Nova profissão no pedaço

Diretor de felicidade ganha espaço com pandemia; salário é de até R$ 40 mil

Claudia Varella Colaboração para o UOL, em São Paulo Getty Images/iStockphoto

Levar a felicidade

Já imaginou comandar ações numa empresa para levar felicidade aos funcionários -e ainda ganhando um salário que pode chegar a R$ 40 mil? Por conta da pandemia, a profissão de "diretor de felicidade" ganhou relevância no Brasil. É o cargo de Chief Happiness Officer (CHO).

Algumas empresas no país, como o Google e a Tecfil, já implantaram esta função. No Google, o nome do cargo é Chief Culture Officer, com funções semelhantes ao de um CHO.

As organizações entenderam que, para reter talentos, não basta apenas ter bons salários. As pessoas precisam se sentir satisfeitas e felizes no trabalho, trabalhar por um propósito. E a empresa precisa ter esse olhar, uma vez que um profissional feliz rende muito mais e permanece na empresa por muito mais tempo.
Gabriela Mative, superintendente de seleção da Luandre, empresa de consultoria em RH

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Profissão do futuro, dizem especialistas

Especialistas ouvidos pelo UOL dizem que o cargo do CHO é uma das profissões do futuro e ganha força como uma tendência para os próximos anos no Brasil.

Podemos dizer que ela está se firmando e passa a ser uma profissão indispensável para a manutenção do bem-estar e dos bons resultados nos ambientes profissionais.
Erika Moraes, especialista em recrutamento da Robert Half

No Brasil, a remuneração de um CHO fica entre R$ 15 mil a R$ 40 mil, dependendo do segmento e porte da empresa.

O Instituto Feliciência, um centro de formação nos campos da ciência relacionados ao bem-estar humano e à felicidade, trouxe a certificação Chief Happiness Officer para o Brasil em março de 2020.

"Acreditamos que mais que uma profissão ou cargo, trata-se de uma função cuja necessidade é premente", disse Carla Furtado, diretora executiva do Instituto Feliciência, que é membro do Woohoo Academy, academia dinamarquesa de certificação Chief Happiness Officers.

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Ana Paula de Oliveira é gerente de RH da Tecfil

Felicidade no ambiente corporativo

"A felicidade no trabalho não é ter pessoas felizes e sorrindo o tempo todo nem mesmo usar de compensações que aumentem a satisfação. Deixar frutas à disposição dos colaboradores pode aumentar a satisfação, mas não é suficiente para garantir a felicidade. Para isso é preciso implantar ações que melhorem as suas relações e permitam melhores resultados", disse Renata Rivetti, diretora e fundadora da Reconnect, que ministra o curso "Certificação Internacional Chief Happiness Officer".

Há 15 anos como gerente de RH da Tecfil, Ana Paula de Oliveira, 47, diz que não existem segredos em estruturar um plano de felicidade corporativo. "O primeiro passo é conhecer e entender o perfil dos colaboradores, interesses, objetivos, sonhos etc., e construir uma jornada que faça sentido", declarou. A Tecfil, fabricante de filtros automotivos, tem 1.500 funcionários.

Compartilhar e comemorar com todos os resultados atingidos, não deixar passar em branco datas comemorativas e até atender a cartinha dos filhos dos funcionários para o Papai Noel são exemplos de ações que a empresa desenvolve.

O CHO vai além de um cargo. É preciso ser otimista, altruísta, criativo, dinâmico, empático e ter atenção voltada às pessoas e aos colaboradores que fazem parte da companhia. Ouvir é fundamental.
Ana Paula de Oliveira, gerente de RH da Tecfil

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Claudio Zini é diretor-presidente da Pormade Portas

Gestão compartilhada trouxe felicidade para empresa

A felicidade no ambiente corporativo também foi a aposta de Claudio Zini, 71, para implantar a gestão compartilhada na Pormade Portas, em União da Vitória (PR), com 900 funcionários.

"As empresas precisam encontrar maneiras de energizar as pessoas para que apliquem no trabalho não apenas a sua capacidade, mas a sua paixão. Para isso os funcionários têm que estar felizes", declarou Zini, que é o atual diretor-presidente e irá assumir em breve o cargo de CHO da empresa.

Para ele, se o colaborador está feliz, ele leva a empresa para casa. "As melhores ideias vêm no chuveiro, na cama, no domingo à noite. Ideias não batem cartão de ponto. Um trabalho com amor e paixão não estressa, ao contrário, é o combustível da felicidade. E a felicidade está na liberdade de ter ideias, propor melhorias e vê-las aplicadas no dia a dia", afirmou Zini, que implantou a gestão compartilhada na Pormade nos anos 1980.

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O que faz um trabalhador feliz?

Para especialistas, felicidade no trabalho vai muito além de valorização salarial, benefícios e outros mimos materiais.

Para Edna Bedani, diretora da ABRH-SP (Associação Brasileira de Recursos Humanos - Seccional São Paulo), a empresa precisa ser atrativa com salários e benefícios compatíveis com o mercado, liderança preparada e ações de engajamento das pessoas, mas isso não é suficiente.

"Aumento salarial e benefícios são bons, mas não retêm o funcionário dentro da empresa, se ele não se sentir respeitado, reconhecido e com o potencial utilizado. Deve haver programa de meritocracia, com salário e benefícios compatíveis, mas é preciso estar mais próximo das pessoas, entender o que se passa com cada uma."

