Empresas aprendem na crise

Venda em WhatsApp, atendimento no Facebook, programas de gestão: pandemia força inovação e melhora negócios

Claudia Varella Colaboração para o UOL, em São Paulo Getty Images/iStockphoto/metamorworks

Pequenas e médias empresas (PMEs) que não tinham processos digitalizados precisaram se virar para sobreviver à pandemia, implantando ferramentas para gerenciar o fluxo de caixa, economizar tempo e dinheiro, identificar gargalos e não perder vendas.

Elas tiveram de inovar seus procedimentos, vendendo e atendendo mais rapidamente nas redes sociais, substituindo marcação de ponto em papel pelo digital e instalando programas de gestão. Eliminar papel e automatizar planilhas e documentos pode cortar os custos das empresas em até 40%.

O digital é, antes de tudo, um novo campo de jogo e uma nova forma de jogar. Quem não é capaz de servir desta forma vai sendo gradativamente excluído do jogo. Por isto, se uma PME quer prosperar de forma perene, ela tem que aprender a jogar este jogo. E isto começa por transformar internamente seus processos de trabalho, sua forma de pensar, sua forma de ganhar dinheiro.

Daniel Castello, mentor da Endeavor

Segundo Castello, "por pura necessidade de sobrevivência", as empresas de todos tamanhos, inclusive as PMEs, tiveram que encontrar formas digitais de operar. "Isto fez o processo de transformação digital avançar em semanas o que não avançou em anos, em alguns setores."

Conheça 5 empreendedores que na pandemia implantaram ou aperfeiçoaram ferramentas digitais em seus negócios.

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Redução de 90% em erros e fraudes no ponto

Quando a pandemia chegou, não pegou totalmente desprevenido o empreendedor Vagner Simões, 46, dono de seis unidades da Casa de Bolos, em São Paulo.

"Por orientação da franqueadora, sempre investi uma parte do faturamento em aplicações de curto prazo, que permitem resgate rápido. Esse foi o meu maior acerto em termos do gerenciamento do fluxo de caixa", declara.

Folha de ponto manual e controle no Excel

Com um quadro composto por 40 funcionários, porém, o empresário ainda usava um relógio de ponto cartográfico, que registra horário de entrada e saída dos funcionários em um cartão de cartolina, com controle feito em uma planilha de Excel.

Simões decidiu implantar um sistema de automatização de fechamento da folha de ponto. O software de gerenciamento é 100% online, salvo na nuvem. "Agora, temos o relógio de ponto por biometria, no qual o funcionário precisa colocar sua digital, e os dados são armazenados automaticamente."

Menos fraudes e erros, com redução de custos

O empreendedor viu a margem de erros e fraudes despencar em 90%. "Em relação às fraudes, com o ponto por biometria, conseguimos evitar que um funcionário registre a entrada ou saída, a pedido de um colega, por exemplo", diz.

Agora, o RH pode consultar os funcionários que chegaram atrasados, faltaram ou saíram antes do horário para eventual desconto no pagamento. O funcionário tem acesso ao sistema por um aplicativo no celular, em que pode acompanhar as horas trabalhadas e anexar atestados médicos ou declarações de horas ausentes, por exemplo.

"Também reduzimos as despesas com papelaria. Os holerites podem ser consultados numa plataforma digital", afirmou Simões. A redução dos custos administrativos foi de 40%.

Vale ratificar que o ganho não está apenas no tempo, mas principalmente na disponibilidade das informações, que permite maior agilidade na tomada de decisão no dia a dia, e segurança da marcação [do ponto].

Vagner Simões, franqueado da Casa de Bolos

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Rede de estética quadruplica número de clientes

Como aumentar as vendas de uma clínica de tratamentos estéticos em plena pandemia? Esse dilema foi vivido pelo casal Caio Rodrigues, 30, e Natália Ribeiro, 31, dono da rede Mais Top Estética, com 69 unidades e sede em Cruzeiro (SP).

A solução? Contrataram um software ERP de gestão para acompanhar, em tempo real, os indicadores comerciais de toda a rede e saber onde estavam os gargalos.

Antes, segundo Rodrigues, a maioria dos clientes que clicava nos anúncios no Facebook não finalizava a compra. Agora, assim que faz o cadastro, o cliente recebe uma ligação e um link para agendar seu horário em uma das unidades.

