Sem contato, sem dinheiro

Agenda vazia e noites mal dormidas: coronavírus afeta a vida de profissionais que dependem do contato físico

Lucas Borges Teixeira Colaboração para o UOL, em São Paulo Getty Images/iStockphoto/didecs

O que fazer quando você é um profissional liberal e está impedido de trabalhar? Desde a confirmação do primeiro caso do novo coronavírus no Brasil, autônomos que dependem do contato físico viram suas agendas esvaziarem e o dinheiro parar de entrar.

Com a adoção de quarentena por parte dos estados, como São Paulo, negócios como salões de beleza e manicures, considerados não essenciais, foram obrigados a fechar. Mesmo com possibilidade de atendimento domiciliar, profissionais têm resistido à ideia e não há muita adesão de clientes. Agora, é preciso pensar em como passarão por este período. O UOL ouviu alguma dessas histórias:

Getty Images/iStockphoto/didecs
Arquivo Pessoal

"Sem trabalhar, como compro comida para casa?"

Alana de Souza, 39, cabeleireira

O salão de Alana de Souza estava indo muito bem. Aberto há três anos na Vila Mariana, zona sul de São Paulo, ele tinha clientes fixas e agenda cheia. Por volta do dia 14 de março, os agendamentos começaram a ser riscados no livro de horários. "Estava dando muito certo. Mas, de lá para cá, foi tudo por água abaixo", conta.

O movimento começou a ficar horrível. Eu ia fazendo a minha parte de prevenção e limpeza no salão, limpando com álcool, lavando as mãos, e avisava as clientes, não deixava pegar na maçaneta, mas percebi que [o movimento] tinha dado uma boa murchada, já.

Outra medida foi passar a atender apenas uma pessoa por vez. Mas a situação piorou tanto que ela nem esperou o decreto de quarentena no estado para fechar as portas. No dia 19, encerrou as atividades por tempo indeterminado.

"Tenho muitas clientes de 60 anos ou mais, então eu já pedia para elas não virem. Algumas até queriam vir, mas foram desmarcando."

Com o salão fechado, ela também se preocupa com a manicure que trabalha com ela.

[A manicure] É minha parceira, também tem família. Prefiro pagar a ela do que pagar aluguel.

Ela diz que está preocupada com o aluguel, apesar de já ter adiantado três meses de pagamento. Mesmo assim, pensa em pedir um desconto. "Preciso ligar para a dona, ela aluga uma sala e outra é dela. É uma região cara, mas sempre paguei tudo bonitinho. Vamos conversar."

Se eu não estou trabalhando, não entra dinheiro. Como compro comida para casa? Quinze dias a gente até segura, mas se prolongar muito, como vai ficar isso? Estou de mãos atadas, muito preocupada, nem consigo dormir direito.

Arquivo Pessoal

"Tive que cancelar tudo por 15 dias, não tem o que fazer"

Bárbara Padre, 29, manicure

Bárbara sentiu que as coisas iriam mudar há duas semanas, quando começou a entrar em contato com os clientes, em São Paulo, para montar a agenda.

Alguns já foram desmarcando, falando que têm criança pequena em casa, que não sabiam se era o melhor momento para receber outras pessoas. Na quarta [18] é que começaram a desmarcar mesmo.

Tudo, claro, girava em torno da covid-19. "Eu expliquei a uma cliente que estava tomando todos os cuidados e ela ia marcar, mas desistiu porque tem criança em casa, e a babá foi trabalhar com febre", disse. "Eu entendo, as pessoas estão certas, eu não posso fazer nada, não posso insistir."

A "sorte", ela explica, é que muitas clientes têm pacote mensal e já haviam pago o serviço. Agora, ela pretende pedir pagamento adiantado de outras. "Estou cobrando quem já fez e só pagaria depois, quem puder adiantar pagamentos futuros. É o jeito que dá." Ela também faz a unha de alguns familiares, o que ajuda na renda extra.

Mesmo antes do decreto de quarentena em São Paulo, decidiu enviar uma mensagem a todas as clientes dizendo que interromperia o serviço por 15 dias. "O momento é de ficar em casa! Não é um período de férias! Tenho consciência de que devo seguir as recomendações que estão sendo passadas", dizia o texto.

