Faria Lima em suspense

Restaurantes da avenida que é centro financeiro e tecnológico de SP ainda sofrem com empresas em home office

Isaac de Oliveira Do UOL/Em São Paulo Danilo Verpa/Folhapress

A região circundante à avenida Brigadeiro Faria Lima reúne uma infinidade de comerciantes que, com seus caixas ainda combalidos pela pandemia, esperam o retorno total das atividades naquele pedaço nobre da capital paulista.

A massa de trabalhadores que disputavam os restaurantes na hora do almoço encolheu; assim como os faturamentos, que têm dado, quando muito, para arcar com as contas do mês e manter os negócios abertos.

Isso acontece porque, embora grandes startups e empresas do mercado financeiro mantenham o trabalho presencial em certa medida, o movimento de pessoas ainda é visto como aquém do potencial pré-crise.

No segundo trimestre de 2021, a taxa de vacância de edifícios corporativos na cidade de São Paulo era de 20,8%, segundo a empresa de pesquisas Buildings. No mesmo período de 2020, essa taxa era de 14,5%, e no segundo trimestre de 2019, 15,9%.

A Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), por sua vez, informa que em todo o Estado de São Paulo cerca de 50 mil estabelecimentos fecharam as portas desde o início da pandemia, dos quais 12 mil ficavam na capital.

Embora estes dados deem o tom de um cenário mais geral, eles também corroboram a percepção de uma Faria Lima menos movimentada, mesmo nos horários tradicionalmente de fluxo mais intenso, como o meio-dia.

Mas o que têm dito e feito os comerciantes da região nestes tempos de retomada parcial?

Salvo pelo cheque especial e pela esposa

Por volta das 12h de uma quinta-feira, o salão do The Club, restaurante de Luciano Cabral, no Itaim Bibi, estava quase vazio. O estabelecimento, situado na rua Clodomiro Amazonas, fica logo atrás do edifício que abriga os bancos Credit Suisse e Goldman Sachs, apenas dois exemplos de onde vinha parte dos clientes de Cabral.

"Estou alcançando uns 30% [do faturamento anterior]. Está melhor do que no ano passado, que caiu para zero quando fechou de vez, mas não está cobrindo os custos ainda", diz o comerciante.

Além do restaurante, Cabral tinha três lojas de açaí, das quais duas foram fechadas - nos bairros Saúde e Vila Mariana -, e apenas uma ficou aberta, também no Itaim, a poucos passos da sede do Google.

"Perdi basicamente todo o meu fluxo de caixa, que nos dois lugares dava em torno de R$ 100 mil. Aqui no restaurante, começou a melhorar, ainda que eu não chegue a pagar as contas. Mas a despesa é menor. Com o que a esposa me ajuda, vou pondo aqui e cobrindo ali, de pouquinho"
Luciano Cabral, proprietário.

Sem conseguir acessar o Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte), o empresário conta que manteve o negócio funcionando com os recursos de cheque especial, além do suporte da esposa, que é servidora pública e tem uma loja de artigos para o lar.

Entre as alternativas encontradas quando a crise se instaurou, o empresário afirma que começou a vender a carne do restaurante no condomínio onde mora com a família e chegou a criar uma "cozinha fantasma" com pratos mais acessíveis, sem a marca do restaurante. Mas foram soluções passageiras.

"O lucro com a venda de carne não dava para pagar nem o condomínio. A cozinha fantasma não foi para frente. Abri em julho, mas saíam um ou dois pedidos por dia, então encerrei em outubro", afirma Cabral.

Apesar de estar segurando as pontas enquanto o negócio se restabelece, o empresário diz que está tentando também se recolocar no mercado de Tecnologia da Informação, no qual ele já teve experiência com sua formação em Ciências da Computação.

"Já atualizei o meu perfil profissional no LinkedIn, coloquei minha carreira em transição, mas está difícil. Estou tentando há alguns meses"
Luciano Cabral, proprietário.

Adaptando rodízio para o delivery

Se alguns negócios tiveram dias mais difíceis na crise, o restaurante japonês Inazuma, gerenciado por Kátia Silva, 39, próximo à avenida Faria Lima, viu a demanda no delivery aumentar e, assim, mais três unidades foram abertas em outros bairros, porém só para entrega.

"Já tínhamos todos os pratos da casa no delivery, mas os clientes começaram a nos cobrar pelo rodízio, que adaptamos para entrega e hoje saem muito bem"
Kátia Silva, gerente de restaurante japonês.

Apesar do sucesso nas entregas, a gerente explica que o movimento presencial ainda está baixo. De 300 rodízios vendidos no almoço, e até 350 em um dia, ela conta que agora a média está de 80 a 90 rodízios por dia, "considerando um dia bom."

"Não chegamos a 50% do faturamento. Estamos mais ou menos em 40% do que a gente faturava antigamente", afirma a gerente.

Kátia diz que não houve demissões, e os funcionários foram mantidos com ajuda do BEm (Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda).

O quadro de pessoal, na verdade, foi reorganizado para atender as cozinhas fantasmas abertas em São Miguel Paulista (novembro de 2020), Arthur Alvim (maio de 2021) e São João Clímaco (junho de 2021).

"A pandemia para o restaurante que tem salão foi ruim, teve muita dificuldade, porque o cliente não vinha. Mas o delivery cresceu. E foram os próprios sócios que se juntaram, com os recursos próprios, para poder montar outras casas"
Kátia Silva, gerente de restaurante japonês.