Para ela, o papel do CHO nada mais é que o tão conhecido "gerente de desenvolvimento humano e organizacional", que trabalha diretamente com o desenvolvimento de pessoas, a gestão de pesquisa de clima organizacional e os planos de ações para tornar a empresa um lugar excelente para se trabalhar.

Vejo que as organizações criam cargos e metas para manter uma felicidade ou um bom clima na empresa ou definem regras e metas competitivas, agressivas, desafiadoras, mas nem sempre dão condições reais para que isso possa acontecer e ser cumprido.
Edna Bedani, diretora da ABRH-SP

Função pode ser vista como "invencionice"

Paulette Melo, professora de gestão de pessoas e liderança para MBA e CEO na Fundação Getulio Vargas (FGV), diz que o funcionário pode entender que o cargo de diretor de felicidade trata-se de mais uma "invencionice", para buscar novas formas de manipulação a fim de aumentar a produtividade da empresa.

"A falta de clareza do que felicidade significa na prática dificulta a criação de indicadores claros de eficiência na gestão. Para que o tema não passe de um modismo, deve receber o crivo da pesquisa científica, na qual os trabalhadores têm que ser ouvidos", afirmou.

Para Paulette, a verdadeira felicidade "transborda os limites" da empresa e avança para cuidar da vida pessoal do trabalhador. "Para garantir essa tal felicidade, a empresa terá que ousar ir para além dos seus limites, o que além de dispendioso requer alta capacitação da equipe que o CHO formará."

Falta de credibilidade, se não tiver resultados rápidos

Luciano Salamacha, professor de pós-graduação de administração na FGV e na Esic Business e Marketing School Internacional, diz que a ausência de resultados rápidos —como a mudança no comportamento de líderes tóxicos ou de algumas políticas corporativas consideradas negativas— pode colocar em risco todo o processo de consolidação do CHO pela falta de credibilidade. "É a perda da confiança pela diferença negativa entre o discurso e a prática."

Outro entrave, segundo ele, é dividir a equipe entre favoráveis e contrários às mudanças propostas. Mudar questões já consolidadas dentro da empresa apenas que o CHO atinja indicadores também pode gerar insatisfação na equipe. "É aquela situação de mudar o que ninguém quer se mude, sem resultado prático percebido, apenas para ter indicadores."

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Atuação de um CHO

A atuação do CHO deve ser estratégica, começando pela realização do diagnóstico dos níveis de felicidade na organização e proposição de um plano de ação.

"É muito importante, portanto, que a experiência do colaborador seja analisada e potencializada e que os profissionais recebam demandas que os motivem e os desafiem, dentro de suas capacidades. Pesquisas internas de clima podem trazer insights importantes", afirmou Erika Moraes, especialista em recrutamento da Robert Half.

"O trabalho e a felicidade passaram a se misturar. A pessoa quer encontrar na empresa tudo o que dê alegrias e prazer, quer se sentir confortável profissional e humanamente", disse Arthur Igreja, especialista em inovação e tendências.

No ano passado, o INSS concedeu 291.390 benefícios por incapacidade devido a transtornos mentais e comportamentais, como depressão. O número é 20,4% maior em relação a 2019 (241.992 benefícios). Os números englobam os afastamentos temporários (auxílio-doença) e as aposentadorias por invalidez causados por este tipo de problema.

O que faz um diretor de felicidade

Sorbetto/Getty Images

Aumento de 40% na produtividade

A gestão estratégica da felicidade no ambiente corporativo pode trazer impactos na produtividade e resultados dos negócios.

Renata, da Reconnect, diz que a implantação de um "plano de felicidade organizacional", quando bem aplicado, garante resultados ao longo de todo o seu processo. "É possível perceber os benefícios por meio do aumento do nível de engajamento dos colaboradores, maior retenção de talentos, melhora na imagem da marca, aumento na fidelização de clientes e até aumento nos lucros."

Segundo Elcio Paulo Teixeira, CEO da Heach Recursos Humanos, diversas pesquisas apontam um ganho mínimo de 12% de produtividade (para empresas que promovem algumas ações regulares de felicidade) e de até 40% (para empresas que possuem ações bem estruturadas de gestão da felicidade).

Esse profissional irá trabalhar ações que promovam engajamento das lideranças e equipe e realizar ações para medir e promover a felicidade no ambiente corporativo de forma a fazer com que isso impacte na produtividade e resultados dos negócios.

Elcio Paulo Teixeira, CEO da Heach Recursos Humanos

É fundamental ter um alinhamento muito estratégico com os cargos executivos da empresa. Isso só dá liga a partir do momento que se conecta às expectativas pessoais com a da própria empresa.

Arthur Igreja, especialista em inovação e tendências

Onde fazer curso de CHO

  • Reconnect

Criada em 2017, a Reconnect, empresa especializada em felicidade no trabalho,tem o curso "Certificação Internacional Chief Happiness Officer" desde o ano passado, fruto da parceria com a Happiness Business School, em Portugal, que atua em países como Suíça e Austrália.

O curso tem duração de três dias e custa R$ 3.500. Já formou 79 CHOs.

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  • Instituto Feliciência

Criado em 2015, o Instituto Feliciência tem o curso Certificação Internacional Chief Happiness Officer (CHO-C), em parceria com a Academia de CHOs da Dinamarca (Woohoo Inc). O curso tem duração de 25 horas e custo a partir de R$ 3.880. O Instituto já formou 118 CHOs. Há vagas para a turma de agosto.

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