19 anos e estava orientando pessoas de 30, 40 anos.

A prova foi bem fácil, até me espantei com minha boa colocação. O dinheiro foi bacana. Em dezembro, recebemos um 13º salário e comprei um notebook.

Arquivo pessoal / Rodrigo Coca

"Ser recenseadora me ajudou a desenvolver a arte de entrevistar"

Vanessa Gonçalves, 41 anos, jornalista em São Paulo

Eu fazia faculdade de jornalismo na Unesp de Bauru (SP) em 2000. Ia precisar largar o curso porque meu pai faliu. Passei no concurso do IBGE e foi essa grana que me manteve por um ano.

A gente acha que conhece o Brasil, mas não faz ideia. Como experiência antropológica e jornalística, foi sensacional. Ser recenseadora me ajudou a desenvolver a arte de entrevistar.

Peguei uma região em Bauru que era fronteira entre zona urbana e rural. Tinha desde casas supersimples até as mais luxuosas. Aí que você vê a disparidade de tratamento.

Geralmente as pessoas mais pobres são as que te oferecem um copo d'água, enquanto os mais ricos te tratam com aquela distância e perguntam: 'o que você está fazendo aqui?'

Quando alguém oferecia bolo e refrigerante, era um alívio. Embora o trabalho tivesse um salário OK, não havia vale-alimentação nem vale-transporte. A gente andava muito debaixo de sol e tinha que carregar uma bolsa pesada com os formulários. Não havia equipamento digital como é hoje.

Uma coisa que me marcou foi uma casa com pessoas muito simples, que para mim eram pardas, mas que se declaravam brancas. É um choque de realidade ver como as pessoas se interpretam.

Aconteceu de pessoas estarem em casa, mas se recusarem a responder. Acho que elas tinham medo de contar o que havia em casa e o governo acabar cobrando mais imposto. Mas a maioria das vezes em que não consegui preencher um formulário foi por falta de tempo. As entrevistas precisavam acontecer em horário comercial e às vezes ficava tarde demais para continuar.

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