Mesmo com o baixo movimento na unidade do Itaim, a gerente observa que os clientes já têm reduzido os cuidados.

Prova disso é o quanto o restaurante deixou de gastar, por exemplo, com álcool, luvas e demais itens de higiene e proteção contra a covid-19. Agora, segundo Kátia, o investimento com isso não chega a 30% do que era feito no ápice da crise.

Queda no movimento não desanima

William Lopes, 35, comanda o Viradouro Café há dez anos. Se nos tempos áureos, o estabelecimento chegava a atender entre 400 e 500 pessoas por dia, hoje esse número está entre 100 e 150, contando com as entregas do delivery.

Segurando os preços dos produtos desde o ano passado, Lopes diz que, embora o movimento esteja fraco, precisará atualizar os valores em breve.

"Quase tudo aumentou de preço, mas o comerciante de restaurante não pode repassar, senão assusta. Mas agora, que o movimento parece estar normalizando, vamos reajustar, não vai ter jeito", afirma Lopes.

Devido à taxa cobrada pelas grandes plataformas de delivery, o comerciante tem feito as entregas pelas redondezas do café com equipe própria.

Isso, segundo ele, é o que tem ajudado a sustentar o faturamento. Assim como o BEm e o Pronampe também ajudaram na reestruturação do negócio.

Embora esteja localizado em frente à sede do Google, na Faria Lima, Lopes conta que os funcionários da gigante americana nunca foram clientes relevantes, porque eles têm muita opção na própria empresa.

"Eles têm uma cozinha de primeiro mundo, o que infelizmente eu não tenho no meu restaurante. Os outros funcionários que trabalham em bancos, advocacia, corretoras de valores no prédio, sim, são meus clientes e vêm almoçar, tomar café", diz Lopes.

Sem muita expectativa de que o modelo de trabalho home office perdure, o empresário está confiante na retomada da dinâmica da região, sobretudo se a vacinação tiver êxito.

"A gente espera que daqui a uns três meses a situação melhore e retome. Sair daqui eu não tenho a intenção. E a gente vê que está melhorando, ainda que bem lentamente. O pessoal está tendo um pouquinho mais de coragem de vir."
William Lopes, comerciante.

Bairro fantasma começa a ganhar vida

"Hoje é outro bairro, mas parecia um bairro fantasma há uns meses. Era uma coisa meio desesperadora, porque não passava ninguém na rua". A impressão é de Selma Primerano, 61, proprietária da gráfica Copy Brasil, que está há 25 anos na rua Iguatemi, no Itaim Bibi.

"De três semanas para cá, a movimentação do bairro aumentou e a procura de serviços também. Então estamos todos muito felizes com essa nova expectativa. A gente vê pelos bares, os comércios ao redor, e os vizinhos também sentindo uma melhora"
Selma Primerano, proprietária.

Para manter o negócio da família vivo, inicialmente foi injetado capital próprio para garantir o salário dos dois funcionários afastados. Em seguida, a comerciante conta que conseguiu aderir ao Pronampe, que é o que tem mantido a gráfica "de pé".

"Nesse ritmo, a gente está conseguindo pagar as coisas. Vai ficar mais pesado agora porque já começamos a pagar o Pronampe, em um momento que acho bastante errado. O pagamento deveria ter sido prorrogado [de novo], porque ninguém retomou as condições normais ainda", afirma Selma.

Apesar da confiança em dias melhores, a empresária também tem desbravado sua criatividade para encontrar alternativas e novidades para o negócio.

"Estou fazendo bubble balão [bolas decorativas de festas]. É uma coisa que não é difícil e que eu gosto de fazer já que adoro mexer com arte. Vou fazer até um curso, mas já estou ensaiando porque a gente faz muita coisa de festa aqui, convite, lembrancinhas, então é preciso se reinventar", diz Selma.

Impacto e reinvenção até para os pequenos

"Sessenta reais, P, M e G". Essa é a resposta de Tania Gutierrez, 42, para mulheres que se interessam por uma calça de couro sintético, mas que não chegam a comprar na sua banca de roupas, próxima a uma das saídas da estação Faria Lima, linha amarela do metrô, em Pinheiros. Segundo a boliviana, que vive há mais de vinte anos no Brasil, assim têm sido os dias de trabalho naquela região de São Paulo, desde que a pandemia começou.

"Estamos empurrando com a barriga, querendo vender, mas as pessoas não estão querendo comprar. Elas estão pensando mais em alimento e não em roupas, porque o trabalho está difícil e o que ganham é para sobreviver".
Tania Gutierrez, comerciante de rua.

O relato de Tania se soma ao de outros empreendedores "de rua" daquele outro extremo da avenida, considerado mais popular.

"Eu já tinha juntado dinheiro, estava pensando em abrir uma loja, mas aí veio a pandemia e tive que gastar todas as minhas economias", afirma Gutierrez.

Segurando as pontas e se virando para fechar as contas do mês, a comerciante começou a pesquisar mais sobre a digitalização de negócios e, hoje, ela usa as redes sociais, como Instagram e WhatsApp, para divulgar suas roupas e marcar encontro com as clientes para entregar os produtos.

A empreitada mais recente foi abrir um site, onde ela já começou com as vendas on-line.

"Consegui uma empresa bem em conta de Santa Catarina, que montou muito bem um site. Ele está pronto e já vendi dez peças. Agora preciso publicar mais nas redes sociais porque, se você não publica, ninguém vê".
Tania Gutierrez, comerciante de rua.

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