Segundo Rodrigues, o número de novos clientes mais que quadriplicou, passando de 120 por mês para 500, em média, e o software de gestão reduziu em 80% os erros de preenchimento de informação no sistema.

Com o software, conseguimos identificar essa falha e pudemos desenvolver mais estratégias para captação de clientes. Assim que ele faz o cadastro, cai direto no nosso sistema. Na outra ponta, o nosso franqueado foi mais bem treinado para atender esse cliente em potencial, ligando para ele, a fim de reverter o seu interesse em vendas de nossos serviços.

Caio Rodrigues, CEO da Mais Top Estética

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Empresa substitui registro de ponto em papel por digital

A Cuidare, rede de cuidadores de pessoas, com sede em Natal (RN), diz que sempre cuidou bem de seu planejamento e controlava o fluxo de caixa, mas não estava preparada para uma situação tão adversa como a atual.

"Essa expertise não contemplava o enfrentamento de uma pandemia ou um período de drástico encolhimento econômico e redução de crédito como ocorreu. Isso fez com que a empresa precisasse rever sua estratégia de negócio para se adequar ao novo momento e transmitir esse entendimento para seus franqueados suportarem melhor o período de dificuldade", afirmou Vladimir Barros, diretor administrativo da rede.

Sistema novo para ajudar franqueados na gestão

A rede, que tem 74 unidades e 300 funcionários, implantou durante a pandemia um software de gestão para ajudar os franqueados a gerenciarem melhor suas unidades. Uma das principais mudanças foi a troca do sistema de ponto dos funcionários.

"Antes, todos os registros de ponto eram feitos em papel impresso, anotados a lápis ou caneta. Esse processo anterior, além de moroso e do qual se exigia o envio do material original para a matriz, também era frágil em relação à segurança de suas informações, pois era passível de rasura, de alterações de horários ou mesmo do extravio do papel impresso", afirmou Barros.

Esse modelo foi substituído pela batida de ponto online, via celular do funcionário. O sistema conta com geolocalização, que garante que o profissional está no local onde deve realizar sua atividade.

A própria ferramenta elabora o relatório de ponto de cada colaborador, com horários exatos, número de dias trabalhados, horas extras, faltas, atestados, salário base e rendimentos extras. Antes, todos esses pontos eram calculados a mão, conferindo-se planilhas diversas, muitas das quais com anotações em papel impresso. Assim, trabalhos que antes consumiam dois ou três dias de um profissional, agora estão prontos quase instantaneamente.

Vladimir Barros, diretor administrativo da Cuidare

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Rede de pelúcias teve que acelerar a digitalização

"Nossa empresa era offline até o dia 24 de março. A partir daí, tivemos que acelerar e levar toda a nossa experiência também para o online. Foi uma aceleração de algumas coisas que já estavam previstas para acontecer em breve, como a reformulação do e-commerce e a venda pelo WhatsApp. A digitalização é um caminho sem volta", declarou Veronicah Sella (à direita, na foto), sócia fundadora da Criamigos, uma rede de criação de pelúcias personalizadas. Com sede em Gramado (RS), a rede tem 19 franquias.

Segundo ela, o WhatsApp se tornou a principal ferramenta de venda e vitrine virtual da empresa. A rede utiliza também outras redes sociais, como TikTok e Instagram, e passou a fazer lives.

A rede intensificou o treinamento dos franqueados sobre fluxo de caixa e preenchimento de DRE (um software demonstrativo de resultado), que faz uma "fotografia financeira" da franquia.

A sócia Natiele Krassmann diz que a empresa percebeu, no início da pandemia, que teria que cortar alguns gastos supérfluos para que o fluxo de caixa continuasse saudável.

O caixa é o rei e uma parte importantíssima da empresa. Sempre temos que ficar de olho, mês a mês, a cada 15 dias, semanalmente. Quanto mais riqueza, mais fluxo de caixa uma empresa tiver, melhor para esse mercado atual com tantas incertezas

Natiele Krassmann, sócia fundadora da Criamigos

Gabriela Costa/DIvulgação

Rede transforma sua operação física em digital

Com 69 das 75 lojas da Mr. Cheney dentro de shoppings centers, o empresário Lindoldo Paiva precisou se reinventar na pandemia para transformar sua operação física em digital e permitir que os franqueados continuassem faturando. A Mr. Cheney é uma rede de franquias de cookies, fundada no Brasil em 2005.

