Elas viviam com R$ 600 de auxílio; R$ 300 vão dar?

"Na pior hora da nossa vida, cortam pela metade", Camila Gonzaga, autônoma


Henrique Santiago, colaboração para o UOL

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A autônoma Camila Gonzaga, 31, não sabe como serão os próximos meses em sua casa, mas imagina que a dificuldade será grande. Desempregada desde 2015, ficou aliviada quando foi aprovada para receber o auxílio emergencial de R$ 1.200 -como é chefe de família, foram duas cotas de R$ 600. Camila se sustentava com a venda de roupas e maquiagens, mas não saiu para trabalhar durante o isolamento social. Ela e seu companheiro, que vive de bicos de pedreiro, ficaram desesperados com a possibilidade de passarem fome em plena pandemia de coronavírus.

O casal tem uma filha de cinco anos. A preocupação voltou a fazer parte da rotina da família, que mora na União de Vila Nova, na periferia de São Paulo, quando o governo prorrogou o auxílio emergencial até dezembro, mas cortou seu valor pela metade. A renda familiar de R$ 1.800 - o parceiro de Camila também recebe o auxílio - cairá justamente em um momento de alta nos preços dos alimentos.

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Carne vermelha, só uma vez na semana


Camila diz que já economizava no supermercado, e agora tem que cortar ainda mais.

"Estamos alternando, num dia é ovo e no outro é frango. Estamos comendo as misturas mais baratas. Diminuí a carne e comprei legumes, que também têm nutrientes e são mais em conta. Carne vermelha, só uma vez na semana."

Ela diz que gasta R$ 500 atualmente só com alimentação. O sufoco só não é maior porque a família não paga aluguel, apenas a taxa de condomínio de R$ 130 para morar em um apartamento da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano).

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"Eu me sinto um ser humano incapaz"


Desde o começo de setembro, quando soube da redução do benefício, a autônoma voltou a trabalhar esporadicamente. Entretanto, não vende nem a metade dos R$ 400 que conseguia antes da pandemia. Ela conta já ter contraído a covid-19 em abril, mas não vê alternativas senão se arriscar nas ruas e no transporte coletivo para complementar a renda da família. Além de se contaminar de novo, o risco é transmitir coronavírus ao marido e à filha.

"A única solução é tentar multiplicar esse dinheiro. Vou comprar uma parte em maquiagem para vender e tentar multiplicar [com as vendas]", disse. "Eu me sinto um ser humano incapaz, porque pagamos impostos direitinho e, do nada, na pior hora da nossa vida, no meio de uma pandemia, eles [governo] cortam [o auxílio] pela metade. Numa hora dessas, nem sei o que fazer."

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Arriscar-se para não passar fome


A dona de casa Larissa de Carvalho, 22, iniciou 2020 com o sonho de ingressar na faculdade, em Pedagogia ou Direito. Passados nove meses, porém, o sonho permanece. Ela passa a maior parte do tempo dentro de casa, com sua filha de dois anos. Para piorar a situação, seu parceiro sofreu um acidente de moto enquanto trabalhava como motoboy, e ficou cerca de três meses parado. Antes da pandemia, Larissa dividia seu tempo entre os estudos por conta própria para prestar vestibular e o trabalho duas vezes por semana como faxineira, que dava uma renda mensal de R$ 800

Sem esse dinheiro, contou apenas com o benefício de R$ 600. Como a conta não fechava, decidiu aproveitar os conhecimentos das aulas de manicure que cursou como hobby, antes da pandemia, para fazer unhas nas redondezas do seu bairro, no Parque Cisper, na capital paulista. "Entra um dinheirinho [como manicure], mas é pouco. Só faço para não passar fome."

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"O que eu faço com R$ 300?"


Entre mercado, internet, água e luz, a dona de casa desembolsa quase R$ 700 todo mês. A casa de dois cômodos é da família do companheiro. "O pacote de arroz está custando R$ 25. Para fazer uma compra básica, incluindo arroz, feijão e leite para a minha filha, gasto R$ 300. O que eu faço com R$ 300 [do auxílio]? Torna-se quase impossível viver. É uma obrigação do governo ajudar quem precisa. "O dinheiro não é deles [do governo], é nosso. O dinheiro volta para eles, porque a gente vai gastar com comida. A gente é pobre, só gasta com comida." Larissa diz acreditar que atrasará o pagamento das contas nos próximos meses. As prioridades são alimentação e pagamento das parcelas da moto que seu companheiro usa para trabalhar." É triste. Pensei que não ia passar por isso quando fosse mãe, mas a culpa não é minha. O momento é difícil no mundo inteiro."

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"Tem dia em que não vendo nada"


O aluguel de R$ 2.200 de uma casa na Vila Aricanduva, em São Paulo, é o motivo da dor de cabeça de Lucinéia Anjioni, 40. Ela e o companheiro se mudaram recentemente para uma casa que comporta os quatro filhos. O caçula, de dez anos, nasceu com mielomeningocele, uma má formação da espinha que o impossibilita de andar. Formada em Direito em julho, Lucinéia está sem trabalhar formalmente há dois anos. As parcelas de R$ 600 mitigaram um pouco sua preocupação, mas ela também teve que trabalhar por conta própria. Cozinha caldos, tapiocas e sanduíches beirutes, que são entregues aos clientes por seu parceiro. Mas diz que o movimento está fraco ultimamente. "Tem dia que vendo R$ 20, tem dia em que não vendo nada."

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"Corta aqui, corta ali e vai sobrevivendo"


A pensão alimentícia de um salário mínimo (R$ 1.045) que recebe do ex-marido ajuda a colocar comida na mesa e pagar um boleto de água ou de luz. Mesmo assim, Lucinéia conta que sua família tem passado aperto nos últimos meses. A dificuldade só não é maior porque os filhos entendem a urgência do momento.

"Hoje já não entra mais pizza na minha casa. Vão comer o que tem. Quando [a situação] melhorar, voltarão a comer pizza. Eles são bem compreensivos."

Com a redução do auxílio para R$ 300, Lucinéia diz que vai ter de rever os gastos com alimentação e energia elétrica.

"A redução vai prejudicar, mas é o que tem para hoje. É melhor você ter R$ 300 do que nada. O brasileiro sempre dá um jeito, corta aqui, corta ali e vai sobrevivendo."

Publicado em 25 de outubro de 2020


Reportagem: Henrique Santiago

Edição: Mariana Bomfim

Fotos: Fernando Moraes

Edição de Imagens: Lucas Lima