Endividados na crise

Empresários que pegaram financiamentos em 2020 enfrentam nova onda de covid em situação ainda mais complicada

Giulia Fontes Do UOL, em São Paulo Amanda Perobelli

A crise com a pandemia de covid-19 foi forte ano passado, e em 2021 o cenário pode ser ainda pior. Isso porque pequenos e médios negócios terão de enfrentar a nova onda de covid-19 e, ao mesmo tempo, lidar com dívidas que fizeram em 2020.

Com a queda do faturamento, donos de negócios em todo o país recorreram a auxílios oferecidos pelo governo, como a linha de crédito do Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte), voltada a pequenas empresas. A ajuda foi considerada essencial para não quebrarem.

Quando tomaram os empréstimos, os empresários esperavam que a virada do ano trouxesse um alívio. Mas o cenário está sendo diferente. A aceleração no número de casos e mortes levou a novas medidas restritivas, e o programa de vacinação está lento.

O UOL conversou com três pequenos empresários que, além de lidar com a nova fase da pandemia, terão que se virar para dar conta das dívidas de 2020. Conheça as histórias:

Amanda Perobelli
Arquivo pessoal/Tita Dias
Sem o Pronampe, Tita Dias já teria fechado o bar Canto Madalena

Dona de bar em SP fez empréstimo de R$ 500 mil

Tita Dias, do Canto Madalena, só não fechou o bar por "uma questão sentimental"

O bar e restaurante Canto Madalena, na Vila Madalena, bairro boêmio de São Paulo, já começou a sentir os efeitos da pandemia antes de qualquer decreto de restrição entrar em vigor na capital paulista. "O nosso público é mais velho e muito consciente. Antes mesmo do decreto, já parou de frequentar [o bar]", diz Tita Dias, dona do estabelecimento. Ela já foi sindicalista e vereadora em São Paulo, pelo PT.

Eventos como confraternizações, lançamentos de livros e casamentos também foram cancelados. A média de faturamento, que antes da pandemia era de R$ 179 mil mensais, caiu a R$ 74 mil em março.

Estabelecimentos do nosso perfil, do setor de alimentação e bebidas, não trabalham com caixa. A gente trabalha hoje para pagar amanhã.

Com o fechamento durante o período mais crítico do ano passado, a empresária teve de recorrer a empréstimos. Primeiro, contratou dois financiamentos, de R$ 33 mil e R$ 35 mil, pelo Pese (Programa Emergencial de Suporte a Empregos) do BNDES. O dinheiro foi usado para pagar os salários dos 18 funcionários que tinha (hoje são 13).

Depois, Tita recorreu ao Pronampe, e conseguiu um empréstimo de R$ 374 mil.

Fiz um plano de negócios, demonstrando o que eu pretendia fazer e o que eu podia faturar. O que aconteceu todo mundo sabe: com o aumento da pandemia, [o faturamento] despencou. Eu não consegui cumprir o plano em dezembro, janeiro e fevereiro.

Ela só não fechou o bar no final do ano porque, em dezembro, conseguiu mais R$ 50 mil emprestados pelo Peac (Programa Emergencial de Acesso a Crédito) Maquininhas, do BNDES. No total, as dívidas somam quase R$ 500 mil.

Agora estamos totalmente descobertos. Eu só não entreguei os pontos por uma questão sentimental. É difícil você olhar para um funcionário que está com você há mais de 20 anos e tomar a decisão [de desistir].

Acervo/Ambiental Fênix Reciclagem
Paulo Pradas teme impacto da nova onda de covid-19

Empresa de reciclagem se endividou para manter empregos

Nova desaceleração da produção industrial preocupa Paulo Pradas, dono da Ambiental Fênix Reciclagem

A Ambiental Fênix Reciclagem, que fica em Itaitinga, na região metropolitana de Fortaleza (CE), recolhe resíduos industriais em todo o estado do Ceará. Materiais como papelão, plástico e ferro são coletados em empresas da região, processados e, depois, revendidos para que sejam reutilizados em novos produtos.

A atividade exercida pela empresa é considerada essencial - se não forem coletados, os resíduos podem estimular a proliferação de ratos e provocar doenças.

Mas, no início da pandemia, a produção industrial desacelerou, e o ritmo de trabalho da empresa diminuiu mesmo que a Ambiental não tenha sido proibida de funcionar.

Não podíamos parar a coleta dos resíduos, mas muitas fábricas que compram [o material processado] estavam fechadas. Então a gente pagava para coletar, mas não conseguia vender nem receber.

Para conseguir se manter, a Ambiental fez um empréstimo de R$ 41 mil pelo Pronampe e outros dois financiamentos, de R$ 10 mil cada um, para pagamento da folha salarial. A empresa tem 12 funcionários, que trabalham com carteira assinada.

Agora vai começar tudo de novo. É preocupante porque tivemos de fazer essas operações para manter a empresa funcionando. Estamos tentando encontrar alternativas. O governo teve tempo para se organizar, não poderia ter se preparado, para não ter esse impacto [sobre as empresas]?

Reprodução/Facebook
Buffet realizou poucos eventos em 2020, todos com limite de capacidade e regras sanitárias

Buffet de eventos está sem reservas

O Mumbuca Buffet, no Tocantins, pegou R$ 100 mil no Pronampe

Especializado em eventos como casamentos e festas corporativas, o Mumbuca Buffet teve de interromper totalmente as atividades no início da pandemia. Para sobreviver, a empresa, que fica em Palmas, no Tocantins, fez dois empréstimos pelo Pronampe, com valor total de R$ 100 mil.

No final do ano, as coisas pareciam estar melhorando: o buffet conseguiu realizar alguns eventos, respeitando os limites de capacidade e os protocolos sanitários estabelecidos pelo governo municipal.

"Agora voltamos à estaca zero. Estamos de volta ao ano passado", diz José Betelli, administrador do Mumbuca Buffet.

A maior parte dos contratos feitos pela empresa tem prazos de 12 a 16 meses. Com o prolongamento da pandemia, alguns clientes desistiram de remarcar as datas e cancelaram os eventos. O fechamento de novos negócios caiu 80%, e o buffet perdeu em torno de metade das receitas que receberia se os eventos já contratados pudessem ser realizados.

Para diminuir custos, a empresa usou o programa do governo que permitiu a redução da jornada e a suspensão dos contratos de funcionários. O Mumbuca tem seis empregados com carteira assinada - mas entre 25 e 30 pessoas eram contratadas como temporárias para trabalhar durante os eventos.

A gente precisa de suporte, algo que nos ajude a aguentar. Ninguém está com caixa, todas as nossas reservas estão indo embora. Já são 12 meses sem poder trabalhar, sem conseguir nem mesmo ter uma previsão de ter a volta do faturamento como era antes da pandemia.
José Betelli, administrador do Mumbuca Buffet

Topo