"A rede já tinha um contrato com o iFood, mas, com a pandemia, vimos o nosso faturamento despencar devido ao fechamento das lojas. Então, enxergamos uma oportunidade de digitalizar nossos serviços: expandimos para as demais plataformas de delivery e investimos no e-commerce próprio em tempo recorde de um mês", declarou Paiva.

Inicialmente, apenas quatro lojas estão operando com vendas online, mas a previsão é que todas as unidades estejam no marketplace da empresa ainda em agosto. A empresa também deve lançar um aplicativo próprio de delivery.

A rede começou antes da pandemia a digitalizar os processos internos de gestão, o que ajudou nesse momento de crise. Adotou, por exemplo, um software que unificou todos os sistemas de auditoria de franqueados, projetos, expansão, repositório de arquivos, comunicados e treinamentos. O software reduziu em 50% os custos administrativos da rede.

Simplificamos os processos, o que nos ajudou a ter mais agilidade e ganho de tempo. Antes, muitos franqueados ficavam perdidos porque tinham que acessar várias ferramentas para atender suas demandas, o que gerava desperdício de tempo e muitos erros.

Lindoldo Paiva, fundador do Mr. Cheney

Por outro lado, a rede descobriu que era preciso ter um caixa maior para sobreviver à pandemia. "De repente ficamos sem receita e percebemos a importância de ter uma reserva maior para estarmos mais preparados em situações críticas como essa. Acredito que esse seja nosso erro e próximo acerto de gestão".

Digitalização é essencial, mas ainda distante do pequeno negócio

De acordo com uma pesquisa do Sebrae sobre impacto da crise nos pequenos negócios, somente 15% passaram a vender online na pandemia e 20% não sabem como isso se aplica à sua empresa ou não pretendem vender de forma online no futuro.

Neste novo normal, o que antes era tido como um diferencial para as PMEs hoje é questão de sobrevivência. No entanto, essa pesquisa do Sebrae mostra que a digitalização é algo distante do pequeno negócio.

Matheus Alves de Lima, analista de negócios do Sebrae-SP

Para Lima, a transformação digital provoca tanto melhoria de produtividade, com seus processos de automação e maior acesso à informação, como maior proximidade junto aos clientes, tornando seu negócio mais competitivo e lucrativo.

Para André Friedheim, presidente da ABF (Associação Brasileira de Franchising), a digitalização deve deixar de ser uma questão técnica ou de tecnologia e passar a fazer parte do cerne da estratégia do negócio

Em algumas situações, o uso correto da tecnologia permite que as PMEs concorram em quase pé de igualdade com grandes corporações, ou seja, é uma oportunidade ímpar de expandir os horizontes

André Friedheim, presidente da ABF

Como começar a transformação digital

Especialistas ouvidos pelo UOL dão dicas para começar o processo em sua empresa

6 dicas para iniciar o processo de transformação digital

  • 1

    Avaliação

    Avalie a necessidade dos clientes, funcionários e colaboradores e o impacto que a transformação digital pode ter em seu negócio, buscando estar sempre antenado com as mudanças existentes no seu segmento.

  • 2

    Pesquisa

    Conheça as ferramentas disponíveis para a digitalização e automatização da sua empresa e busque as que ofereçam sinergia com o dia a dia e sejam fáceis de utilizar, seja na hora de emitir uma nota fiscal, cadastrar um cliente ou fazer um planejamento orçamentário.

  • 3

    Digitalização

    Coloque seu negócio nos meios digitais de venda, como sites, redes sociais e aplicativos. Não basta estar apenas presente, é necessário demonstrar domínio em sua área de atuação. Lembre-se que sua prioridade número 1 é chegar até o consumidor. Ele tem que lembrar que você existe e que está disponível para servi-lo.

  • 4

    Na nuvem

    Modernize a estrutura dos processos em uma nuvem. Muitas redes já eram adeptas dessa rotina antes mesmo da pandemia. Agora, cortar custos é cada vez mais uma necessidade.

  • 5

    Sem improvisos

    Contrate especialistas ou empresas especializadas em transformação digital. Não está na hora de aprender sozinho ou improvisar soluções.

  • 6

    O responsável

    Tenha um líder para estabelecer os prazos e orientar a equipe para essa transformação.

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