Tive que mandar, não tem o que fazer. Estou bem preocupada, não sei o que vou fazer.

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"Eu estava há três dias dormindo muito mal, tive até uma crise de choro"

Rodrigo Teixeira, 39, cabeleireiro

Rodrigo havia acabado de começar uma nova vida profissional. Depois de quatro anos no mesmo espaço, decidiu abrir um novo salão de cabeleireiro na região da Saúde, zona sul de São Paulo. Por isso, ele diz que a agenda ainda não estava muito cheia —o que facilita de um lado, mas dificulta do outro.

"Como ainda estou mexendo com a parte de decoração, eu atendia os clientes que me procuravam. Já trabalhava só com horário marcado —não é um salão grande."

Aos poucos, o número de agendamentos foi diminuindo. De seis para quatro, de quatro para três, até que quase não havia movimento. "Conforme foi ficando grave essa situação, eu comecei a tomar os devidos cuidados. Aos poucos clientes que atendia, disponibilizava álcool gel. Se tivesse alguma coisa referente a resfriado, já pedia que não viesse."

Com o decreto de quarentena, fechou o salão e, desde então, segue preocupado com o aluguel, de quase R$ 3.000. "Já conversei com a gerente da imobiliária por telefone para saber se o dono do imóvel pode fazer algo para amenizar, porque estou sem produzir. Ele disse que era para ficar tranquilizado, que estudaríamos a melhor forma, e que eu não me preocupasse."

Rodrigo diz que está bem, mas segue preocupado.

Eu estava há três dias dormindo muito mal, tive até uma crise de choro, porque mudei recentemente de estabelecimento.

Agora, ele diz que vai esperar para ver como as coisas andam.

Preocupado acho que todo mundo fica, né? Mas se [a quarentena] é a melhor forma, é o que é viável, está certo. Só que profissionais autônomos dependem do trabalho, é difícil.

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"O dinheiro depois a gente recupera. O que importa agora é priorizar a vida."

Waleska Kariny, 31, fisioterapeuta

Waleska trabalha com pilates há seis anos no mesmo estúdio, em Maceió. Ela tinha uma agenda movimentada até a confirmação de um caso na cidade, no começo de março. No estúdio, passou a tomar as precauções necessárias: lavava as mãos e os braços, limpava todos os aparelhos com álcool 70% e parou de usar acessórios difíceis de higienizar.

"Eu informava a todos sobre a importância da lavagem das mãos, antes e depois da aula, mas, mesmo com todas essas medidas, não me sentia totalmente segura em estar trabalhando."

Aos poucos, o número de alunos foi diminuindo. Até a semana retrasada, dos 63 fixos, o número caiu para 34.

Muitos alunos avisaram que iriam suspender o pilates por tempo indeterminado. Muitos foram orientados pelos geriatras, pois a maioria é idosa. Ou fazem quimioterapia, radioterapia. Também há hipertensos, diabéticos. A maioria é grupo de risco ou vive com alguém do grupo de risco.

No dia 17, a prefeitura de Maceió decretou estado de emergência, e o estúdio fechou no dia 19, por duas semanas, com possibilidade de prorrogação.

Desde então, Waleska tem ajudado os alunos e alguns ex-alunos com vídeos de exercícios enviados todas as manhãs. "São videozinhos com alguns exercícios que a gente já fazia no pilates. Quem precisa de exercícios específicos, eu mando no privado."

Quanto ao dinheiro, ela diz que está garantida no próximo mês. A única questão é se houver prorrogação do estado de emergência. "Muitos pagamentos já estavam feitos. Alguns alunos apenas suspenderam [a aula], mas realizaram o pagamento, porque disseram que ninguém tinha culpa do que está acontecendo e que sabiam que também temos contas a pagar."

Outra saída, ela conta, é a possibilidade de atendimento online, modelo antes proibido pelo Coffito (Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional), mas liberado temporariamente durante a epidemia. Apesar da imprevisibilidade quanto à situação financeira, ela diz que não só entende, como apoia a quarentena.

A crise vem mesmo, e para todo mundo que não tem uma reserva de emergência —estou incluída nesse bolo. Mas é uma questão de saúde pública. O dinheiro depois a gente recupera. O que importa agora é priorizar a vida.

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