Desempregados da periferia

Sem especialização nem direito, trabalhadores pobres sofrem mais e contam como é viver na crise da covid-19

Henrique Santiago Colaboração para o UOL, em São Paulo Inês Bonduki/UOL

Os que mais sofrem

O desemprego em tempos de covid-19 tende a afetar principalmente os moradores de periferias, segundo Fausto Augusto Junior, diretor-técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).

"Essas pessoas estão em trabalhos mais vulneráveis, pois geralmente não têm carteira assinada ou estão em atividades de fácil substituição. As empresas demitem o trabalhador hoje e, caso a crise melhore daqui a três meses ou seis meses, contratam outra pessoa sem perder muito tempo com grandes qualificações ou investimentos", disse.

Esses trabalhadores são os primeiros a perceber os impactos do desemprego em atividades como telemarketing, limpeza e trabalhos terceirizados.
Fausto Augusto Junior, diretor-técnico do Dieese

Demitida após 21 anos

Quando Lindalva Martins, 49, chegou ao trabalho na manhã de 12 de março, foi surpreendida com o anúncio de sua demissão após 21 anos —quase metade de sua vida— como copeira em uma editora na Saúde, zona sul de São Paulo.

Renda caiu de R$ 2.000 para zero

Ela mora com o marido no bairro Vila Any, em Guarulhos (SP). Ele é jardineiro, mas também perdeu o emprego na mesma época. Os dois filhos do casal, que vivem em Santos e Jundiaí (SP), também estão à procura de trabalho. A renda mensal caiu de R$ 2.000 para zero, e o único sustento atualmente é a "pouca reserva bancária" da família.

Reprodução/Arquivo pessoal

A situação está difícil e eu fico com a cabeça quente, né? É tanta conta para pagar, de água, luz, compras para fazer. Estamos passando por um aperto aqui.
Lindalva Martins, 49

Acostumada a sair de casa de madrugada e voltar no fim da tarde, ela tem estranhado a nova rotina e diz que não pensaria duas vezes em aceitar uma proposta de emprego.

Se aparecer, eu vou, senão vira uma bola de neve. Com máscara e luva, eu vou.

Demitida pelo WhatsApp

A auxiliar administrativa Mariza da Silva, 49, foi informada da demissão por mensagem de WhatsApp, na primeira semana de abril. Estava no período de experiência em uma peixaria na Vila Matilde, zona leste de São Paulo. Nem chegou a conversar sobre uma possível redução de carga horária ou salário.

Nora está grávida

Desde então, tem enviado currículos diariamente. Ela mora no Jardim Aricanduva, também na zona leste, com o filho e a nora grávida. Ela conta que na sua área é difícil ficar parada por muito tempo, mas teme pelo agravamento da crise. Por isso, se antecipou e pagou as contas até o começo do segundo semestre.

Reprodução/Arquivo pessoal

Até julho eu sei que vou estar tranquila, depois vai bater o desespero. Eu espero estar trabalhando em julho. Sou ansiosa por natureza, tenho perdido o sono à noite. A preocupação sempre bate porque o pão de cada dia tem que estar na mesa.
Mariza da Silva, 49

Informais sofrem mais com a crise

A renda informal faz parte da vida de quem mora nas periferias, de acordo com Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva. Estudos divulgados pela entidade mostram números preocupantes:

  • 89% dos moradores de favelas tiveram queda na renda desde o início da pandemia
  • 39% das famílias brasileiras demitiram domésticas e diaristas sem qualquer remuneração

Uma das principais mentiras que se falou desde o começo da pandemia é que o vírus é democrático e atingia, da mesma forma, ricos e pobres. Em relação ao emprego, quanto menor a renda de trabalhadores, maior será a presença de autônomos. São exatamente eles que mais sofrem com a crise. Uma parte considerável não trabalha em profissões que permitem o home office e, portanto, estão mais vulneráveis.
Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva

Embora seja difícil prever o que acontecerá com a periferia após a crise do coronavírus, Renato Meirelles afirma: com a falta de empregos formais, os moradores buscarão alternativa na informalidade, no trabalho autônomo e empreendedorismo.

50 demitidos de churrascaria

O que se vê atualmente é o mercado de trabalho informal ganhar força nas periferias, com moradores se arriscando nas ruas diariamente para garantir o sustento. É o caso de Fernando Almeida, 36, ex-chefe de manobristas em uma churrascaria na avenida Faria Lima, região de grandes escritórios em São Paulo. A empresa demitiu todos os 50 funcionários dias antes do início da quarentena.

Lanchonete em casa, entregas no bairro

Casado e pai de quatro filhos, o morador do Jardim Guarapiranga, na zona sul, não teve a opção de esperar por um novo emprego. Abriu uma pequena lanchonete em sua casa, negócio que já havia experimentado no passado. A mulher e a filha mais velha fazem os lanches, e ele entrega de carro nas redondezas —com máscara, álcool em gel e luvas.

As redes sociais e a o boca-a-boca são usados para divulgar o novo trabalho a amigos e conhecidos. Nos primeiros sete dias, vendeu uma média de 30 lanches —aproximadamente R$ 400. Ele gasta cerca de R$ 40 por dia em combustível para fazer as entregas.

Reprodução/Arquivo pessoal

Esse começo está sendo difícil porque tiramos dinheiro de onde não tínhamos, e o retorno não veio ainda. Quem vive em periferia sabe que muita gente, às vezes, nem tem o que comer. E, se as pessoas estiverem no seu limite, elas vão segurar o dinheiro [para não comprar lanches].
Fernando Almeida, 36

De porta em porta

Quem também entrou na recente estatística de desemprego foi a assistente social Adriana Evaristo, 44. Em março, ela cumpriu aviso prévio no abrigo para idosos onde trabalhava no Jaçanã, zona norte de São Paulo. Agora, para pagar o aluguel de sua casa, no Jardim Pery (também na zona norte), está trabalhando na coleta de óleo de cozinha usado.

Bate de porta em porta das 10h às 16h

Diariamente, ela bate de porta em porta das 10h às 16h em busca do resíduo em bairros vizinhos. Ela diz que se surpreendeu com a quantidade de óleo que as pessoas guardam em casa e que recolhe aproximadamente 400 litros por dia. O material é vendido para uma refinadora, que utiliza para produzir biodiesel, e o dinheiro conseguido é maior do que o salário de R$ 1.600 que recebia no emprego anterior.

Reprodução/arquivo pessoal

Eu vejo como algo de Deus na minha vida. Em plena crise me veio essa oportunidade.
Adriana Evaristo, 44

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